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Insubmissão de créditos não tributários decorrentes de multa administrativa aos efeitos de processos de soerguimento

O crédito fiscal decorrente de penalidade administrativa (multa não tributária) não se submete aos efeitos de processo recuperação judicial, não se sujeitando ao concurso de credores.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Atualizado às 10:53

De início, importa registrar que, no Direito Tributário, existem, essencialmente, três tipos de multas, sendo elas, as punitivas isoladas, as punitivas acompanhadas do lançamento de ofício e as moratórias, diferenciação que restou bem esclarecida em julgado da lavra do eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso. 

Confira-se:

(...) As multas moratórias são devidas em decorrência da impontualidade injustificada no adimplemento da obrigação tributária. As multas punitivas visam coibir o descumprimento às previsões da legislação tributária. Se o ilícito é relativo a um dever instrumental, sem que ocorra repercussão no montante do tributo devido, diz-se isolada a multa. No caso dos tributos sujeitos a homologação, a constatação de uma violação geralmente vem acompanhada da supressão de pelo menos uma parcela do tributo devido. Nesse caso, aplica-se a multa e promove-se o lançamento do valor devido de ofício. Esta é a multa mais comum, aplicada nos casos de sonegação. (AI 727872 AgR, relator (a): min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/4/15, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18/5/15)

O enfoque dado ao presente estudo vincula-se às multasque possuem natureza sancionatória e decorrem do poder de polícia estatal. 

Sobre o tema, Marçal Justen Filho faz os seguintes apontamentos:

"A sanção administrativa pode ser considerada como manifestação do poder de polícia. A atividade de poder de polícia traduz-se na apuração da ocorrência de infrações a deveres da mais diversa ordem, impondo à Administração o poder-dever de promover a apuração do ilícito e a imposição da punição correspondente.

Portanto, a criação de deveres administrativos não é manifestação necessária do poder de polícia, mas a apuração da ocorrência do ilícito e o sancionamento daí derivado correspondem ao exercício da competência de polícia administrativa" (v. Curso de Direito Administrativo, 2ª Ed. São Paulo, Saraiva, 2006, pag.405).

A finalidade das sanções administrativas é, em síntese, desestimular a prática de condutas censuradas e constranger o administrado ao cumprimento das normas obrigatórias. Não se pode deixar de aplicar a penalidade prevista, pois isso retiraria o caráter coercitivo da norma, abriria brecha para recorrência da infração e acarretaria a ineficácia social da norma jurídica.

Nesse ponto, para fins de esclarecimento acerca do que se tratam os créditos da Fazenda Pública, de relevo verificar o que preleciona o art. 39 da lei 4.320/64, senão vejamos:

Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. (Redação dada pelo Decreto lei 1.735, de 1979)

(...)

§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo decreto lei 1.735, de 1979) (grifo nosso).

Recorde-se, igualmente, que o art. 2º da lei 6.830/80 assinala que Dívida Ativa da Fazenda Pública é aquela definida como tributária ou não tributária na lei 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores.

Por sua vez, o art. 29 da prescreve que a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

Outrossim, o art. 5º da mesma lei 6.830/80 revela que a competência para processar e julgar a execução da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro Juízo, inclusive o da falência, da concordata, da liquidação, da insolvência ou do inventário.

Esclareça-se que, em virtude da lei 6.830/80 ter sido editada em 1980, sua aplicação ao procedimento de recuperação judicial é manifesta, vez que a lei 11.101/05 substituiu a concordata pela recuperação judicial da sociedade empresária devedora.

Também é certo que o art. 6º, § 7º, da lei 11.101/05 preleciona que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Assim, não tendo havido a quitação do débito fiscal decorrente de multa sancionatória, a providência a ser adotada será a inscrição em Dívida Ativa da União, seguindo-se o procedimento da Lei de Execução Fiscal.

Denota-se que não é suficiente para afastar a regra do art. 6º, § 7º, da lei 11.101/05, o argumento de que as execuções de natureza fiscal que não são suspensas pelo deferimento do processamento da recuperação judicial de eventual sociedade empresária são apenas aquelas de natureza tributária.

