Termodinâmica na advocacia?!
A desordem é um mal necessário. Precisamos saber como enfrentá-la e tirar dela o maior proveito possível. Para deixar o mundo evoluir. Para deixar a advocacia evoluir. É só assim que conseguiremos conquistar um novo sistema, melhor e equilibrado... Até que outro momento de desordem chegue e altere por completo o que estiver à nossa volta.
quinta-feira, 14 de novembro de 2019
Atualizado às 10:08
Calma, caros leitores... O título deste artigo não é tão desconcertante quanto parece... Mais do que possamos imaginar, as leis da Termodinâmica têm afetado a advocacia nos últimos tempos. No entanto, antes de falarmos de advocacia, temos que passear por alguns conceitos da Física.
A Termodinâmica é a parte da Termologia que estuda os fenômenos relacionados com trabalho, energia, calor e entropia, bem como as leis que governam os processos de conversão de energia.
As leis da Termodinâmica são universais e se resumem num único enunciado:
A energia do mundo é constante, mas a entropia do mundo tende a um valor máximo.
Aqui vamos nos concentrar na parte final do enunciado (segunda Lei da Termodinâmica), que fala da entropia1 do mundo.
A entropia é o que faz com que a energia contida em um corpo seja dividida com outro que tenha menos calor, equilibrando o meio.
No universo, a entropia funciona no sentido de desorganizar os sistemas que teoricamente estão funcionando plena e perfeitamente, impedindo que as coisas estacionem, fiquem estagnadas... Sem essa lei, desde o ínfimo átomo até a mais complexa e gigantesca constelação parariam de vibrar, de pulsar, de evoluir, o que não se admite em hipótese alguma.
Com a entropia, cria-se para destruir, destrói-se para criar.
Trazendo este conceito para o ambiente jurídico, podemos dizer que um fortíssimo processo de entropia tem se verificado na advocacia brasileira nos últimos anos.
No final do século passado, a advocacia era bem diferente do que se observa hoje. Àquela época, bastava que o cidadão se formasse em Direito numa das poucas (e boas) faculdades que existiam, gostasse de estudar e começasse a advogar numa salinha do centro da cidade para que, em pouco tempo, pudesse alcançar algum sucesso. O volume de processos era menor, o Judiciário menos ineficiente, a concorrência bem menos agressiva, os honorários menos aviltados, os custos para exercer a profissão bastante reduzidos e não se ouvia sequer falar em tecnologia e ganhos de escala.
Todo advogado que cumprisse o "protocolo" da época não teria grandes dificuldades para viver da profissão, cuidar da família, ter uma vida relativamente boa. O sistema funcionava, podendo-se dizer que o modo de advogar de então produzia o resultado desejado, tanto para os clientes, quanto para o profissional. A advocacia era romântica, quixotesca...
A chegada da tecnologia causou grande impacto nesse cenário, revirando tudo o que estava arrumado dentro da melhor tradição jurídica. O número de advogados na praça cresceu exponencialmente em razão do número de faculdades que começou a pipocar por aí, a tecnologia arrebatou as máquinas de escrever e, em seu lugar, colocou o computador e a internet, que trouxeram a possibilidade de se fazer várias coisas e estar em diferentes lugares ao mesmo tempo.
A globalização proporcionou a destruição do que era "velho" para dar lugar ao "novo". Começava o processo de entropia na advocacia moderna. Muitos se debateram, reclamaram, tentaram resistir ao imbatível poder de uma lei universal. De nada adiantou, é claro. E por quê? Porque o mundo caminha para frente, rumo à evolução e melhoria de sistemas aparentemente equilibrados.
Não há força que consiga deter o dinamismo do universo, que é dotado de infinita insatisfação, e tão logo alcance um objetivo, precisa de um novo desafio, assim como nós em nossa diminuta grandeza. Esta é a razão de sermos homo sapiens e não homo abilis; de andarmos de avião e não no lombo de animais; de escrevermos em tablets e não sobre pedras; de nos alimentarmos em restaurantes e não de raízes arrancadas da terra pelas próprias mãos. E à insatisfação que destrói um sistema anteriormente perfeito para criar outro mais perfeito denomina-se entropia.
Hoje, os advogados brasileiros tentam encontrar seu ponto de equilíbrio num ambiente bem diferente do que circundava a advocacia das décadas passadas. Vivemos uma era de resultados e da informação. O modelo adotado anteriormente terá que ser desfeito, quem sabe começando da metade do caminho, mas de forma totalmente diferente, renovada e evoluída. Não é à toa que os temas de gestão passaram a fazer parte dos escritórios de advocacia. Não é modismo. Não é uma fase. É um novo ciclo da vida que se refaz a cada dia, a cada segundo.
A importância dessa específica lei da Termodinâmica é tal em nossas vidas, que basta um pensamento para que alguma coisa seja mudada, interna, externa ou simultaneamente, não nos deixando estagnados.
É a vida que não nos permite parar e não o nosso simples desejo de mudar (se realmente dependesse de nós, preferiríamos permanecer aconchegados no calor do nosso bolsão de conforto).
A desordem é um mal necessário. Precisamos saber como enfrentá-la e tirar dela o maior proveito possível. Para deixar o mundo evoluir. Para deixar a advocacia evoluir. É só assim que conseguiremos conquistar um novo sistema, melhor e equilibrado... Até que outro momento de desordem chegue e altere por completo o que estiver à nossa volta...
________
1 - O conceito de entropia foi introduzido por Clausius, na segunda metade do século XIX, com a finalidade de conciliar a teoria de Carnot sobre o funcionamento das máquinas térmicas, formulada no contexto da hipótese do calórico, com as idéias correntes sobre a equivalência mecânica entre calor e trabalho.
_____________
*Lara Selem é advogada, escritora, palestrante e consultora especialista em Planejamento Estratégico e Sociedades de Advogados. Sócia-fundadora da Selem Bertozzi Consultoria.