Os desafios do gestor nas instituições de ensino superior privadas
Em tempos de transformação digital, a competitividade, como já dito anteriormente, ocorre em um cenário internacional e contra as maiores, mais relevantes e longínquas instituições de ensino do mundo.
segunda-feira, 7 de outubro de 2019
Atualizado às 12:20
A profusão de normas na área educacional deixa o gestor em uma posição pouco confortável. Dominar o arcabouço legal e administrar uma instituição de ensino tem se mostrado tarefa, no mínimo, complexa.
Gestor eficiente é aquele que detém múltiplas habilidades, com aptidões nas áreas de gestão, administração, finanças, marketing, política, conhecimento da legislação educacional, dentre outras qualidades. Acrescente-se a preocupação com as avaliações do MEC e posições de prestígio em rankings nacionais e internacionais.
Se a tarefa de captar e reter alunos era um desafio (além de assegurar seu ingresso no mercado de trabalho), agora adicione-se ficar bem colocado nas inúmeras avaliações a que estão sujeitas as instituições de educação superior (IES).
Através dos processos de avaliação, a autonomia das instituições de ensino foi perdendo espaço para a intervenção do Estado que, hoje, exerce absoluto controle sobre as IES, sejam públicas ou privadas. Algumas áreas como medicina, direito e psicologia, por exemplo, necessitam de autorização prévia para funcionar.
Esse controle representou significativo aumento na qualidade do ensino no país, uma vez que as instituições educacionais passaram a ter maior preocupação com a formação de seus egressos e capacitação de seu corpo de trabalhadores. A qualificação de excelência tornou-se o objetivo das instituições de educação, seja no nível básico ou superior.
Expansão
Outro fator relevante foi a expansão sem precedentes no número de instituições de educação superior, fenômeno intensificado com o ingresso de algumas delas no mercado de capitais. Num curto espaço de tempo, constatamos um movimento dos grandes grupos, que foram adquirindo instituições menores, tornando-se verdadeiros conglomerados educacionais. Cabe ressaltar? não se trata de crítica, mas simples constatação.
O incremento da educação à distância também revolucionou o negócio educacional. Hoje, não há barreiras para que qualquer interessado realize um curso em Harvard sem sequer pisar lá.
A concorrência se dá em nível global e só instituições com algum diferencial se manterão estáveis num futuro próximo.
Nesse contexto, o gestor de uma IES deve estar atento e informado sobre as questões relevantes que impactam a atividade educacional. Para demonstrar essa complexidade, apresentamos alguns referenciais que podem evidenciar o destaque da instituição:
Com o advento da lei do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), 10.861/04, o MEC passou a monitorar a atividade educacional com maior intensidade, avaliando as instituições, seus cursos e o desempenho de seus estudantes. O processo avaliativo tem como foco melhorar a qualidade da educação superior, orientar a expansão da oferta de cursos, além de promover a responsabilidade social da IES.
O resultado das avaliações visa subsidiar os processos de regulação, que compreendem os atos autorizativos - credenciamento de IES, autorização e reconhecimento de cursos, e atos regulatórios - recredenciamento de IES e renovação de reconhecimento de cursos -, sendo realizados periodicamente, segundo calendário do MEC. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela operacionalização dos processos de avaliação e aferição da qualidade das IES, ocupa papel de destaque.
Por meio dos "instrumentos de avaliação", o MEC1 sinaliza as dimensões e indicadores da avaliação, bem como assegura que as normas tenham sido efetivamente cumpridas. A legislação sobre o processo regulatório é extensa e minuciosa, além de trazer novos conceitos que devem ser assimilados pelo gestor, tais como CI, CPC, CC, IGC, Enade, IGCD, Censo2, dentre outros.
Plano de Desenvolvimento Institucional
Outro requisito legal, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), é o documento institucional mais relevante, pois estabelece a missão da IES e as estratégias de ação que a levarão a alcançar os objetivos pretendidos. O documento, se bem elaborado, será instrumento que irá orientar a política de gestão, manutenção e expansão da instituição pelo prazo de cinco anos. Aqui, é importante ressaltar a relevância de um estudo sobre o futuro das carreiras, para que a IES tenha clareza sobre qual o melhor caminho a seguir e possa direcionar seu foco às demandas reais da sociedade.
Outros aspectos como a adequação dos cursos às diretrizes curriculares, o cumprimento de carga horária mínima, os prazos de integralização curricular, o perfil do egresso, a titulação e dedicação do corpo docente, plano de carreira para seu corpo de colaboradores (docentes e administrativos), também são requisitos legais que necessitam ser observados.
