Honorários contratuais e de sucumbência na arbitragem
No tocante aos interesses dos advogados patrocinadores de tais causas lembremo-nos do que diziam os antigos: o que é contratado não sai caro. E nem barato, acrescento. Sai de forma justa.
segunda-feira, 18 de novembro de 2019
Atualizado às 11:10
Há alguns dias esses temas foram objeto de uma reunião do Comitê de Arbitragem do CESA, brilhantemente apresentados pelos distintos colegas Helena Abdo e Ricardo Aprigliano, sob a coordenação de Gisela Ferreira Mation e de Renato Stephan Grion. Na ocasião tive a oportunidade de suscitar alguns pontos os quais, por falta do tempo adequado, deixaram de ser mais bem discutidos e aprofundados, sugerindo-se que sejam levados para uma próxima oportunidade.
Entrementes, eu procurarei fazer algumas considerações sobre os assuntos em foco, como um ponto der partida, tendo em conta uma sempre necessária análise sistêmica.
Em primeiro lugar é sempre oportuno lembrar a natureza jurídica do direito material da arbitragem que é a do contrato, no qual é evidente a presença de direitos patrimoniais disponíveis. E ele se desdobra tanto em relação aos contratos sinalagmáticos (de prestações contrapostas), quando aos contratos associativos (de prestações convergentes para um fim comum). Não se pode tomar a arbitragem como um instituto de natureza processual porque o processo não é um fim em si mesmo. Sua natureza é instrumental. E na arbitragem ele é a expressão da autonomia privada, partindo dos parâmetros próprios da lei de Arbitragem. Estes são complementados pelo regulamento institucional quando adotam exercer o procedimento arbitral por meio câmaras arbitrais) ou ad hoc (quando as partes estabelecem o andamento do feito sob a sua própria iniciativa e responsabilidade. Nesses dois ambientes o Termo de Arbitragem expressa as particularidades do caso, determinando elementos complementares aos que já tenham sido contemplados pela cláusula compromissória.
Outra observação diz respeito à maneira pela qual os operadores do direito devem trabalhar com os micro sistemas jurídicos. De maneira muito simples, como se sabe, vemos que o nosso modelo de direito é o romano-germânico, que o constrói na forma de uma pirâmide de base invertida, com a CF no topo, comandando, digamos assim, as leis que ficam debaixo dela, em ordem hierárquica. Mas outra imagem dessa organização legal sistemática, mesmo que imperfeita, a toma na figura de uma árvore frondosa, cheia de galhos, todos ligados ao tronco e este, por sua vez, à raiz, que é formada pela CF e pelos princípios gerais de direito. Neste caso cada galho é um micro sistema relativamente fechado porque ele se comunica naturalmente com o tronco e este com a raiz, dessa forma ligado indiretamente aos demais galhos pertencentes à árvore.
Sendo assim, cada micro sistema é alimentado fundamentalmente pela fonte principal, à qual se subordina e vive relativamente independente dos demais. Dessa forma, na busca da solução de determinado caso concreto, o julgador chama para si os elementos formadores do micro sistema e, se esse revelar-se incompleto, toma subsidiariamente outro pertencente ao galho maior, que com ele seja compatível e aqui a compatibilidade deve ser observada com rigor para que não se dê lugar a um enxerto defeituoso, na forma de um Frankenstein jurídico.
No sentido acima o direito processual da arbitragem é aquele que se encontra agasalhado na lei própria, como foi dito acima. Neste caso é sabidamente não aplicável de forma direta o CPC, reconhecendo-se que nele se encontram tratados os princípios gerais do processo, que também são aplicáveis ao direito arbitral, tais como o do devido processo legal, da igualdade entre as partes do contraditório, da imparcialidade, do livre convencimento. etc. Tais princípios devem ser considerados acima do texto do CPC propriamente dito, uma vez que a sua matriz é constitucional (CF, art. 5º). Assim, para aplicá-los não é necessário citar qualquer dispositivo desse corpo oficial de normas procedimentais. Eles são altaneiros e, em última análise, independem até mesmo de uma forma escrita.
