Critérios de excelência da advocacia - parte 1
A base da tomada de decisão deve ser a análise de fatos e dados gerados nos processos internos.
quarta-feira, 6 de novembro de 2019
Atualizado às 11:27
Muito temos ouvido falar sobre qualidade, sobre excelência, sobre prestar o melhor serviço possível ao cliente, sobre manter em alto nível a performance. Mas, o que é significa isso tudo? Seria possível generalizar ou criar patamares para a análise do que é "estado da arte" ou não quando se trata do desempenho do escritório de advocacia. Seria possível fazer uma auto-análise para saber se estamos ou não atuando em nível de excelência?
Estudando as publicações da Fundação Nacional da Qualidade - FNQ (Clique aqui), entidade que atualizadas as técnicas mais bem sucedidas de administração de organizações, buscamos identificar de que forma a Advocacia poderia ser beneficiada pelos fundamentos e critérios de excelência ali apresentados.
A FNQ estabelece os fundamentos que formam o alicerce dos critérios de excelência, quais sejam: visão sistêmica, aprendizado organizacional, pró-atividade, inovação, liderança e constância de propósitos, visão de futuro, foco no cliente e no mercado, responsabilidade social, gestão baseada em fatos, valorização das pessoas, abordagem por processos, orientação para resultados.
A visão sistêmica é o "entendimento das relações de interdependência entre os diversos componentes de uma organização, bem como entre a organização e o ambiente externo, onde o desempenho de um componente pode afetar não apenas a própria organização, mas suas partes interessadas".
Escritórios de advocacia são feitos da combinação de vários recursos (pessoas, finanças, estrutura, infra-estrutura, etc.) interligados que devem perseguir os mesmos objetivos. Porém, é preciso ter em mente que seus desempenhos podem afetar, positiva ou negativamente, o escritório em seu conjunto. A visão sistêmica pressupõe que os integrantes da equipe entendam seu papel no todo, as inter-relações entre os elementos que compõem o escritório, assim como a importância da integração desta com o ambiente externo.
O aprendizado organizacional é a "busca e alcance de um novo nível de conhecimento por meio de percepção, reflexão, avaliação e compartilhamento de experiência alterando princípios e conceitos aplicáveis a práticas, processos, sistemas, estratégias e negócios, produzindo melhorias, mudanças e inovações contribuindo para elevar o desempenho e a competitividade".
Em se tratando de uma "empresa de conhecimento", o aprendizado constante deve ser considerado como intenção estratégica nos escritórios de advocacia e deve fazer parte da cultura organizacional, do "dever de casa" diário em todos os níveis do escritório, em qualquer atividade. O papel da liderança aqui se torna fundamental para a criação de um ambiente aberto ao aprendizado.
A pró-atividade é a "capacidade da organização de se antecipar mudanças de cenários, das necessidades dos clientes e das demais partes interessadas".
Num escritório de advocacia, ser pró-ativo significa antecipar o atendimento das demandas do cliente e outras partes interessadas, sendo um elemento crucial para obter a satisfação do cliente, bem como sua fidelidade, pela capacidade de surpreendê-lo favoravelmente. A advocacia pró-ativa tem foco na prevenção de problemas, na eliminação ou minimização dos impactos nos negócios do cliente.
Inovação é a "implementação de novas idéias geradoras de um diferencial competitivo".
Hoje, mais do que nunca, a advocacia deve ser inovadora, visando estar sempre na vanguarda de sua área de atuação, através da geração de idéias originais. A inovação deve ser perseguida em soluções simples ou complexas, sistêmicas ou não. A inovação não precisa estar restrita apenas à prática jurídica, podendo abranger todas as atividades do escritório: desde uma tese nova, um serviço preventivo novo, até uma forma diferente de atender o cliente. Aqui, a liderança é fundamental, pois é imprescindível criar um ambiente propício à geração de idéias e que isso fique claro para a equipe.
A liderança e constância de propósitos se põe em prática através do "comprometimento dos líderes com os valores e os objetivos da organização, e a capacidade de construir e implementar estratégias e um sistema de gestão que estimule as pessoas a realizar um propósito comum e duradouro".
Um líder sem clareza de objetivos leva a equipe a lugar nenhum. A liderança em um escritório de advocacia deve criar unidade de propósito junto a seus integrantes, e deve servir de exemplo a todos. Através de seu comportamento ético e transparente, habilidades de planejamento, comunicação e análise, o líder do escritório deve servir de canal de estímulo às pessoas, em busca da excelência.
A visão de futuro é a "compreensão dos fatores que afetam o negócio e o mercado a curto e longo prazos, permitindo o delineamento de uma perspectiva consistente para o futuro desejado da organização".
Um escritório de advocacia com visão de futuro, pensa, planeja e aprende estrategicamente, obtendo sucesso sustentado e duradouro em suas atividades. O planejamento tem que manter os olhos no futuro (para buscar o sucesso de longo prazo) e no presente (para buscar os resultados). É uma atividade constante e permanente, e requer muita disciplina, vontade e atenção.
Foco no cliente e no mercado significa "conhecimento e entendimento do cliente e do mercado visando criação de valor de forma sustentada para o cliente e maior competitividade nos mercados".
Quem realmente importa na prestação de serviços jurídicos é o cliente, sempre. É ele quem vai julgar, a partir de suas percepções, se o serviço é bom ou não é. E para isso, o escritório de advocacia deve estar muito atento a todas as características e atributos dos serviços que presta. São eles (os serviços) que irão agregar valor aos clientes, aumentar sua satisfação, determinar suas preferências, ampliar o conceito da marca do escritório e tornar clientes fiéis. Isso é estratégico.
A responsabilidade social é a "atuação baseada em relacionamento ético e transparente da organização com todas as partes interessadas, visando ao desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais".
Cada vez mais é requerida aos escritórios a superação dos requisitos legais associados aos seus serviços, processos e instalações. Fazer o que está na cartilha não basta. É preciso fazer mais. A responsabilidade social entra como o exercício da consciência moral da organização, através da compreensão de seu papel no desenvolvimento da sociedade. Advocacia pro-bono, adoção de cliente, cuidado com o meio ambiente, orientação jurídica gratuita a determinados grupos sociais, aulas de cidadania, etc., são exemplos de como um escritório pode assumir sua responsabilidade social. Isso potencializa a credibilidade e o reconhecimento público do escritório, aumentando seu valor.
A gestão baseada em fatos significa "tomada de decisões, em todos os níveis da organização, apoiada na medição e análise do desempenho, e considerando informações qualitativas internas e externas, incluindo os riscos identificados".
A advocacia tem se mantido, de certa forma, distante dos controles de seus procedimentos internos, o que faz com que a tomada de decisões, no que diz respeito à gestão do escritório, se dê mais no nível emocional (o famoso "chutômetro") do que propriamente no racional. Isso abre margem a muitos erros. A base da tomada de decisão deve ser a análise de fatos e dados gerados nos processos internos. Ferramentas como: fluxo de caixa, time-sheet, relatório de carteira de clientes, relatório de desempenho individual, relatório de faturamento, etc., se tornaram imprescindíveis ao escritório que quer mais segurança na tomada de decisões.
No próximo artigo continuaremos falando dos demais fundamentos (valorização das pessoas, abordagem por processos e orientação para resultados), bem como os critérios de excelência segundo a FNQ. Isso, claro, com o olhar totalmente voltado para a advocacia! Até lá...
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*Lara Selem é advogada, escritora, palestrante e consultora especialista em Planejamento Estratégico e Sociedades de Advogados. Sócia-fundadora da Selem Bertozzi Consultoria.