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Possibilidade de discutir fraude contra credores em sede de embargos de terceiro: Relativização da súmula 195 do STJ à luz do novo CPC

Diante desse atual cenário dos embargos de terceiro previstos no CPC/15, bem como os princípios constitucionais da celeridade processual e segurança jurídica, é possível que o enunciado da súmula 195 do STJ seja relativizado e modificado, no sentido de que o embargado (exequente-credor) poderá discutir matéria referente à fraude contra credores, deixando de ser prejudicado pela antiga sistemática.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Atualizado às 08:30

Em 1º de outubro de 1997, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 195, nos seguintes termos: "Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores".

A questão era extremamente controversa antes da pacificação do entendimento perante o Tribunal Superior. A justificativa para a edição da aludida súmula se trata pela natureza jurídica do ato pretendido (anulabilidade1 se trata em fraude contra credores - arts. 158 e ss. do Código Civil) perante o rito especial e restrito dos embargos de terceiro.

Em outras palavras, os embargos de terceiro previstos no Código de Processo Civil de 1973 possuía como pedido o desfazimento do ato de constrição judicial, sendo vedado ao embargado (no caso, o exequente) a ampliação do objeto do processo.2 Nessa linha, entendia-se que a sentença em sede de embargos de terceiro não poderia ser desconstitutiva, mas apenas e tão somente mandatória,3 em caso de procedência do pedido, ou declaratória, em caso de improcedência ou extinção sem resolução do mérito.4

Dessa forma, a sentença declaratória não possuía o condão de julgar improcedente o pedido dos embargos de terceiro e, ao mesmo tempo, anular a transação entre a cadeia de pessoas fraudadoras (o executado e o terceiro) e, por consequência, o bem patrimonial responder pela dívida do executado.

Como defendido em sede doutrinária, principalmente por Cândido Rangel Dinamarco,5 esse entendimento fazia sentido à época de vigência do Código de Processo Civil de 1973, em razão da opção do legislador brasileiro em limitar o objeto em sede de embargos de terceiro. À época, João Paulo Hecker da Silva, com base no diploma legal anterior, explicou que tal vedação não poderia nem mesmo ser "tomada por meio de reconvenção ou ação declaratória incidental, até porque acarretaria a ampliação do objeto dos embargos de terceiro", pois "a cognição nos embargos de terceiro sofre limitações no plano horizontal, já que ela não está incluída no objeto de conhecimento do juiz".6

Porém, com a vigência do novo Código de Processo Civil e as novas previsões sobre os embargos de terceiro (arts. 674 e ss., do CPC), esse paradigma deve ser alterado e, por consequência, o enunciado da súmula 195 do STJ deve ser relativizado e complementado, a fim de que a sua aplicação seja feita apenas em casos sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.

Isso porque o vigente Código de Processo Civil alterou o rito especial para ordinário dos embargos de terceiro depois da apresentação da contestação. Dessa forma, alargou-se o plano do conhecimento dos embargos de terceiro, dando a oportunidade ao embargado de rediscutir e revisar entendimentos jurisprudenciais formulados na vigência do antigo diploma processual e apresentar reconvenção com a ampliação dos polos ativo e passivo.7

O art. 679 do vigente Código de Processo Civil é claro ao dispor sobre a alteração do rito em sede de embargos de terceiro: "Os embargos poderão ser contestados no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual se seguirá o procedimento comum".

Dessa forma, ao seguir o procedimento ordinário, é possível que o embargado amplie o seu leque de defesa e contra-ataque e possa apresentar reconvenção na própria contestação (CPC, arts. 343 e ss.), ampliar o rol de provas a serem produzidas e, ao final, dá a opção ao juízo competente de proferir uma sentença de natureza jurídica desconstitutiva.

Destaca-se que, em recente posicionamento, o STJ entendeu que, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, não era cabível a apresentação de reconvenção, em razão da incompatibilidade de ritos.8 Porém, no trecho do acórdão, o relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva é enfático ao afirmar que a sistemática dos embargos de terceiro foi alterado pelo Código de Processo Civil de 2015, razão pela qual esse entendimento jurisprudencial pode não ser cabível em embargos de terceiro ajuizados na vigência do novo diploma legal:

"Apenas a título de registro, anote-se que o Código de Processo Civil de 2015, alterando profundamente a sistemática anterior, passou a prever, além da possibilidade de reconvenção e contestação em peça única (artigo 343), a adoção do procedimento comum após a fase de contestação nos embargos de terceiro (artigo 679), o que certamente reascenderá a discussão em torno do cabimento da reconvenção nas demandas ajuizadas sob a égide do novo diploma".9 

Ainda, o ponto que gerava discussão referente ao litisconsórcio único e necessário também cai por terra, uma vez que §3º do art. 343 do Código de Processo Civil dispõe que "a reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro". Ou seja, é possível que o embargado, em sede de reconvenção em embargos à execução, inclua no polo passivo toda a cadeia de pessoas que praticaram o ato fraudulento.

Portanto, caso o terceiro fraudador apresente embargos de terceiro, o embargado não precisará movimentar a máquina do poder judiciário com o ajuizamento da ação pauliana, já que poderá, por meio de reconvenção, discutir fraude contra credores. Somado a isso, o embargado também não correrá o risco do injusto pagamento de custas e despesas processuais e honorários sucumbenciais nos embargos de terceiro em favor do terceiro fraudador, além de evitar a possibilidade de um terceiro de boa-fé adquirir o bem patrimonial entre a apresentação dos embargos de terceiro e o ajuizamento da ação pauliana.

Diante desse atual cenário dos embargos de terceiro previstos no Código de Processo Civil de 2015, bem como os princípios constitucionais da celeridade processual e segurança jurídica, é possível que o enunciado da súmula 195 do STJ seja relativizado e modificado, no sentido de que o embargado (exequente-credor) poderá discutir matéria referente à fraude contra credores, deixando de ser prejudicado pela antiga sistemática.

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1 Nesses breves apontamentos, o autor não possui a intenção de aprofundar a divergência doutrinária entre a anulabilidade ou ineficácia dos atos praticados em fraude.

2 STJ, 2ª Seção, EREsp n. 24.311/RJ, rel. Min. Barros Monteiro, j. em 15.12.1993, DJ 30.5.1994.

3 Pontes de Miranda, Tratado das ações, v. VI, Revista dos Tribunais, 1976, item 23, p. 275-276; Comentários ao Código de Processo Civil, v. XV, Forense, 1977, p. 19.

4 "Natureza declaratória a sentença dos embargos de terceiro somente terá quando foram julgados improcedentes ou quando o processo for extinto sem julgamento do mérito" (João Paulo Hecker da Silva, Embargos de Terceiro, Saraiva, 2011, pp. 165-166).

5 Cândido Rangel Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, v. 1, 3ª ed., Malheiros, p. 541 e ss.

6 João Paulo Hecker da Silva, Embargos de Terceiro, Saraiva, 2011, p. 63.

7 Dessa forma, ganha força a posição anteriormente defendida pelo brilhante processualista Yussef Said Cahali em sua doutrina Fraude contra Credores (3ª ed, Revista dos Tribunais, 2002, pp. 424-451).

8 STJ, 3ª T., REsp n. 1.578.848-RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 19.6.2018, DJe 25.6.2018.

9 STJ, 3ª T., REsp n. 1.578.848-RS, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 19.6.2018, DJe 25.6.2018.

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*Danthe Navarro é advogado, sócio de Navarro & Nuevo Campos Advogados, membro da Comissão de Direito Falimentar e Recuperacional do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

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