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A morte e os cuidados paliativos

Cuidados paliativos, nesta visão, descartam qualquer apressamento da morte, mas sim provocam o surgimento de um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade.

domingo, 13 de outubro de 2019

Atualizado em 14 de outubro de 2019 07:06

tNo dia 12 de outubro foi comemorado o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, sob o lema My Care, My Right, com a intenção de sensibilizar a humanidade a respeito dos direitos de cada pessoa que se encontra in extremis mortis receber o conteúdo multidisciplinar dos cuidados paliativos como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, que figura como um dos fundamentos básicos na Constituição Federal.

Referido princípio garante ao homem, em todas as fases da sua vida, desde a mais tenra infância até a idade mais avançada, o direito de viver com conteúdo e intensidade em todas elas e, principalmente, desfrutar de uma velhice que seja condizente com sua realidade, com o máximo aproveitamento, mesmo com a ocorrência da senescência celular.

A finitude da vida é inevitável.  A convivência entre o homem e a morte remonta à história da própria humanidade. O nascer e o morrer são atos reiterados, vinculados, um compreende o outro, como alfa e ômega. A vida, por si só, é uma preparação para a morte. Pode-se dizer que a morte não fica no final da vida aguardando o encontro já de há muito marcado. Ela é acólita inseparável da vida e, em qualquer momento, pode assumir seu papel. 

Neste diapasão, a inevitabilidade da morte ingressa na vida humana como um tema a ser refletido por médicos, pacientes e familiares, justamente para se estabelecerem as decisões a respeito do final de vida, levando-se em consideração o princípio da autonomia da vontade do paciente, os tratamentos e medicamentos que serão conferidos e os cuidados paliativos.

A Medicina, pela sua expansão nas tecnologias de suporte de vida, pode prolongar a vida humana que se encontra em estágio terminal, sem, no entanto, reverter o quadro clínico do paciente, pois os resultados sabidamente não corresponderão a qualquer salutar expectativa. O Código de Ética Médica (resolução CFM 2.217/18) recomenda nos princípios fundamentais que norteiam a ars curandi: "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional".

Mas o mesmo Código Deontológico, em seu artigo 41, parágrafo único, afirma: "Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal".

Percebe-se que a solução paliativista vem espancar o excesso terapêutico que, no caso de irreversibilidade, somente ofertaria um prolongamento penoso e sofrível sem qualquer perspectiva de melhora, um exagerado prolongamento do processo de morrer, que conflita com a dignidade do ser humano. 

Paliar, derivado do latim pallium, que significa manto, cobertura, traduz o ato de cuidar, proteger uma pessoa que recebeu o diagnóstico de uma doença grave. Compreende não só o alívio da dor, do sofrimento, do suporte para diminuir o desconforto provocado pela moléstia, mas, também, busca propiciar assistência psicológica e espiritual, compreendendo o paciente e sua família. A filosofia de cuidados especiais exige a conjugação do cuidar (care) e do curar (cure) para que o paciente se sinta protegido, acolhido e amparado. É, por assim dizer, um tratamento complementar, adesivo, coadjuvante, vez que pode ser concomitante ao que objetiva a cura quando no manejo dos sintomas da incurável doença, eficiente em seu conteúdo e, acima de tudo, humanizado. 

Cuidados paliativos, nesta visão, descartam qualquer apressamento da morte, mas sim provocam o surgimento de um cuidar cauteloso para conferir ao paciente a continuidade da sua dignidade. O estertor da morte é suavizado. Seria, a título de exemplo, tomar o paciente pelas mãos e com ele caminhar na sua toada, com segurança e lentamente, levantando-o quando suas forças minarem, até o umbral que interrompe o ciclo vital. É, portanto, uma tarefa especializada, que exige muito mais do que a solidariedade humana. Daí, muitas vezes, como sói acontecer, nem mesmo os parentes poderão executá-la a contento.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

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