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A admissibilidade da prova ilícita no direito de família

Andréa Stephanie Moura Martinho e Renato Armanelli Gibson

A ilicitude provém do meio utilizado para sua colheita e não no fato evidenciado, isto é, a situação fática que se busca comprovar pode até ser verdadeira que isso não descaracterizaria a ilicitude da prova.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Atualizado às 14:38

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LVI, é taxativa ao vedar a admissibilidade das provas oriundas por meios ilícitos, impondo, assim, restrições à atividade probatória. O que se busca com esse tipo de restrição é garantir no caso concreto a proteção de outros bens jurídicos, tais como a privacidade, a integridade física e o devido processo legal.

Como é sabido, as provas ilícitas são aquelas obtidas através da violação a princípios ou regras de direito material. Sobre essa sistemática Avolio (2003, p.147) sustenta que, ''embora essa violação ocorra no plano do direito material, a ilicitude repercute no plano processual, tornando a prova inutilizável''.

Afigura-se, portanto, que a ilicitude provém do meio utilizado para sua colheita e não no fato evidenciado, isto é, a situação fática que se busca comprovar pode até ser verdadeira que isso não descaracterizaria a ilicitude da prova. Ou seja, se o meio utilizado para sua produção ofende algum bem juridicamente protegido, isso é o que basta para que a prova seja considerada ilícita. Assim, são exemplos de provas ilícitas o depoimento de testemunha sob coação, interceptação telefônica clandestina, violação de correspondência, gravações clandestinas.

Logo, é plausível destacar que, para que os fatos alegados sejam reputados verdadeiros no processo, as partes devem demonstrar a sua veracidade por meios legais e moralmente, visando, assim, influenciar a convicção do magistrado e, por conseguinte, obter uma prestação jurisdicional mais adequada.

Contudo, em demandas familiares, a atividade probatória, por muitas vezes, poderá ficar comprometida em razão da dificuldade de se provar situações ocorridas na intimidade do lar (atos de alienação parental, por exemplo), utilizando-se apenas dos meios probatórios admitidos pelo ordenamento.

À vista disso, Schimidt (2011) defende que ''a proibição das provas ilícitas é um princípio relativo, que, excepcionalmente, pode ser violado se estiver em cena um interesse de maior relevância ou outro direito fundamental que com ele contraste''.

Veja-se um exemplo fictício que ilustra tal situação:

Sr. Harvey Specter recorre ao Poder Judiciário para obter a guarda de sua filha Luíza Specter Paulsen, sob a alegação de que a criança sofre maus-tratos por parte de sua genitora, Sra. Donna Paulsen. No entanto, para demonstrar tal fato, utilizou-se de provas adquiridas clandestinamente. Sendo assim, inicialmente, vedada a apreciação pelo magistrado. Mas, percebe-se que, no caso em tela, o direito à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal) e à integridade física da criança sobrepõem-se em termos de relevância ao direito de privacidade dos genitores (artigo 5º, X da Constituição Federal).

Dessa forma, a restrição imposta à atividade probatória poderá ser colocada em segundo plano, em razão da situação concreta comportar um direito de maior relevância a ser protegido pela tutela jurisdicional. Sabe-se que a admissibilidade das provas ilícitas deve ser feita por meio da teoria da proporcionalidade.

Nesse viés, Rolf Madaleno aborda que a teoria da proporcionalidade (2017, p.436) ''reconhece a ilicitude da prova; entretanto, permite que o juiz coteje os valores postos em entrechoque no propósito de escolher e decidir pelo melhor caminho na aplicação da justiça''.

Tal situação encontra-se exemplificada na decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina em demanda de cunho alimentar:

''A inviolabilidade dos dados bancários não é absoluta, podendo ser flexibilizada em casos excepcionais. Assim, em se tratando de matéria atinente ao direito de família, visando resguardar o direito da criança à percepção de alimentos do pai, pode ser deferido o pedido de requisição das informações bancárias do alimentante que, sendo trabalhador autônomo, não esclarece os seus reais rendimentos e, assim, inviabilizando a mensuração de suas possibilidades econômico-financeiras.''

