Administração Pública deve pagar juros e correção monetária por atraso em pagamentos
Uma administração pública que respeite e cumpra contratos, e que administre corretamente seus recursos, é um objetivo almejado para o fortalecimento da nação.
terça-feira, 5 de novembro de 2019
Atualizado às 14:37
Quem tem fama de ser "o melhor cobrador e o pior pagador"? Pergunta fácil para quem tem empresas que prestam serviços ao Estado (União, estados e municípios). Dias, semanas e meses se passam entre o vencimento da fatura de um contrato e a sua quitação. Sem punição para o devedor: na maioria das vezes, o pagamento é efetivado sem a incidência de juros ou correções.
O quadro, desalentador, na verdade não precisa ser assim. Praticamente todos os contratos de prestação de serviços, mesmo para o Estado, têm cláusulas punitivas para a inadimplência. A cobrança de juros e correção monetária é regra geral nesses casos. Mas, então, por que as empresas dispensam esse crédito?
A resposta vem em forma de estratégia de sobrevivência da credora. Sufocada com as dívidas acumuladas relativas ao contrato em atraso, a empresa normalmente aceita receber o que for pago para aproveitar a "oportunidade" de receber alguma coisa. "Mais vale um pássaro na mão do que dois voando" é, pragmaticamente, a teoria vencedora.
Só tem um detalhe que passa desapercebido nesta situação: é possível, sim, cobrar posteriormente o valor devido de juros e correção. A empresa credora pode receber o que a Administração pagar e depois fazer a cobrança judicial do que ficou faltando. A empresa não precisa arcar com nenhum prejuízo.
As credoras começaram discretamente a se rebelar contra o mau costume governamental. E os tribunais estão cada vez mais convencidos de que o cumprimento de todas as cláusulas contratuais deve ser igualmente exigido de pessoas jurídicas de natureza pública ou não. Nada mais justo.
Está firmado o entendimento de que o não pagamento de compromisso financeiro no prazo determinado em contrato gera a incidência de correção monetária e juros - do contrário, seria "enriquecimento sem causa" do devedor. São diversas decisões judiciais já tomadas neste sentido. Há um ano (setembro/2018), por exemplo, a 3ª Turma do TRF 4 decidiu sobre a necessidade de a Administração pagar débito "com juros da mora e atualização monetária"1; em janeiro de 2019 a 2ª Turma do STJ seguiu o mesmo raciocínio em outra ação, acrescentando que aplicação da correção sequer depende de previsão contratual expressa2.
Reconhecida a legitimidade da causa, tem-se à frente uma ação atrativa para os empresários: a cobrança retroativa dos juros e das atualizações monetárias não pagos - inclusive para contratos já findos. Há a possibilidade de cobrar valores dos últimos dez anos. Não é pouco: uma recuperação de passivo acumulado em até 10 anos tem capacidade de fazer a diferença no caixa.
Um cálculo rápido pode demonstrar o benefício da cobrança. Se todo mês aquele cliente de dois anos lhe paga com atraso, e você abre mão dos, digamos, 500 reais de multa, então você deixou de receber R$ 6.000 no ano - fora os valores dos juros mensais e correção monetária. Acha pouco? Pois lembre que em contratos grandes, os números crescem ainda mais. Acrescente ao cálculo os valores de contratos já encerrados.
É um bom dinheiro com grande chance de ser recuperado. Mesmo que não haja a previsão de índices de correção e juros nos contratos, as chances de recuperação são consideráveis. É essencial tentar.
Para além do recebimento de um dinheiro devido (e quase perdido) para o empresário, esse tipo de ação ainda pode surtir um outro efeito benéfico para toda a sociedade: forçar a administração pública a cumprir acordos, a fim de não sofrer prejuízos ocasionados por inadimplência. Uma administração pública que respeite e cumpra contratos, e que administre corretamente seus recursos, é um objetivo almejado para o fortalecimento da nação.
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1 AC 5007188-63.2013.4.04.7110 RS 5007188-63.2013.4.04.7110.
2 REsp 1786183 SP 2018/0302239-0.
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*Guilherme Barros é sócio do Telino & Barros Advogados Associados, advogado com MBA em Direito Civil e Processo Civil (FGV), especialista em Direito Contratual (UFPE) e LLM. em Direito Societário (FGV).