O tempo de fabricação de pneus nas licitações realizadas pelo Poder Público
A jurisprudência da Corte de Contas Paulista tem sido firme no sentido de considerar como restritiva a exigência de prazo de fabricação inferior a este limite.
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
Atualizado às 15:39
Quando o assunto é aquisição de pneus pelo Poder Público, um dos aspectos mais questionados perante as Cortes De Contas diz respeito à suposta restritividade imposta quando ocorre a fixação de prazo exíguo entre a data de fabricação e da data da entrega dos produtos a serem adquiridos.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem considerado como prazo exíguo o interregno inferior a 12 meses. A jurisprudência da Corte de Contas Paulista tem sido firme no sentido de considerar como restritiva a exigência de prazo de fabricação inferior a este limite. Nesse sentido:
EMENTA: EXAME PRÉVIO DE EDITAL. PREGÃO ELETRÔNICO. REGISTRO DE PREÇOS. AQUISIÇÃO DE PNEUS. DELIMITAÇÃO DO PERÍODO DE FABRICAÇÃO. COMINAÇÃO EXCESSIVA. PROCEDÊNCIA.
1. Em procedimento licitatório, a fixação de exíguo prazo entre a data de fabricação e de efetiva entrega dos pneus acarreta prejuízo à ampla competitividade e, por conseguinte, à busca da proposta mais vantajosa para a Administração.
2. Remansosa jurisprudência da Corte pondera razoável a delimitação temporal entre as datas de fabricação e de efetiva entrega dos pneus, desde que observado o mínimo de 12 (doze) meses.
(TC-015881.989.19-8, Cons. Rel. Edgard Camargo Rodrigues, Sessão de 31/07/2019).
Um dos principais fundamentos da posição é que a exigência de tempo inferior configuraria violação ao princípio da isonomia, consignado no art. 3º da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos por privilegiar, indevidamente, os fabricantes nacionais em detrimento dos fornecedores de produtos importados, em razão da desconsideração de circunstâncias ínsitas à realidade destes últimos, como as dificuldades com o desembaraço aduaneiro, por exemplo, o que poderia, inclusive, pôr em risco o alcance da proposta mais vantajosa.
Ademais, entende a Corte Bandeirante que a verificação do prazo de garantia, fixado geralmente em 5 anos, a partir da data da nota fiscal de compra, é mais uma evidência de que 12 meses entre data de fabricação e a data da efetiva entrega dos produtos é prazo razoável.
É o que se depreende do julgamento do TC-9165.989.17-9 e TC 009701.989.19-6:
Malgrado a adoção de novas tecnologias tenha proporcionado evolução logística e gradual redução do tempo de desembaraço de mercadorias importadas, em contraposição à jurisprudência da Corte referenciada nos autos e calcada precipuamente no aspecto temporal necessário à regular comercialização de pneus vindos do exterior, impende contextualizar tal fator com outros elementos que compõem o procedimento licitatório em análise.
Com efeito, o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal impõe a instauração de licitação para a realização de despesas do setor público, com permissão para se requisitar das concorrentes tão somente elementos indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, de forma isonômica, e com o objetivo de filtrar a proposta mais vantajosa ao interesse público. Deve-se conjugar tal preceito com o princípio constitucional da eficiência, de modo que a busca por economicidade não obste a satisfação dos padrões necessários do serviço público e a garantia de utilidade e segurança do produto ou serviço almejado pela Administração.
No caso, afigura-se imprescindível o estabelecimento de prazo entre a data de fabricação e de sua entrega ao órgão licitante, a fim de que a frota de veículos seja equipada com pneus que se desgastem dentro de sua vida útil - que é garantida por 05 (cinco) anos. É razoável considerar-se que, depois de instalados, os pneus serão consumidos pelo atrito inerente à sua finalidade no interregno máximo de 03 (três) anos.
