Dias úteis ou dias corridos? A necessidade de um ponto final em relação a contagem dos prazos processuais envolvendo processos de recuperação judicial
Que se deixe a nobre discussão doutrinária a respeito do tema um pouco de lado, em prol da harmonização de todo um "sistema processual recuperacional".
quarta-feira, 4 de setembro de 2019
Atualizado em 3 de setembro de 2019 14:15
Há algum tempo, a doutrina pátria vem discutindo a questão da contagem dos prazos processuais dos processos de recuperação judicial. A discussão é profunda e muito técnica e demandaria muito tempo para um texto cotidiano, o que obviamente não é o objetivo.
Nesta linha, à grosso modo, para alguns, o entendimento previsto no artigo 219 do Código de Processo Civil, que estabelece a contagem dos prazos processuais em dias úteis, deve ser aplicado aos processos de recuperação judicial, até porque o CPC subsidiariamente complementa à lei de falências e recuperação de empresas, levando-se, em conta, nesta tese, a natureza do prazo.1 Para outros, por ser a lei 11.101/05 uma lei especial e também envolvendo processos com uma dinâmica diferente (necessidade de maior celeridade e efetividade), o Código de Processo Civil não seria aplicável, de modo que, pelas decisões da Terceira e Quarta Turma do STJ envolvendo prazos materiais2, os processuais também seriam contados em dias corridos.3
Pois bem. A discórdia não se aloja apenas à discussão doutrinária. As Câmaras dos Tribunais Estaduais do nosso país divergem da questão. A Quarta Câmara Cível do Tribunal do Rio de Janeiro, por exemplo, tem posição firmada no sentido de serem os prazos processuais contados em dias corridos.4 De outro lado, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo conta os prazos processuais em dias úteis, utilizando-se do Código de Processo Civil, por força do próprio artigo 189 da lei 11.101/05.5
Diversas são as diferenças entre Câmaras que julgam recursos envolvendo processos de recuperação judicial no país, de modo que, a diferença de ideias vem tornando o trabalho dos profissionais da área cada vez mais árduo.
Deste modo, entende-se que a discussão cada vez mais acirrada e, na opinião deste autor, prejudicial a tais processos deve ser encerrada por meio de uma decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça, do mesmo modo, ocorrida à contagem de prazos do "stay period" e também da apresentação do plano de recuperação judicial.
O recente voto do eminente ministro Marco Aurélio Belizze, no RESp 1.698.293-GO, aclarou algumas situações de contagem de prazos, afirmando:
"Encontram-se diretamente relacionados ao stay period: o prazo de 60 (sessenta) dias, no qual a recuperanda deve apresentar o plano de recuperação judicial, contado da publicação da decisão que deferiu o processamento de sua recuperação judicial (art. 53); o prazo de 15 (quinze) dias, em que o credores poderão apresentar sua habilitação, contado da publicação do edital previsto no § 1º do art. 52 (art. 7º, § 1º); o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, no qual o administrador judicial fará publicar edital com a relação de credores, contado do fim do prazo para habilitação; o prazo de 10 (dez) dias, em que Comitê de Credores, credor, devedor ou seus sócios, ou Ministério Público poderão apresentar impugnação à relação de credores, contado da apresentação desta pelo administrador judicial (art. 8º); o prazo de 30 (trinta) dias, no qual os credores poderão ofertar objeções, contado da publicação da relação de credores (art. 55); o prazo de 150 (cento e cinquenta) dias, em que deve ser realizada a assembleia geral de credores, contado da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial (art. 56, § 1º)." (STJ - Terceira Turma - RESp 1.698.283-GO - Min. Rel. Marco Aurélio Belizze - d.j. 21.5.19 - v.u.)
De acordo com o ministro, referidos prazos, ainda que desenvolvidos no bojo do processo recuperacional, referem-se diretamente à relação material de liquidação, constituindo verdadeiro exercício de direitos, ou seja, prazos materiais.
Contudo, o voto não encerra a discussão, permitindo, por exemplo, a aplicação do Código de Processo Civil nos prazos de 5 (cinco) dias em que o devedor contesta a impugnação de crédito apresentada e do credor em relação a esta contestação.
Neste ponto, cabe indagação. Se o processo de recuperação judicial comporta o estrito respeito à celeridade e efetividade não podendo comprometer a lógica temporal da recuperação, qual a razão de se manter, por exemplo, a contestação à impugnação em dias úteis, se a impugnação seria em dias corridos? E, neste caso, um recurso em face a decisão que acolhe ou não a impugnação, seria contado em dias úteis ou corridos? Não estaria o recurso atrelado à relação material de liquidação?
Apesar do voto muito técnico e que ampliou as situações de aplicação da contagem de prazos, no meu entender processuais, em dias corridos, não deu fim à discussão ainda vigente em nosso país, a respeito do tema.
Sem dúvidas, há premente necessidade de se chegar a um ponto comum em relação a contagem de prazos processuais nos processos de recuperação judicial. Uniformizar o entendimento jurisprudencial fatalmente diminuirá os recursos de agravo de instrumento interpostos em face a decisões de primeiro grau que se alinham a uma ou outra tese, permitindo aos Tribunais Estaduais maior foco em questões, muitas vezes, mais graves e pontuais envolvendo os devedores e credores.
Do mesmo modo, trará maior segurança jurídica ao processo, de modo que tanto os devedores quanto os credores estarão cientes da "regra do jogo" desde o início do processamento, inviabilizando qualquer prejuízo às partes por eventual questão relacionada à contagem de prazos processuais.
Por tais motivos, o ponto final deve ser inserido em nosso sistema (há ferramentas para isto, como o recurso especial repetitivo), seja para contagem dos prazos processuais nas recuperações judiciais em dias úteis ou em dias corridos.
Que se deixe a nobre discussão doutrinária a respeito do tema um pouco de lado, em prol da harmonização de todo um "sistema processual recuperacional".
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1 "Prazos processuais devem ser contados em dias úteis com novo CPC", Tereza Arruda Alvim Wambier e Arthur Mendes Lobo. Acessado em 5/4/18.
2 STJ, Quarta Turma - RESp 1.699.528-MG - Min. Rel. Luis Felipe Salomão - d.j. 10.4.18 - v.u.; (STJ - Terceira Turma - RESp 1.698.283-GO - Min. Rel. Marco Aurélio Belizze - d.j. 21.5.19 - v.u.)
3 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: falência e recuperação de empresa. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 422-426
4 TJ/RJ - Quarta Câmara Cível - Agravo de Instrumento 0044776-56.2018.8.19.0000 - Des. Rel. Reinaldo Pinto Alberto Filho - d.j. 24.10.18 - v.u.
5 TJ/SP - 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial - Agravo de Instrumento 2055880-79.2019.8.26.0000 - Des. Rel. Mauricio Pessoa - d.j. 29.7.19
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*Rubens Lobato Pinheiro Neto é advogado e administrador judicial.