Ora, quando se fala em honorários contratuais e em sucumbência no campo da arbitragem, eles fazem parte não do direito processual próprio, mas do direito material que forma esse micro sistema e precisamos verificar se e como foram tratados esses institutos pela lei de Arbitragem e por outras fontes compatíveis, superiores ou complementares.
No sentido acima observa-se que a lei 9.307/96, em seu art. 27, estabelece que a sentença arbitral decidirá sobre as custas e despesas com a arbitragem, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver. Isto significa que tais custas e despesas não correspondem a um elemento essencial (portanto, inafastável) desse instituto, pois as partes podem deliberar na convenção arbitral que nada será pago a tal título. Para os árbitros que julgarão o feito, esse é o melhor dos mundos, pois deixam de ter de sujeitar-se a uma quase certa longa e problemática discussão, que poderá levar a um resultado não unanime, não só desagradando as partes quanto ao resultado alcançado, mas, pior ainda, podendo eventualmente deixar de aplicar o melhor direito.
Por oportuno, note-se a existência de divergência na doutrina quanto à interpretação e alcance expressão custas e despesas acima referida. Para um lado ela abrangeria os honorários contratuais e os de sucumbência. Para o outro, essa interpretação estaria equivocada. Conforme Ricardo de Carvalho Aprigliano, essa distinção apresenta uma finalidade didática, sem efeitos relevantes para a discussão que ora se coloca1.
Carlos Arberto Carmona afirma que a lei de arbitragem evitou qualquer remissão às regras de sucumbência, tendo tratado o assunto ao seu ver, como cláusula facultativa do compromisso. Mesmo diante dessa omissão legal, esse autor afirma que, ausente qualquer avença entre as partes sobre a incidência de honorários advocatícios, o tribunal arbitral estaria autorizado a utilizar para tanto os parâmetros estabelecidos pelo CPC (art. 20 do CPC/73 e 85 do CPC/15)2. Trata-se segundo a minha visão de uma interpretação contraditória, destacando-se que o termo autorizado mostra um significado ambíguo.
Nessa mesma linha de argumentação, tendo em conta a ausência de previsão expressa na cláusula compromissória, Eduardo de Albuquerque Parente designa o art. 21, § 1º e o art. 27 da lei de Arbitragem para que, de forma conjugada, sejam utilizados pelo árbitro para o fim da fixação dos honorários de sucumbência3. Há aqui, com todo o respeito, um reparo a ser feito. Uma coisa é a lei dar ao árbitro poderes para estipular acerca do procedimento (ou seja, como fazer andar o processo), outra bem diferente é assumir um direito no plano material, ao condenar a parte perdedora a pagar tal verba.
O pior dos mundos para os árbitros é a ausência de tratamento do assunto na convenção de arbitragem, o mesmo acontecendo com os regulamentos sobre as quais determinado feito tramite sob os cuidados de uma câmara especializada, naquilo que se costuma chamar de arbitragem institucional. E acrescente-se a hipótese da existência de um desentendimento amplo verificado entre as partes no preciso momento em que celebram o termo de Arbitragem, que não concordem quanto à pretensão sobre o pagamento desses itens.
Na situação acima, ao prolatar a sentença, o tribunal arbitral corre o risco de ver sua decisão levada ao Judiciário para que, depois de prestados os esclarecimentos requeridos pela parte interessada e mantida uma decisão de não conceder honorários de sucumbência, seja julgado pedido de suprimento da aludida omissão, nos termos do art. 33, § 4º da lei de Arbitragem.
Assim sendo, se não há na lei de Arbitragem outra norma que cuide desse tema e que nem o faça o regulamento da câmara onde ela se desenvolve, caberia buscar outra fonte para suprir essa lacuna legislativa, se é disso que se trata. Na opinião corrente o CPC não se aplica e, portanto, não sendo necessário fazer menção dele.
A respeito da inclusão dos honorários contratuais e de sucumbência na sentença arbitral, ausente uma previsão expressa da convenção de arbitragem e nos documentos segundo as quais ela se desenvolverá, Leonardo Faria Beraldo está com aqueles que entendem dever o árbitro incluí-los em sua decisão, uma vez que eles estariam enquadrados entre as custas e despesas da arbitragem4.