Já na hipótese sustentada pela Representada (prazo máximo de 06 meses entre a fabricação e entrega), às licitantes será vedada a utilização de seus estoques para completo atendimento da demanda da contratante, pois deverão adquirir pneus no curso do período de 12 (doze) meses de vigência da Ata de Registro de Preços, o que ensejará custo incerto para obtenção na indústria e, via reflexa, provável majoração das propostas de preços - ou quiçá inviabilidade de fornecimento do exato produto registrado, caso a fabricante altere sua linha de produção. Portanto, a possível hodierna redução do tempo de desembaraço alfandegário é insuficiente para modificar a jurisprudência da Corte, sedimentada na orientação para a fixação de interregno de 01 (um) ano (ou 12 meses) entre a data de fabricação e de entrega dos pneus. Conforma-se, assim, atendimento ao princípio da eficiência, mediante ampliação da competitividade e da vantajosidade da contratação, sem prejuízo à garantia de eficácia do material até o seu desgaste final. Ante o exposto, voto pela procedência da representação formulada por JULIA BALIEGO DA SILVEIRA, contra o edital do Pregão Presencial nº 024/2017, lançado pela PREFEITURA MUNICIPAL DE BARÃO DE ANTONINA [...].
(TC-9165.989.17-9, Cons. Relator Edgard Camargo Rodrigues, Sessão de 28/06/2017 - grifos nossos).
EMENTA - REGISTRO DE PREÇOS DE PNEUS - EXIGÊNCIA DE PRAZO DE FABRICAÇÃO IGUAL OU INFERIOR A 06 MESES NO MOMENTO DA ENTREGA - INADMISSIBILIDADE - PRIVILÉGIO INDEVIDO AOS FABRICANTES NACIONAIS - RETIFICAÇÃO DETERMINADA. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.
É vedada a fixação, no instrumento convocatório, de exíguo prazo entre a data de fabricação e de efetiva entrega dos pneus. Jurisprudência prevalente desta Corte no sentido de que a exigência é prejudicial à ampla participação de proponentes no processo seletivo público.
[...]
Para o representante, o processo licitatório é restritivo, "pois faz delimitação abusiva de que os pneus possuam data de fabricação igual ou inferior a 06 (seis) meses no momento da entrega"1, afastando "as empresas que licitam com produtos importados (...), uma vez que só para chegar ao Brasil e haver o desembaraço na Receita Federal leva mais ou menos o prazo de 4 (quatro) meses".
[...]
A matéria não é nova neste Tribunal e inúmeras são as decisões desfavoráveis à definição do prazo limite de 06 (seis) meses entre a data de fabricação e a de entrega dos pneus.
Trata-se de dispositivo que, hodiernamente, afigura-se ultrapassado e ineficaz para atestar a qualidade do produto.
A fixação de prazo de 6 (seis) meses entre a data de fabricação dos pneus e a sua entrega ao órgão contratante afronta firme jurisprudência da Corte, vez que, assegurada a garantia do material pelo interregno de 05 (cinco) anos, contados a partir da emissão da nota fiscal, não é dado concluir que a qualidade/eficácia do objeto será afetada ou diminuída se o fornecimento ocorrer em até 01 (um) ano da data de sua fabricação.
Noutra perspectiva, o curto interregno criticado implica que à licitante vencedora será vedada a utilização de seus estoques para completo atendimento da demanda da contratante, obrigando-a a adquirir pneus no mercado, por preço incerto, o que ensejará a provável majoração das propostas - ou quiçá, ulterior impossibilidade de fornecer o exato produto ofertado, caso a fabricante altere sua linha de produção.
Ante o exposto, acompanho o D. MPC e voto pela PROCEDÊNCIA da representação formulada por FERNANDO SYMCHA DE ARAÚJO MARÇAL VIEIRA contra o edital do Pregão Presencial nº 020/2019 da PREFEITURA DE BORBOREMA[...].
(TC-009701.989.19-6, Cons. Relator Edgard Camargo Rodrigues, Sessão de 08/05/2019 - grifos nossos)1.
Para a aquisição de pneus é importante, então, os licitantes notarem que o TCE-SP veda exigência de tempo de produção do mesmo em tempo inferior a 12 meses, conforme consolidada jurisprudência, em atenção, principalmente, - segundo a motivação dos julgados - aos princípios da isonomia e da ampliação do rol de interessados no certame.
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1 No mesmo sentido: TCs-000500/989/12, 000637/989/12, 000174/989/13, 003044/989/13, 002396/989/14, 008404/989/17, 009165/989/17 e 011870/989/18, 002469/989/19 e 002390/989/19, 006094/989/18 e 006132/989/19, 007365/989/19, dentre outros.
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*Mayara Oliveira Torres é advogada júnior no Biazzo Simon Advogados.
*José Ricardo Biazzo Simon é mestre em Direito Administrativo e advogado sócio de Biazzo Simon Advogados.