Neste sentido, o Tribunal de Minas Gerais em ação de divórcio litigioso decidiu:

''o sigilo bancário pode e deve ser quebrado mediante decisão judicial quando houver inequívoco interesse em se elucidar a verdade sobre os fatos, porquanto o que a lei veda é o fornecimento indiscriminado e imotivado de informações sigilosas.''

Todavia, vale registrar que tal medida pode ser encontrada em demandas não atinentes ao direito de família. Consoante se infere do precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal ao julgar agravo interno em recurso extraordinário interposto contra acordão que confirmou decisão de deferimento de medida liminar, isto é, de natureza precária, in verbis:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONTRA DECISÃO DE NATUREZA PRECÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 735/STF. SIGILO BANCÁRIO. CONFLITO APARENTE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PONDERAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Em respeito ao art. 102, III, da Constituição Federal, ao Supremo Tribunal Federal cabe o julgamento, mediante recurso extraordinário, das causas decidias em única ou última instância. 2. Recurso interposto contra acórdão que confirmou decisão de deferimento de medida liminar, portanto, de natureza precária. Incidência da Súmula 735/STF 3. Na hipótese, a quebra de sigilo foi determinada pelo Judiciário, em decisão que deferiu liminar em ação cautelar preparatória de ação civil pública de improbidade administrativa. Os direitos fundamentais estatuídos pela Constituição, quando em conflito, podem ser relativizados. De modo que o sigilo bancário, espécie de direito à privacidade, deve ser relativizado diante dos interesses público, social e da justiça. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não houve fixação de honorários advocatícios. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (RE 612687 AgR, relator(a): min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/10/17, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-258 DIVULG 13/11/17 PUBLIC 14/11/17) (grifo acrescido)

Como se pode perceber, a teoria da proporcionalidade tem sido aceita pelo judiciário em casos específicos, concretos, a fim de recepcionar provas reputadas como ilícitas, em razão da complexidade das relações envolvidas, bem como para proporcionar maior equilíbrio entre os envolvidos no exercício do direito probatório.

Acresça-se, por necessário, que se por um lado existe uma vedação constitucional expressa, por outro, não há como ignorar as informações trazidas pelas partes por meio dessas provas, principalmente, quando não detêm outros meios legais e moralmente legítimos para comprovar e demostrar tais fatos alegados, que, por vezes, estão igualmente protegidos pela Constituição Federal.

Assim, é forçoso concluir que a admissibilidade da prova ilícita, sobretudo em demandas que versam sobre direito de família, deve ser analisada de maneira minuciosa em cada caso concreto pelo magistrado, visando a ponderação entre os valores em colisão e a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

_______________

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptação telefônica, ambientais e gravações clandestinas. 3º ed. rev., ampl. e atual. em face das leis 9.296/96 e 10.217/01 e da jurisprudência. - São Paulo: Editora Revista dos tribunais LTDA, 2003.

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 27 jul. 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal de Federal. Agravo Interno. Processo  RE 612687 AgR. Relator: ministro Roberto Barroso. 14 nov. 2017. Disponível em:  clique aqui . Acesso em: 27 de jul. 2018

MADALENO, Rolf. A Prova Ilícita no Direito de Família e o Conflito de Valores. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 abr. 2018.

MADALENO, Rolf. Direito de Família. - 7ª. ed. ver., atual e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2017.

MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Divórcio Litigioso. Processo  1.0079.11.064666-2/002. Relator: desembargador Duarte de Paula. 03 mar. 2014. 

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Ação de Alimentos. Processo 2013.015080-0. Relator: desembargador João Batista Góes Ulysséa. 04 jul. 2013. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 abr. 2018

SCHIMIDT, Shauma Schiavo. A Prova Ilícita no Direito de Família. Revista Eletrônica do Mestrado em Direito da UFAL. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 abr. 2018.

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*Andréa Stephanie Moura Martinho é advogada, graduada em Direito pela faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete.

*Renato Armanelli Gibson é advogado, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito Empresarial Internacional pela Universidade Real de Groningen, Holanda. Professor de Direito Processual Civil na faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete.

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