Por sua vez, a avaliação in loco irá aferir a infraestrutura, acessibilidade das instalações, oferta das disciplinas transversais (estudo das relações étnico-raciais, direitos humanos, meio ambiente, Língua Brasileira de Sinais, conhecido como Libras), atestar que a IES possui políticas de permanência (subsídio alimentação, transporte, auxílio em material didático), planos de inclusão e de nivelamento curricular - principalmente para alunos Prouni e Fies, dentre outros beneficiários de ações sócio-assistenciais. A inobservância dos critérios pode culminar na imposição de protocolos de compromisso e assinatura de Termo de Saneamento que, não cumpridos, podem acarretar no fechamento do curso e/ou descredenciamento da IES.
Os cursos devem ter um Núcleo Docente Estruturante (NDE) atuante e comprometido, além de a IES contar com uma Comissão Própria de Avaliação (CPA), com mecanismos realmente efetivos de aferição de desempenho docente, bem como políticas de saneamento de deficiências apontadas nas avaliações internas e externas.
Atividade de extensão nos currículos: obrigatório?
Novidade recente é a obrigatoriedade de inserção de atividades de extensão nos currículos dos cursos de graduação. Nada mais é do que uma forma de o governo impulsionar as IES a promover ações sociais e de intervenção direta na comunidade.
Além de familiarizado com o processo regulatório, o gestor deve estar atento aos requisitos das empresas internacionais de avaliação? a Times Higher Education (THE), uma renomada instituição londrina especialista na área, utiliza indicadores relevantes baseados nos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas-ONU.
Agora, para exercer atividade na educação, não basta conhecer o Plano Nacional de Educação (PNE), a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), da educação básica. Tampouco será suficiente dominar a profusão de diretrizes curriculares dos cursos superiores de graduação nas suas modalidades bacharelado, licenciatura e tecnológico, bem como regras próprias da pós-graduação lato e stricto sensu.
O gestor de uma instituição de destaque deve conhecer políticas de inclusão, garantir a criação de instalações unissex e assegurar o uso do nome social. Deve estabelecer diretrizes de comportamento e código de conduta, além de medidas para impedir a prática de bullying, vedar toda forma de discriminação de gênero, raça, crença, política e ideológica.
Para ter bom desempenho nos rankings, deve saber a origem dos insumos que consome; se seus fornecedores adotam práticas socialmente responsáveis; a destinação de seu lixo (reciclado, claro); se faz coleta seletiva; se tem políticas de reuso de água; se tem assegurada a interlocução com os stakeholders (preferencialmente com assentos nos órgãos colegiados da IES); se desenvolve ações culturais gratuitas; se pratica políticas de igualdade de gênero entre seus funcionários (sem distinção de remuneração); se tem intervenção direta na comunidade do entorno (ações sociais e de prestação de serviço); se adota medidas contra práticas de exclusão; se possui canais de ouvidoria com a comunidade; se seu código de ética atende a compliance governate; se na organização há transparência e publicidade de seus atos; se há políticas de consumo consciente de recursos naturais, se há parcerias com ONGs, governo (nacionais e internacionais) na aplicação de ODS; se patrocina projetos de voluntariado para os discentes, se oferece programas e projetos de promoção da saúde e bem-estar abertos a comunidade; se possui programas sobre higiene, nutrição, planejamento familiar, esportes, exercício, envelhecimento; se fornece orientação, bolsa de estudo ou apoio para minorias; realiza serviços gratuitos de educação sexual e reprodutiva; se disponibiliza serviços de apoio e suporte à saúde mental; se coíbe expressamente o trabalho forçado, a escravidão, o tráfico humano e o trabalho infantil, além de como publica seus relatórios de sustentabilidade. Enfim, deve comprovar que adota políticas economicamente sustentáveis e que se preocupa com as gerações futuras.
No âmbito interno, deve fomentar a produção científica de seu corpo docente e discente, preferencialmente em revistas qualificadas com o selo Qualis e similares, de reputação internacional. Não podemos esquecer da quantidade de citações que seus docentes devem receber dos periódicos especializados (da comunidade científica externa principalmente).
A gestão polivalente
Enfim, o grande desafio do gestor é se mostrar polivalente e contar com equipe técnica competente, característica que poderá fazer com que sua IES se destaque no cenário educacional.
Finalmente, cabe fazer referência ao Future-se? programa do MEC que visa outorgar mais autonomia às Universidades e Institutos Federais. Fato é que haverá grande celeuma na implantação de tal programa, que prevê que a gestão administrativa e financeira das IES federais seja feita por Organizações Sociais- OS. O Ministério supõe que, dessa forma, os gestores da educação possam se dedicar exclusivamente ao ensino, pesquisa e extensão. A captação de recursos e sua gestão deveriam ficar a cargo de organizações devidamente constituídas para tal finalidade.