Na mesma linha coloca-se Ricardo de Carvalho Aprigliano na obra citada, para quem aplica-se o estatuto da Advocacia, o qual contempla os honorários de sucumbência como uma modalidade remuneratória própria dos litígios, não estando restrito ao universo do processo estatal. No entanto, parece haver uma contradição interna no trecho citado, na medida em que esse autor, no final, afirma que na falta de acordo entre as partes acerca da incidência dos honorários, a tarefa do tribunal arbitral seria a de investigar, à luz do ordenamento aplicável à controvérsia, se incidem honorários contratuais (sempre mediante pedido) e/ou sucumbenciais e, diante das circunstâncias do caso concreto, quais os parâmetros objetivos para a sua fixação pela sentença arbitral.
A dúvida acima está em saber se a controvérsia reside na própria incidência desses honorários ou apenas quanto ao seu montante.
Em parte, nessa mesma linha de argumentação, Rafael Francisco Alves entende que se nada dispuser a convenção de arbitragem a respeito, nada impediria que o árbitro, atendendo a pedido das partes, determine o pagamento de verbas sucumbenciais, além do reembolso dos honorários advocatícios, devendo fazê-lo com parcimônia, segundo o princípio da razoabilidade5.
A hipótese acima citada é peculiar porque, mesmo no silencio da convenção de arbitragem as duas partes podem pedir a condenação da outra em honorários contratuais e de sucumbência. Entendo que se nenhuma das duas refuta o pedido da outra estaríamos dentro de uma complementação implícita daquela convenção. Mas se uma delas não faz tal pedido em seu nome e contesta o da outra (certamente poderá tal opção estar legitimamente fundada no receio de perder a causa), o ambiente não seria o de um acordo, mas de uma divergência, não cabendo ao tribunal arbitral superá-la por sua própria iniciativa.
Dessa forma, segundo a interpretação que julgo mais adequada, não existe lacuna na lei de Arbitragem quando em seu art. 27, deixa de cuidar dos honorários vertentes. Como se sabe, o silêncio tem valor em direito e se isso aconteceu deveu-se à vontade do legislador. Até mesmo muitas vezes o silencio é retumbante. Entende-se, portanto, que a lei de Arbitragem remeteu o assunto para a livre vontade das partes. Lacuna ocorre quando, ao tratar de um determinado assunto, a norma revela-se incompleta para a sua aplicação. Como a lei de Arbitragem não cuidou absolutamente do tema em apreço, logicamente não existe lacuna. Elementar, meu caro Watson, diria um Sherlock jurídico.
Pretende-se, segundo as correntes sobre a matéria, encontrar, conforme cada orientação adotada pelo intérprete, a fonte da obrigação do pagamento de honorários advocatícios contratuais e de sucumbência no recurso aos artigos 186, 187, 389, 402 e 403 e 927 do CC/2002 e o art. 22, caput, da lei 8.906, de 4/7/94.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Lei 8.906/94, art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
Vejamos inicialmente o último dispositivo legal acima transcrito. No caso em que se entenda tenha ele aplicação à arbitragem, mesmo no silêncio absoluto de todas as fontes que a regem em determinado caso, isto implicaria em reconhecer a existência de um direito líquido e certo dos advogados a tal verba, do que resultaria a ineficácia de cláusula compromissória que deles a afastasse. Parece-me que isso representaria uma afronta à autonomia da vontade das partes na escolha desse meio para a solução de conflitos entre elas. Ou seja, na visão ora criticada, jamais poderia se estabelecer por meio de cláusula compromissória que não caberia ao tribunal arbitral Fixar honorários contratuais e de sucumbência, uma vez que tal iniciativa desatenderia o art. 22 acima citado, significando, como resultado, um ataque ao fundamento contratual da arbitragem.
Caso se tenha em conta o aspecto mandamental na arbitragem da obrigação acima surge novo problema, correspondente ao critério a ser adotado na sentença arbitral para a determinação desses honorários.
