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Por um modelo de atuação estratégica baseada em dados para o Ministério Público

A ciência de dados abre novas oportunidades. Ela permite que as instituições públicas construam estruturas para identificar cirurgicamente falhas em políticas públicas de forma técnica e fundamentada.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Atualizado às 12:15

Tornou-se lugar comum afirmar que o perfil do Ministério Público, como desenhado pela Constituição de 1988, deve ser o de uma instituição propositiva e resolutiva1. Embora haja louváveis esforços nesse sentido, como bem salientado por Aragão, "cada vez mais, a atuação do ministério público tem sido mais sancionadora e menos propositiva, criando assim situações de frequentes confrontos com os atores políticos que outrora foram decisivos para seu fortalecimento."2. O desafio no início do século XXI, portanto, é como dar concretude a essas palavras de conteúdo abstrato, que configuram poderes-deveres constitucionais do MP.

Já tive a oportunidade de desenvolver a ideia3 de que no século XXI não basta que as instituições públicas abram seus dados: elas devem ler, processar, analisar e interpretar tais dados, entregando o resultado ao cidadão de forma compreensível. Dados não são um fim em si mesmo, eles devem servir a um propósito.

A mesma lógica é aplicável à atuação do ministério público. É na atividade extrajudicial que o modelo de ministério público resolutivo se concretiza. Mas se essa atividade não for efetiva e se burocratizar em inquéritos civis intermináveis, não alcançaremos a celeridade buscada pela Constituição ao atribuir ao ministério público o poder-dever de agir independente de provocação e fora do processo judicial.

Direitos fundamentais sociais são concretizados por políticas públicas. Se na realidade de nossa população eles não são efetivos, cabe ao ministério público identificar os motivos e cobrar as soluções dos gestores públicos.

Nesse contexto, a ciência de dados abre novas oportunidades. Ela permite que as instituições públicas construam estruturas para identificar cirurgicamente falhas em políticas públicas de forma técnica e fundamentada.

Mas a identificação, por si só, apesar de ser um passo importante, também não é suficiente. É preciso ir além e relacionar os dados produzidos com a técnica jurídica, estabelecendo marcos teóricos para as análises e cobrando extrajudicialmente dos gestores públicos, por meio de recomendações ou de celebração de termos de ajustamento de conduta (TACs), o ajuste das políticas públicas cujas brechas foram reveladas pelos dados.

E o cumprimento dos TACs deve ser constantemente acompanhado. Se em algum momento ficar claro que o ajuste não será cumprido, aí sim caberá ao ministério público propor a ação judicial, ação esta que será muito mais robusta e bem fundamentada do que se tivesse sido proposta sem estar lastreada em dados.

Em suma, quando os dados revelam a deficiência, cabe ao ministério público cobrar dos demais atores sociais a correção do problema em prol do alcance de uma dada política pública e realização do direito fundamental em jogo, efetivando dessa forma o seu papel propositivo e resolutivo.

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1 Dentre os muitos autores que tratam do tema, vale citar: RODRIGUES, João Gaspar. ministério público resolutivo e um novo perfil na solução extrajudicial de conflitos: lineamentos sobre a nova dinâmica. Disponível em: Clique aqui; e a entrevista com Marcelo Goulart disponível em: Clique aqui

2 ARAGÃO, Eugênio José Guilherme de. O ministério público na encruzilhada - 1ª parte. Disponível em: Clique aqui. Vale ressaltar que Aragão chega a afirmar que "a partir dos idos dos anos 90 do último século, o ministério público abandonou, em larga medida, sua condição de parceiro propositivo na execução de políticas públicas, para se tornar, cada vez mais, o implacável censor do governo, com uso mais frequente da Lei de Improbidade Administrativa e da persecução penal contra gestores."

3 NASCIMENTO, Bárbara Luiza Coutinho do. Fostering integrity online: from open data to interpreted data. In: Integrity, a valuable proposition. The Hague: ICC Netherlands, 2018. Disponível em:  Clique aqui

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*Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento é promotora de Justiça do MPRJ. Mestre e bacharel em Direito pela Uerj. Concluiu o Curso Avançado em Direito Penal Internacional com foco em uma Era de Inovação na Academia de Direito Internacional da Haia. Cursa o LL.M. em Direito da Tecnologia da Informação na Universidade de Edimburgo.

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