A exposição ora efetuada rechaça premissas adotadas, por exemplo, em agravo de instrumento1 vinculado à recuperação judicial que tramita no Estado do Rio de Janeiro, onde a Corte Carioca realizou interpretação no sentido de que o Estado possui o dever de, sacrificando-se juntamente com os particulares, preservar a empresa e assim permitir que ela exerça sua função social, submetendo-se multas administrativas aos efeitos de processo de soerguimento, mormente pelo fato de que a deliberação contraria o que restou definido pelo Legislador ao confeccionar a lei 11.101/05 e as mais diversas legislações fiscais expostas outrora.

Inclusive, revela-se inquestionável a relevância da receita advinda dos tributos para o planejamento financeiro do Estado e o legítimo interesse no prosseguimento da cobrança daqueles créditos originados da atividade sancionatória do ente público.  

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:  

"PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. EMPRESA SUSCITANTE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PROSSEGUIMENTO. UTILIZAÇÃO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. PRECEDENTES. 1. A lei 11.101, de 2005, regulou a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, dispondo, em seu art. 6º, caput, que "a decretação da falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário". 2. Por seu turno, o parágrafo 7º do referido dispositivo legal estabelece que a execução fiscal não se suspende em face do deferimento do pedido de recuperação judicial, visto que a competência para processamento e julgamento das execuções da Dívida Ativa da Fazenda Pública exclui a de qualquer outro juízo. 3. Tal dispositivo (art. 6º, § 7º) corrobora a previsão contida no art. 5º da própria Lei de Execução Fiscal que determina a competência para apreciar e julgar execuções fiscais, bem como no art. 29 da referida legislação e no art. 187 do Código Tributário Nacional, que estabelecem que a cobrança judicial da dívida da Fazenda Pública não se sujeita à habilitação em falência. 4. Assim, considerando que os efeitos da recuperação judicial não alcançam a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, ficando restritos aos débitos perante credores privados, não há que se suspender o prosseguimento da execução fiscal. (...)" (CC 116.579/DF, rel. min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/6/11, DJe 2.8.2011.)

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás também já decidiu  de semelhante forma  no Agravo de Instrumento 5259919.92.2018.8.09.0000, de relatoria do eminente desembargador Relator Carlos Alberto França, 2ª Câmara Cível, DJE 24/9/18.

Ou seja, reputando a autoridade fazendária competente, oportuno e necessário, deve ter garantido o direito de ajuizamento de execuções fiscais, principalmente pelo princípio da indisponibilidade aplicável ao caso, de forma que não seria razoável impor limitação ao direito de a Fazenda Pública Federal perseguir seu crédito, ainda que através de protestos do título, por exemplo, em face de empresas que atravessam processos de soerguimento.

Não se olvida aqui do enunciado 74 da II Jornada de Direito Comercial, que prevê que, embora a execução fiscal não se suspenda em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial, os atos que importem em constrição do patrimônio do devedor devem ser analisados pelo Juízo recuperacional, a fim de garantir o princípio da preservação da empresa.

Enunciado este que faz coro com o art. 6º, 7º, da lei 11.101/05, que prevê que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial.

Revela-se, assim, nítida a insubmissão da referida sanção administrativa de natureza não tributária à previsão do art. 49 da lei 11.101/05, embora este preveja que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, tratando-se de verdadeira exceção legal.

Conclui-se que o crédito fiscal decorrente de penalidade administrativa (multa não tributária) não se submete aos efeitos de processo recuperação judicial, não se sujeitando ao concurso de credores, notadamente em face dos diversos dispositivos legais que são notoriamente claros nesse sentido.

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1 Agravo de Instrumento 0010168-32.2018.8.19.0000. Relatora DES. MONICA MARIA COSTA DI PIERO. OITAVA CÂMARA CÍVEL. Publicado em 21 de setembro de 2018, no Diário de Justiça 3092295, folhas 309/331+  

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*Paulo Henrique Faria atua na área de recuperação judicial há três anos.

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