O Programa do MEC, lançado em julho passado, promete aumentar a autonomia de gestão e capacidade de captação de recursos das instituições federais, deixando a administração financeira e administrativa para Organizações Sociais (sem fins lucrativos), constituídas para tal finalidade. Não se sabe ao certo se o que se pretende são parcerias ou se a finalidade é a de delegação de competência. O certo é que o programa tem como referencial instituições internacionais e pretende criar novas formas de captar recursos e profissionalizar a gestão das instituições federais.
Talvez o ideal fosse estabelecer parcerias com assessorias e consultorias em gestão já existentes no país. Esse diálogo deveria ser estabelecido pelo MEC em conjunto com os gestores das instituições federais, principalmente com as instituições que já possuem projetos e parcerias eficientes e com práticas muito bem consolidadas.
Três eixos da gestão de ensino superior
Fato é que, dos três eixos apresentados, várias premissas podem perfeitamente ser aproveitadas por instituições educacionais privadas.
Primeiro eixo? Gestão, governança e empreendedorismo - em geral, são regras básicas de compliance governate perfeitamente aplicáveis às instituições privadas? elaboração de estratégias visando a busca de resultados; a criação de soluções inovadoras para aplicar na gestão dos recursos (muitas vezes limitado); formas modernas de captação de recursos e gestão de espaços das instituições (cessão, comodato, locação e patrocínio de espaços institucionais); a elaboração de altos padrões de comportamento e regras de conduta de seus membros; a garantia da segurança e sigilo da informação de dados de sua instituição (principalmente os dados pessoais sensíveis, definidos na LGPD); mecanismos que assegurem a exatidão de seus dados e certificados, sem prejudicar a publicidade exigível dos atos públicos; utilização de instrumentos de alta tecnologia em seus procedimentos (para além da obrigação legal de digitalização do acervo, tem-se como essencial o emprego de novas tecnologias pedagógicas, tais como, sala de aula invertida, aprendizado baseado em problemas - PBL, educação a distância).
A IES deve implementar regras claras para realizar parcerias coma a iniciativa privada e, dessa forma, incrementar e ampliar os modelos de negócio de sua Instituição. Isso irá favorecer a inclusão de seus estudantes no mercado de trabalho e significar uma proposta interessante para instituições que estão buscando profissionalizar seu modelo de gestão e diversificar as possibilidades de geração de receita.
Eixo 2? Pesquisa e inovação - Este eixo da proposta é muito pertinente para IES privadas, já que privilegia a integração com o setor empresarial, através da criação de centros de pesquisa e de inovação tecnológica, patrocinados por empresas consolidadas no mercado profissional. Pode patrocinar a criação de incubadoras e startups em parceria com a iniciativa privada, a implantação de parques tecnológicos, abrindo novos campos de trabalho aos seus estudantes e fomentando a pesquisa qualificada de seus colaboradores.
Eixo 3? Internacionalização - Ultrapassar a barreira de idiomas é um primeiro passo para a promoção da internacionalização. Se pensamos em um mundo globalizado, natural que haja mecanismos de comunicação universais, além da conectividade com instituições externas. Isso implica na adoção de medidas que garantam a abertura de limites geográficos? ofertar cursos de língua estrangeira para seus alunos como componente curricular; aceitar a dupla diplomação (em parceria com IES estrangeiras e nacionais renomadas); facilitar e promover intercâmbio de docentes de grande reputação acadêmica e profissional; viabilizar o aproveitamento de conhecimentos adquiridos em instituições externas; estimular a participação de docentes convidados (colaboradores e pesquisadores).
O Programa foi elaborado para instituição federais e sua adoção será voluntária, mas ideias relevantes e adequadas podem perfeitamente ser adotadas em IES privadas.
O gestor do ensino superior deve elevar o seu grau de exigência diante dos desafios postos dentro desse mercado. Em tempos de transformação digital, a competitividade, como já dito anteriormente, ocorre em um cenário internacional e contra as maiores, mais relevantes e longínquas instituições de ensino do mundo. A barra de exigência subiu exponencialmente e todos devem estar preparados para um novo tempo das faculdades e universidades.
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1 - À Secretaria de Supervisão e Regulação do Ensino Superior - SERES, cabe zelar para que as normas educacionais sejam cumpridas.
2 - CI: Conceito Institucional; CPC: Conceito Preliminar de Curso, CC: Conceito de Curso; CGC Conceito Geral de Curso; Enade: Exame Nacional de Avaliação de Desempenho; IGCD: Índice de Qualificação do Corpo Docente; CENSO: coleta de dados realizada anualmente pelo Inep para subsidiar a elaboração de políticas públicas educacionais.
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*Andréa de Melo Vergani é advogada do escritório LTSA Advogados.