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Responsabilidade civil nas tratativas e no início da locação

Nas tratativas e no início da locação, fases relevantes para a boa continuidade da relação jurídica, as partes devem estar atentas e preparadas para a consecução do objetivo, que é a própria locação.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Atualizado às 14:40

A relação jurídica obrigacional da locação incumbe as partes ao cumprimento dos termos avençados, pelo pacta sunt servanda1; notadamente pelo que livremente se convencionou, observados o princípio geral da boa-fé objetiva e os seus deveres anexos, da cooperação e da confiança. Antes mesmo, é preciso acentuar, estando o imóvel exposto à locação, deve o locador atender às condições de habitabilidade, para entregar o bem em estado de servir ao uso a que se destina, assim como compete ao locatário operar segundo o uso presumido, devendo tratá-lo de acordo com os parâmetros predefinidos e regulares para a adequada fruição.  

Não raro, depois de concretizada a locação, as partes divergem em pontos sensíveis, atribuindo-se, erroneamente, obrigação que deveria ser satisfeita por si. Vale lembrar, por exemplo, que a lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, estabelece, em seu art. 22, inciso I, que cabe ao locador "entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina". Não pode o locador desfrutar da negociação tendo em conta, unicamente, a contrapartida do aluguel sem prestar os ajustes necessários, pois que, como dito, precisa entregar o bem apto à locação. Também, não deve o locatário extrapolar os parâmetros acertados para alterar a destinação etc. 

Deve haver a compatibilização de interesses, em consonância com a referida lei e os deveres do locador e do locatário, nos artigos 22 e 23, atendidos do início ao fim da locação. Toca ao locador, ainda na fase de exposição do bem ao público, certificar-se de suas condições, especialmente do que diretamente possa comprometer o uso e a fruição - daí o dever de atender à cláusula geral da boa-fé objetiva e aos seus deveres anexos: a cooperação, a lealdade e a confiança. 

Neste diapasão, estando o inquilino a usar o bem sem a prudência necessária, excedendo manifestamente o que se convencionou; impondo o uso para fins não residenciais, no caso de estabelecer um restaurante numa casa que não tem o devido suporte, deixando entupir a tubulação, configurado o dano, impende a este a reparação, portanto, em âmbito cível, por meio da indenização que houver lugar, com o montante a ser arbitrado pelo juízo, para restaurar o bem ao status quo ante, e, inclusive, aplacar os prejuízos psicofísicos provocados ao lesado. Portanto, dada a medida da justiça, cumpre aduzir as reparações por danos moral e material. O Código Civil brasileiro assim define:

 

"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

 

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".

 

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Importa salientar que, para evitar dissensões, é imprescindível realizar as vistorias de início e de fim da locação, nas quais haverá a oportunidade de indicar o estado do imóvel, para atestar eventuais prejuízos e resolver responsabilidades. 

 

"Ementa: RECURSO INOMINADO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUÉIS E ENCARGOS. RESPONSABILIDADE DA PARTE RÉ PELOS ENCARGOS CONTRATUAIS DEVIDOS ATÉ EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. PREVISÃO CONTRATUAL. RESSARCIMENTO DOS VALORES NECESSÁRIOS PARA OS REPAROS DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE VISTORIA INICIAL E FINAL. AUSENTE PROVA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA PARA ACOMPANHAMENTO DA VISTORIA TÉCNICA APÓS DESOCUPAÇÃO. 1- Sopesando a prova produzida, andou bem a sentença ao acolher a tese defensiva, fixando o marco da entrega das chaves como sendo o final do mês de fevereiro de 2017, incidindo, até esta data, os encargos e despesas relativas à locação. 2- A obrigação do locatário é entregar o imóvel ao locador nas mesmas condições em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações decorrentes do seu uso normal, nos termos do inc. III do art. 23 da Lei nº 8.245/1991. 3- A exigência de tal obrigação se faz somente com a existência de vistorias inicial e final, além de prova da notificação do locatário para acompanhar a vistoria final, o que não existe, no caso sob análise. 4- Se não foram realizadas vistorias inicial e final, o ônus pelo pagamento dos reparos necessários no imóvel durante a locação é do inquilino e, após a entrega das chaves é do locador. RECURSO DESPROVIDO. UNÂNIME.(Recurso Cível, 71007949399, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 26/6/19)". 

