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Ser atleta no mundo do entretenimento

Está formado um cenário que mais parece uma bola de neve. Quanto mais se paga pelo entretenimento e pela imagem, mais e mais atletas se drogam para conseguir uma fatia desse mercado.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Atualizado às 11:15

Os primeiros Jogos Olímpicos aconteceram nos tempos em que televisão não era nem um projeto a ser desenvolvido. Os atletas disputavam suas modalidades e somente eram vistos por quem estava lá. Sua fama e glória perpetuavam em diversos povoados e, por suas conquistas, eram comparados aos Deuses.

Desde aquela época já existiam as trapaças, drogas potencializadoras e as punições. Mesmo assim, ainda existia a magia do Olimpismo que se desenvolveria com o passar dos anos. Concebida pelo Barão Pierre de Coubertin, durante o Congresso Atlético Internacional em Paris em junho de 1894, a Carta Olímpica aponta o necessário equilíbrio das qualidades do corpo, da vontade e da mente, calcada "no prazer do esforço, no valor educativo do bom exemplo, na responsabilidade social e no respeito pelos princípios éticos fundamentais universais"1.

O Movimento Olímpico é a via pela qual o Olimpismo é colocado em prática e atinge o seu auge "com a reunião de atletas de todo o mundo no grande festival desportivo que são os Jogos Olímpicos". Assim, cabe às Federações Internacionais de cada modalidade esportiva a autonomia necessária para estabelecer e controlar as suas regras, observando que a prática do esporte deve obedecer ao entendimento mútuo, o espírito de amizade, solidariedade e fairplay.

Da instituição do Olimpísmo até os tempos de hoje, o esporte cresceu e agrega cada vez mais adeptos apaixonados pelas inúmeras modalidades existentes. Em virtude disso, a concorrência entre eles se torna cada vez maior e, consequentemente, aumenta-se o intuito de burlar as regras para conseguir, a todo custo, uma vitória.

Vivemos um momento social em que a internet domina a vida das pessoas, tornando tudo ainda mais complicado.

Indivíduos fazem coisas ou deixam de fazer em virtude de popularidade e postagens em redes sociais. Com isso, algumas pessoas que não têm qualquer qualificação, acabam sendo melhor remuneradas do que grandes diretores de empresas que estudaram muitos anos para chegar onde estão.

Influenciadores infantis que só ensinam o que é errado para crianças são as maiores estrelas populares da atualidade. Músicas sem melodias, notas, afinação, instrumento de verdade viralizam em menos de um dia e o mundo todo passa a conhecer a informação com zero conteúdo.

Segundo Alexandre Miguel Mestre é nesse "misto que cria em torno da relação umbilical dos Jogos Olímpicos da Antiguidade com os Jogos Olímpicos da Era Moderna, exponenciam-se os problemas novos", sendo inevitável "a mediatização e a internacionalização do fenómeno olímpico que aumentam o número de litígios conexo com os Jogos Olímpicos, logo são cada vez mais relevantes as questões de índole jurídica e/ou institucional que se colocam, muitas das quais com uma primeira resposta, mas outras ainda com soluções pouco assentes"2.

Enfim, em meio a esse caos social que vivemos, existem os atletas que se esforçam diariamente para obter resultados expressivos e poderem exercer o esporte como sua profissão, o que se trona mais difícil quando pensamos naqueles que não praticam o futebol. Existem ainda aqueles que buscam a mediatização através do esporte, independentemente do preço que se pague, inclusive colocando a suas saúdes em risco.

No âmbito Brasil, são raros os casos de atletas profissionais (leia-se: que vivem exclusivamente do esporte) em que não se tem o futebol como fonte. São atletas que arcam com os seus custos para treinar, se alimentar e competir.

Além dessa dificuldade, junta-se o fato da influência da mídia. Um atleta, muitas vezes, ganha mais em patrocínio do que o próprio "salário", e é aí que as coisas começam a tomar grandes e preocupantes proporções.

A dopagem passa ser a forma mais fácil de ganhar, aparecer e obter lucro com isso. As transmissões dos espetáculos esportivos dão muito mais audiência com quebra de recordes, disputas acirradas e exibições que fogem do comum e, essa cobertura, trará vultuosos valores para todos os envolvidos às custas da saúde dos atletas.

As mídias sociais na internet também pagam fortunas aos influenciadores esportivos que levam marcas e produtos à exposição, o que leva muito atleta amador a tomar várias substâncias proibidas para exibição de um físico perfeito e fotos de pódios em competições das mais diversas modalidades.

Assim, está formado um cenário que mais parece uma bola de neve. Quanto mais se paga pelo entretenimento e pela imagem, mais e mais atletas se drogam para conseguir uma fatia desse mercado.

E como fica a proteção dos atletas? Vale tudo para conseguir um espaço, até mesmo com risco de morte?

Existem discussões de que o doping deveria ser liberado em prol do entretenimento, onde as drogas dopantes deveriam ser relativizadas em prol de grandes espetáculos. Que os patrocinadores deveriam ter seus direitos resguardados em virtude do elevado investimento que se faz no setor.

A Agência Mundial Antidopagem tem um complexo sistema que visa o esporte limpo, justo, a proteção do atleta e de sua saúde. Muitos estudos são feitos com todas as drogas descobertas para se decidir se elas devem ser proibidas ou não. Isso se dá, não só pela vantagem que o atleta pode ter em tomar aquela substância, mas também os riscos de saúde que ele corre caso escolha o caminho pior.

E o que dizer daqueles atletas que são disciplinados, limpos, jogam justo, abdicam muitas coisas por um treinamento correto e veem, muitas vezes, seu sonho acabar por estarem competindo com indivíduos invencíveis?

Portanto, o entretenimento nunca pode ser colocado acima do verdadeiro esporte. O que deveria ser utilizado para fomentar e auxiliar, pode transformar-se em uma arma de verdadeira destruição do Olimpismo.

Atletas e praticantes de exercícios físicos dopados morrem todos os anos em decorrência dos malefícios do uso das drogas. Crianças se espelharão em usuários de drogas e começarão a consumir as mais variadas substâncias, vendidas livremente na internet, para se tronarem campeãs e aparecerem.

O caos social da glorificação da mídia tende a piorar e arrancar muitas vidas. Destruirá sonhos e famílias em benefício do patrocínio, da visualização e da proteção ao empresário.

E os atletas de verdade? Esses terão que escolher outra forma de viver, se acostumar a entrar numa competição sempre para perder ou aderir ao sistema midiático servindo de meio para que empresários gananciosos desfrutem de suas imagens, colocando suas vidas em risco.

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1 Carta Olímpica. Clique aqui.

2 MESTRE; Alexandre Miguel. Direito e Jogos Olímpicos. Portugal: Almeida, 2008. Pg. 15.

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*João Guilherme Guimarães Gonçalves é advogado do escritório Gonçalves, Arruda & Gonçalves - Sociedade de Advogados.

*Alexandra de Oliveira Real Amadeo é advogada do escritório Gantus Advogados Associados.

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