Constatação prévia em processos de recuperação judicial: visão distinta do judiciário
O objetivo da constatação prévia é certificar se todos os documentos exigidos na lei de recuperação judicial e falências, precisamente no artigo 51, foram apresentados de forma correta.
quarta-feira, 20 de novembro de 2019
Atualizado às 08:25
A constatação prévia, inicialmente conhecida como perícia prévia, advém da necessidade de se realizar, em caráter antecedente ao deferimento do pedido de recuperação judicial, análise mais aprofundada da real situação da empresa que pleiteia o deferimento, utilizando-se do exame da situação econômico-financeira e vistoria na sede da empresa, com vistas a verificar a viabilidade do deferimento do processamento da recuperação judicial.
Ainda sem a devida formalidade, ante a inexistência de dispositivo na lei 11.101/05 que regulamentasse a matéria, surgiu da real necessidade de processos ajuizados na 1ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo, onde após o deferimento do processamento, os Administradores Judiciais que se dirigiam às empresas recuperandas se deparavam com algumas empresas fechadas e outras que os documentos apresentados em Juízo não estavam em conformidade com a realidade da empresa.
O objetivo da constatação prévia é certificar se todos os documentos exigidos na lei de recuperação judicial e falências, precisamente no artigo 51, foram apresentados de forma correta, bem como se os documentos correspondem a real situação da empresa, sem adentrar na viabilidade da empresa, pois, entende-se que esse critério deve ser avaliado pelos credores no momento oportuno.
Um ponto que gera controvérsia, reside na nomeação do próprio Administrador Judicial para realizar a constatação prévia, pois, poderá existir conflito de interesse, vez que após sua "aprovação", o juiz certamente o nomearia.
Os juízes que defendem a necessidade da constatação prévia sinalizam que os documentos contábeis devem ser analisados por profissional que tem o conhecimento específico na área, a fim de verificar se a realidade da empresa corresponde aos documentos apresentados, por isso a necessidade de visita a empresa, pois o juiz terá mais subsídios para fundamentar a sua decisão de deferimento ou indeferimento do processamento da recuperação judicial.
Por sua vez, os juízes que defendem a desnecessidade de realização de prévia análise, sustentam que, se após o deferimento da recuperação judicial constatar-se qualquer ato fraudulento no pedido, a empresa encontrar-se fechada ou até mesmo sem condições de soerguimento, a lei já prevê a convolação da recuperação judicial em falência, permanecendo a empresa sob a fiscalização do judiciário para que não venha causar mais prejuízos financeiros a sociedade.
Afora o anseio do empresário em ver o seu negócio soerguido e atuando novamente de forma competitiva no mercado, o deferimento do pedido de recuperação de uma empresa, a depender do seu aporte financeiro, afetará diretamente o mercado financeiro, porque o juiz em sua decisão, em conformidade com o artigo 52 da lei, dentre outras coisas, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor pelo prazo de 180 dias, mais conhecido como stay period, sendo ressalvadas as hipóteses previstas em lei.
Deferido o processamento da recuperação judicial, percebe-se o impacto gerado aos credores, que por sua vez gera aos seus fornecedores expectativas, que a princípio irão ficar sem receber, vez que, a empresa que propôs a recuperação judicial não poderá, por força de lei, pagar a seus credores antes da aprovação do plano de recuperação, normalmente virá com condições para pagamento em longo prazo e com alto deságio. Portanto, acarretará uma repercussão social e econômica.
Porém, observa-se que existiam critérios subjetivos para cada análise de documentos, bem como, interpretações distintas, a cada perícia realizada e consequentemente para cada decisão do magistrado ao deferir o processamento. Com o intuito de padronizar o entendimento, o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, através do grupo criado pela portaria 162/2018, recomendou critérios objetivos de análise e aplicação uniforme, o que deverá facilitar o entendimento dos juízes antes de decidir.
A título exemplificativo desta objetividade, o diagnóstico será baseado nos artigos 47, 48 e 51 da lei de recuperação e falência, onde poderá o auxiliar ou empresa nomeada, revelar a inexistência da empresa, alteração nos documentos apresentados constatando fraude, capacidade de gerar empregos, auferir riqueza, até mesmo a incompetência territorial para propositura da ação ou seja, incompetência do juízo.
Ademais, o princípio da preservação da empresa é basicamente o núcleo da lei 11.101/05 (lei de recuperação e falência), quanto ao deferimento/concessão da recuperação judicial; este pode ser observado no artigo 47 da lei comento, onde aduz que o objetivo é a preservação da empresa, manutenção de empregos, circulação de bens, produtos, serviços, recolhimento de tributos, gerar lucros e sem sombra de dúvida o interesse dos credores. Por fim, fazendo que a empresa em recuperação, ou seja, insolvente, volte ao mercado de forma solvente e competitiva.
Portanto, independentemente da decisão tomada pelo magistrado, percebe-se a sensibilidade e a preocupação do judiciário com o deferimento do processamento da recuperação judicial, sobretudo o impacto que o deferimento pode gerar a sociedade. Não obstante isso, não restam dúvidas que o objetivo é a segurança jurídica, a preservação da empresa e a proteção ao direito dos credores.
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*Paulo Roberto de Souza Junior, é advogado, administrador judicial, especialista em Direito empresarial pela UFPE. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela ESA-PE. Atuante na área de recuperação judicial e falência.
*Conceição Emanuelly da Cunhas Farias, é advogada e pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil pelo ATF - Cursos Jurídicos. Atuante na área cível.