Ora, trazer para a condenação todos os valores apresentados pela parte vencedora relativa aos honorários advocatícios contratuais e despesas com pareceres, seria uma decisão que poderia representar eventualmente um encargo extremamente pesado para a devedora, tornando-a até mesmo inadimplente. Ora, poderia dizer alguém, quem entra em um contrato tem direito a todos os benefícios e está sujeito a todos os ônus, dentro de uma situação de risco, pois tal contrato se coloca no plano empresarial, na maior parte das vezes. Seria esta uma ocasião perfeita para a aplicação do princípio da função social desse instituto, segundo o art. 421 do CC/02 (não contando com a minha concordância), que impediria a uma parte levar a outra à insolvência como efeito de uma condenação vultosa em honorários advocatícios e de sucumbência e de outras despesas.
Seria em tal circunstância, então, cabível ao tribunal arbitral, fixar esses critérios de acordo com algum parâmetro de razoabilidade? Lembre-se o leitor que a hipótese com a qual estou trabalhando é a de omissão desse tema na convenção de arbitragem e nos demais documentos pertinentes. Se é para se recorrer ao art. 22 supra, ele não admite flexibilidade, tal como se apura pela sua leitura pura e simples, não permitida interpretação diversa, dado faltar espaço para uma exegese razoável, que seria de natureza subjetiva.
Ficaríamos, portanto, diante de um impasse: condenação em honorários segundo um montante incompatível com o porte da parte perdedora, disto decorrente o risco de tornar-se insolvente, vindo ela eventualmente a desaparecer do mercado, deixando de prestar uma função social de geração de empregos e de enriquecimento da economia como um todo.
Mas, deixando de lado esses argumentos de natureza axiológica, para mim a solução cabível, conforme a lei de Arbitragem (tomada sob esse aspecto como um micro sistema fechado), é no sentido de que, diante do silencio das partes, não cabe ao tribunal arbitral fixar em sua decisão honorários contratuais e de sucumbência. E, em tal caso se estaria no campo da liberdade contratual, resultante simplesmente de uma escolha das partes, não cabendo ao tribunal arbitral fazer uma interpretação subjetiva desse silêncio, ao procurar ver nas entrelinhas do caso concreto, na falta de tutela desse tema na convenção de arbitragem, a presença de uma omissão ou de um desentendimento entre aquelas, a ser suprido pela sentença.
Reforce-se aqui a noção: o regime legal da arbitragem no Brasil é autossuficiente, em termos quase que absolutamente estritos, regulado no campo do contrato. Essa bolha (recorrendo ao termo referido por Ricardo de Carvalho Aprigliano, já citado) teria lugar tão somente nas situações de lacunas e recorrendo-se a normas hierarquicamente superiores à lei 9.306/96, não se podendo recorrer àquelas de natureza paralela. Ou seja, do galho da árvore jurídica, em escala ascendente, para o tronco e deste para a raiz, e não de um galho para o outro.
Portanto, em sede de arbitragem, não se aplicaria o art. 22 da lei 8.906/94, perdoem-me os caros colegas causídicos. Para dar atendimento aos seus interesses legítimos, devem estabelecer com os seus clientes o pagamento dos seus honorários, de forma independente do resultado do feito.
Para José Roberto de Castro Neves (depois de haver cuidado do respeito à plena autonomia das partes sobre esse assunto) não existe na lei arbitral brasileira qualquer determinação sobre o tratamento a ser dado aos honorários advocatícios na sucumbência. Esse teria sido o efeito de uma solução inteligente e pensada do nosso legislador pátrio. Para esse autor, dado que a lei de Arbitragem não menciona a sucumbência dos advogados, diante do silencio das partes o tribunal arbitral não está autorizado a estabelecer esse ônus6.
O mesmo autor, produzindo um argumento no campo do processo, alega que o impedimento do árbitro em condenar a parte na sucumbência quando para tanto não autorizado, encontra-se no campo da inércia. Neste caso um julgamento condenatório nessa área seria caracterizado como extra petita.