O locador tem o dever de mitigar o próprio prejuízo2 (duty to mitigate damages), fazendo cessar, assim, a progressão do dano3. É o caso de infiltração, obrigação estrutural que compete ao locador, que deve ser resolvida a contendo para não sobrevir danos ao inquilino. Se for a hipótese, também o locatário não pode se eximir da responsabilidade, em caráter de urgência, para reparar e depois, regressivamente, cobrar do locador. 

Nas tratativas e no início da locação, fases relevantes para a boa continuidade da relação jurídica, as partes devem estar atentas e preparadas para a consecução do objetivo, que é a própria locação, de forma que o locador possa obter seus ganhos e o inquilino goze de pleno uso e fruição da locação. Assim que deixar porventura, de início, algum ponto conflitante poderá gerar complicações difíceis de reparar, ao fim da locação, ainda que se tenha a precaução das vistorias.

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1 "Os contratos existem para serem cumpridos. Este brocardo é tradução livre do latim pacta sunt servanda. É muito mais que um dito jurídico, porém. Encerra um princípio de Direito, no ramo das Obrigações Contratuais. É o princípio da força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes". (ZUNINO NETO, 2009, on-line).

2 "A mitigação, assim, é a conduta proba, leal e cooperativa esperada da parte atingida pelo inadimplemento, pois beneficia não só ao credor, cujo dano não será agravado, mas ao devedor, de quem a reparação pelo agravamento não poderá ser exigida, promovendo, acima de tudo, a economia contratual". (RAMOS; NATIVIDADE, 2017, p. 14).

3 "Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. - Caso em que os locadores realizaram reparos no teto do centro comercial onde se localizava a loja da locatária, ora autora/reconvinda. Danos decorrentes de infiltração ocorridos quando o estabelecimento estava em funcionamento, momento em que ainda vigente o contrato de locação. DANO MATERIAL. INFILTRAÇÃO. ESTRAGOS NO FORRO, MÓVEIS E MERCADORIAS DA LOJA. QUANTUM. MINORAÇÃO. - Restaram demonstrados os prejuízos materiais à pessoa jurídica demandante em função de infiltração gerada por obra estrutural no telhado conduzida pelos reconvintes. Minoração do quantum ao valor do efetivo decréscimo patrimonial demonstrado nos autos. PESSOA JURÍDICA. HONRA OBJETIVA ATINGIDA. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. QUANTUM. MANUTENÇÃO. - A pessoa jurídica não é dotada de honra subjetiva, não sendo passível de ofensas que digam com liberdade, privacidade, saúde, bem-estar, etc, entretanto, possui honra objetiva, que diz com a imagem e o prestígio perante seus clientes, fornecedores e terceiros. - Situação na qual houve constrangimento perante clientes, bem como exposição negativa do estabelecimento comercial. - Ausente sistema tarifado, a fixação do montante indenizatório ao dano imaterial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz. Peculiaridades que devem ser sopesadas - condições e condutas das partes, proporcionalidade e razoabilidade. Valor fixado em sentença mantido. RECONVENÇÃO. DIFERENÇA DE ALUGUÉIS E MONTANTE DOS REPAROS NO IMÓVEL LOCADO. - Parte reconvinda que demonstrou a desocupação do imóvel, inexistindo saldo a pagar quanto aos locativos. Reparos que não podem ser atribuídos ao locatário, neste caso, em especial, em razão da origem dos danos pelo agir do locador, ora reconvintes. DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME.(Apelação Cível,  70082501628, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 31/10/19)".

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Brasil. Lei do Inquilinato 8.245, de 18 de outubro de 1991. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12/12/19. 

Brasil. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 12/12/19.

RAMOS, André Luiz Arnt; NATIVIDADE, João Pedro Kostin Felipe de. A mitigação de prejuízos no direito brasileiro: quid est et quo vadat?. civilistica.com. a. 6. n.1. 2017. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13/12/19. 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Recurso Cível, 71007949399, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em: 26/6/19. 

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível, 70082501628, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 31/10/19. 

ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 13/12/19.

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*Adriano Barreto Espíndola Santos é advogada, doutorada em Direito Privado pela Universidade de Salamanca. Mestre em Direito Civil pela Universidade de Coimbra (Diploma reconhecido pela Universidade Federal do Ceará). Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Público Municipal pela faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza.

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