Em um futuro não muito distante...
Se os nossos dados pessoais, nossa pegada digital, nossas informações de consumo de atuação, são o petróleo do século 21, é chegada a hora de construirmos cercas e muros, não para impedir que eles sejam roubados por terceiros, mas sim para sabermos quem, e por quais razões, terão acesso a eles.
quinta-feira, 5 de setembro de 2019
Atualizado em 4 de setembro de 2019 15:09
Cliente: Bom dia, é da empresa X?
Empresa: Bom dia, sim, em que posso ajudá-lo?
C: Eu gostaria de saber quais dados meus vocês possuem e gostaria que vocês os apagassem. É com você que eu falo?
Qual seria a resposta da sua empresa? Ela está pronta para essa nova demanda? E quais dados você apagaria, e quais, por força de lei, você poderia manter?
Em 14 de agosto de 2020 essas questões serão parte da realidade da maioria esmagadora das empresas, prestadores de serviços, médicos, profissionais liberais, etc.
Na sociedade em que vivemos, rara é a atividade econômica que não envolva alguma forma de tratamento de dados. É o cadastro dos seus clientes, o registro de seus funcionários, a câmera de segurança da portaria, o registro de entrada no prédio...
Mais do que saber como e o que são dados pessoais, se você exerce uma atividade profissional organizada, entender quais dados podem ser armazenados fará toda a diferença, afinal:
- Os documentos de acesso à empresa - desde aquele cadastro feito na portaria até as imagens de seus sistemas de segurança - por quanto tempo posso guardar? E o registro de acesso dos meus funcionários - não o registro do ponto, mas o simples passar na catraca -, segue a mesma regra?
- E aquele prestador, cliente, fornecedor, que, por questão de privacidade, decidir não cadastrar sua digital - afinal, é o mesmo dedo que ele usa para liberar o acesso ao banco no caixa eletrônico -, ele pode fazê-lo?
- Instalar aquele sistema de reconhecimento facial de última geração, que otimizará o acesso à empresa dispensando o uso de crachás e outras formas de identificação, será mesmo tão vantajoso assim? Ou o investimento em segurança que ele exigirá será tão alto quanto o próprio sistema principal?
- Ao depender de um documento sensível - um laudo médico, um extrato bancário, um vídeo - para fazer prova em processo judicial, será mesmo o melhor caminho juntá-lo ao processo, ainda que em segredo de justiça? Não há outra maneira?
Estes são apenas alguns exemplos simples das mudanças que precisaremos colocar no nosso dia-a-dia e, especialmente, na rotina jurídica das nossas atividades, seja com os colaboradores internos, seja com os colaboradores externos das empresas.
Tudo isso sem sequer se falar de dados ainda mais sensíveis à rotina jurídica de qualquer empresa. Num mundo onde tudo trafega eletronicamente e todos estamos conectados, quais os cuidados que devemos tomar ao trafegar informações sensíveis pela internet?
Será mesmo que aquele aviso ao final do e-mail, dizendo se tratar de informação confidencial, basta?
Seus arquivos, quando grandes demais para um e-mail, chegam por um serviço de nuvem gratuita? Você já leu os termos de uso desses serviços? E seus prestadores?
Se você acha esse texto alarmista, veja a notícia veiculada no site Migalhas no último dia 08 de agosto, onde um estabelecimento médico foi processado em razão da divulgação de exame médico pelo whatsapp - sim, caros leitores, aquele aplicativo mágico que, 9 em cada 10 consultórios, hoje utiliza para agendamento de consulta e, por que não, envio dos exames.
Acha que esse é um caso isolado? Não é mesmo.
Vou dar outro exemplo: a empresa Target há poucos anos se viu em uma saia justíssima ao enviar um kit de fraldas de presente a uma família - pai, mãe e a filha de 14/15 anos. Esses kits eram enviados aos clientes cadastrados na loja por meio de um cruzamento de dados que permitia à empresa deduzir, mesmo sem a compra de testes de gravidez, a probabilidade de uma cliente estar ou não grávida em razão das mudanças no seu padrão pessoal de consumo.
O pai, ciente que a esposa não estava grávida e face à idade da filha, foi tirar satisfação na empresa, achando um absurdo aquele "presente de grego". A empresa, obviamente, se desculpou pelo inconveniente e prometeu ser mais cautelosa.
A filha, tempos depois, informou que já estava grávida naquela época!
Se os nossos dados pessoais, nossa pegada digital, nossas informações de consumo de atuação, são o petróleo do século 21, é chegada a hora de construirmos cercas e muros, não para impedir que eles sejam roubados por terceiros, mas sim para sabermos quem, e por quais razões, terão acesso a eles.
No final, caros leitores, seu medo de ver aquela sua foto de criança que você odeia circulando nas redes sociais era, realmente, o menor dos seus problemas!
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*Paulo Augusto Rolim de Moura é advogado sócio júnior da área cível da Advocacia Hamilton de Oliveira.