Duas outras abordagens podem ser feitas quanto aos demais dispositivos legais acima referidos, devendo ser examinados do ponto de vista do ato ilícito e do descumprimento de uma obrigação pela parte perdedora.
Do ponto de vista da realidade, danos podem resultar tanto da prática de ato ilícito, como do descumprimento de uma obrigação. No caso de ato ilícito, nos termos dos arts. 927 e 186 do CC/02, cabe ao agente indenizar a vítima. Observe-se que nas normas em questão não há referência aos honorários contratuais e de sucumbência. Quanto ao primeiro caso há decisões do STJ segundo a qual honorários advocatícios contratuais integram o montante das perdas e danos materiais7. E aí, voltamos ao mesmo problema acima alvitrado, tratar-se-á do montante total dos ditos honorários contratuais ou do montante que razoavelmente venha a ser determinado na sentença arbitral?
No caso acima há uma solução pelo recurso ao art. 402 do CC/02, no sentido da fixação de honorários contratuais dentro de um patamar de razoabilidade, a ser identificada no caso concreto pelo tribunal arbitral. E, sendo assim, os honorários de sucumbência não são alcançados por essa norma. Mas, destaque-se, fazendo parte do título IV do Livro I da parte especial do CC/02, o art. 402 em foco tem lugar tão somente no plano do descumprimento de uma obrigação, não cabendo ser utilizado quando se está diante de um ato ilícito.
Mas o alcance do disposto no art. 402 é, por sua vez, limitado pelos termos do art. 403, segundo o qual, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Dessa forma somente caberia ao tribunal arbitral condenar a parte perdedora em honorários contratuais, uma vez considerados como integrantes dos prejuízos efetivos experimentados pela parte vendedora o que, convenhamos, corresponde a uma interpretação bastante livre e abrangente desse dispositivo. Isso porque um prejuízo decorrente de quebra de obrigação contratual dificilmente poderia ser entendido como integrado por futuros honorários contratuais dentro de uma arbitragem.
Como se verifica, a pretexto de uma conclusão sujeita a chuvas e trovoadas, além de se dever considerar a lei de arbitragem como autossuficiente nessas matérias, respeitando-se a sua especialidade como um micro sistema jurídico, a solução de não extravasar os seus limites no silêncio da cláusula compromissória e das demais fontes aplicáveis traz maior segurança e certeza para os operadores desse ramo do direito, especialmente para os árbitros e para a sentença por eles proferidas. No tocante aos interesses dos advogados patrocinadores de tais causas lembremo-nos do que diziam os antigos: o que é contratado não sai caro. E nem barato, acrescento. Sai de forma justa.
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1 - Vide entre outros, de José Rogério Cruz e Tucci, "Fixação dos Honorários Advocatícios de Sucumbência no Processo Arbitral", in Consultor Jurídico de 03.09.2019; e Ricardo de Carvalho Aprigliano, in "Alocação de Custas e Despesas e a Condenação em Honorários Advocatícios Sucumbenciais em Arbitragem", "20 Anos da lei de arbitragem", pp. 667 e segs.
2 - In "Arbitragem e Processo - Um Comentário à Lei 9.307/96", Ed. Atlas, São Paulo,
3 - In "Processo Arbitral e Sistema", coord. de Carlos Alberto Carmona, Ed. Atlas, São Paulo, 2012, p. 296.
4 - In "Curso de Arbitragem na Lei 9.307/96", Ed. Atlas, São Paulo, 2014, p. 344.
5 - Cf. "Sentença Arbitral", in "Curso de Arbitragem", coordenado por Daniel Levy e Guilherme Setoguti J. Pereira, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2018, p. 275.
6 - In "20 Anos da lei de arbitragem", pp. 639 e segs.
7 - Cf. AResp nº 809.029/SC, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin: 1. O STJ já se manifestou no sentido da possibilidade da inclusão do valor dos honorários contratuais na rubrica de danos materiais. Precedentes: AgRg no AREsp 606.676/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma; AgRg no REsp 1.312.613/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma; AgRg nos EDcl no REsp .412.965/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma; REsp 1.134.725/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio de Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.