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O uso do direito premial nas infrações administrativas de lavagem de dinheiro

Filipe Lovato Batich

Vale lembrar que a celebração do Termo de Compromisso ou do Acordo de Administrativo, diferentemente do que ocorre no acordo de leniência para infrações contra a ordem econômica, não extingue a punibilidade criminal de eventuais delitos cometidos.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Atualizado em 29 de agosto de 2019 14:06

Na noite do dia 19 de agosto, o Ministério da Economia publicou a medida provisória 893 (MP 893), que transformou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) na Unidade de Inteligência Financeira (UIF), transferindo a competência de receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de casos de lavagem de dinheiro do Ministério da Fazenda para o Banco Central (BACEN).

Sem adentrar em eventual não conformidade na criação de 8 (oito) a 14 (quatorze) cargos de confiança para gestão do conselho deliberativo da UIF, a serem preenchidos por indicação política, com as recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)1, é certo que, na nossa opinião, a submissão da UIF ao BACEN conferiu às pessoas físicas e jurídicas sujeitas ao mecanismo de controle de combate à lavagem de dinheiro e financiamento o terrorismo (gatekeepers) acesso aos acordos para se por fim à procedimentos administrativos sancionatórios constantes na lei 13.506/172.

Tanto o artigo 11 da lei 13.506/17, que trata da celebração do Termo de Compromisso, quanto o seu artigo 30, que regula o Acordo Administrativo em Processo de Supervisão (Acordo Administrativo), dispõem que tais benefícios (Termo de Compromisso e Acordo Administrativo) se aplicam em caso de infração submetidas ao poder de fiscalização do BACEN.

Dessa forma, apesar de o julgamento das infrações relacionadas aos deveres de comunicação dos gatekeepers permanecerem sob a jurisdição do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, agora3:

  1. com vistas a atender o interesse público e com fundamentado juízo de conveniência e oportunidade, o BACEN poderá, antes da existência de decisão de primeira instância, ofertar um Termo de Compromisso. Para tanto, o gatekeeper deverá: (a) cessar a prática da infração; (b) corrigir as irregularidades; (c) indenizar eventuais prejuízos; e (d) cumprir as demais condições a serem acordadas, em especial, o pagamento de multa. Com a celebração do Termo de Compromisso, eventual processo administrativo deixará de ser instaurado ou será suspenso até o cumprimento de todas as condições impostas ao gatekeeper; ou,
  2. o BACEN poderá também celebrar Acordo Administrativo com o gatekeeper infrator, desde que este: (a) confesse a prática da infração; (b) identifique os demais envolvidos nela (quando couber); e (c) obtenha informações e documentos que comprovem a infração objeto do acordo. A celebração do Acordo Administrativo poderá resultar na extinção da ação punitiva ou na redução de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) da penalidade aplicável à infração.

No caso do Acordo Administrativo, ele possui outros requisitos para sua celebração, espelhados em regras já utilizadas para a celebração de acordos de leniência em infrações contra a ordem econômica, quais sejam: (i) ser o lavagem de dinheiroprimeiro infrator a se qualificar no tocante à infração objeto do acordo (requisito aplicável apenas às pessoas jurídicas); (ii) cessar a prática da infração a partir da propositura do acordo; (iii) cooperar plenamente com as investigações, inclusive arcando com as suas despesas para comparecer aos atos a serem praticados; e (iv) o BACEN não possuir provas suficientes para assegurar a condenação administrativa dos envolvidos.

Por derradeiro, vale lembrar que a celebração do Termo de Compromisso ou do Acordo de Administrativo, diferentemente do que ocorre no acordo de leniência para infrações contra a ordem econômica, não extingue a punibilidade criminal de eventuais delitos cometidos. Inclusive, diversos dispositivos da lei 13.506/17, como os parágrafos 2º e 3º do artigo 13, o parágrafo 6º do artigo 30 e os parágrafos 2º e 3º de seu artigo 31, deixam claro que, além dos referidos acordos não afetarem a atuação do Ministério Público, o BACEN deverá comunicar o Ministério Público sobre o cometimento de crimes e enviar as informações pertinentes à persecução criminal. Assim, existindo indícios de prática criminosa em conjunto com infração administrativa, eventual acordo deverá ser negociado em conjunto com o BACEN e o Ministério Público. No caso do acordo com o Ministério Público, deverá ser negociada uma delação premiada com o fim de mitigar os efeitos penais sobre as pessoas físicas envolvidas no ilícito.

 

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1 Indicação essa que contraria recomendação do Financial Action Task Force (FATF), agrupamento internacional ligado à Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), que dispõe em seu principal documento  "The FATF Recommendations", que Countries should ensure that financial supervisors have adequate financial, human and technical resources. These supervisors should have sufficient operational independence and autonomy to ensure freedom from undue influence or interference. Countries should have in place processes to ensure that the staff of these authorities maintain high professional standards, including standards concerning confidentiality, and should be of high integrity and be appropriately skilled (disponível aqui., acesso realizado em 20.08.2019 - páginas 94 e 95), sendo  que antes, nos termos do  artigo 16 da Lei 9.6013/98 ora revogado, o COAF poderia apenas ser composto por servidores públicos de  determinados órgãos da administração pública.

2 Acreditamos que as sanções previstas nessa Lei não poderão ser impostas aos gatekeepers,  já que: (i) os artigos que tratam da sanção aos gatekeepers, de natureza especial, constantes na Lei 9.613/98, não foram expressamente revogados; (ii) as sanções constantes na Lei 9.613/98 também se aplicam a gatekeepers que exercem atividades não submetidas ao controle do BACEN, por exemplo, comércio de joias ou negociação e atletas.

3 Lembrando que a MP 893 pode perder seus efeitos caso não seja tempestivamente transformada em Lei e que seu texto pode ser alterado pelo Congresso Nacional.

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*Filipe Lovato Batich é advogado associado ao Madrona Advogados.

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