Acordos de leniência nos processos de recuperação judicial
Ainda não existe consenso sobre a sujeição ou não do crédito de acordo de leniência à Recuperação Judicial, e a questão poderá ser objeto de debate nos autos da Recuperação Judicial das empresas do Grupo Odebrecht.
segunda-feira, 19 de agosto de 2019
Atualizado em 16 de agosto de 2019 15:16
O Grupo Odebrecht recentemente ajuizou o maior pedido de Recuperação Judicial da história do Brasil, com uma dívida apresentada em R$ 98,5 bilhões, e, em razão do acordo de leniência firmado entre a Odebrecht e a Ministério Público Federal (MPF) no ano de 2016, discute-se se referidos créditos devem ou não serem incluídos na relação de credores nos autos da Recuperação Judicial.
Vale esclarecer que o acordo de leniência é um dos principais instrumentos para facilitar as investigações e responsabilização das empresas investigadas, com previsão nos artigos 16 e 17, da lei 12.846/13 (Lei anticorrupção), que dispõe sobre a responsabilidade civil e administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a administração pública.
O acordo também é utilizado como ferramenta para assegurar que nova lesão ao interesse público não seja praticada e para que os interesses da empresa Recuperanda e dos credores possam ser protegidos, uma vez que pode consistir na redução, em até 2/3 (dois terços), da multa aplicável pela prática dos atos de corrupção.
A dúvida é se o valor da multa pactuada em referido acordo deve ser incluído no rol de credores quirografários ou se seria um crédito extraconcursal, não sujeito aos trâmites, deságios e demais requisitos que o plano de recuperação da empresa devedora exigir.
Em 2017, por exemplo, a empresa UTC Engenharia firmou acordo de leniência com o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU), no valor de R$ 574 milhões, que deveria ser pago no prazo máximo de 22 anos e corrigido pela taxa SELIC e, portanto, poderia chegar a R$ 3,2 bilhões.
Ocorre que, alguns dias depois, em 17 de julho de 2017, o Grupo UTC ajuizou o seu pedido de recuperação judicial, listando o crédito decorrente do acordo de leniência na Classe III (Quirografários). O acordo pactuado com CGU e AGU acabaria sujeito aos efeitos da recuperação judicial, podendo sofrer deságio, longos parcelamentos e um prazo de carência até o início dos pagamentos.
Ou seja, todas as condições negociadas com a CGU e com AGU poderiam ser ignoradas em virtude da novação que seria imposta ao crédito pela aprovação e posterior homologação do plano de recuperação judicial.
Para evitar isso, logo após a apresentação da relação de credores pela Recuperanda, a CGU apresentou divergência de crédito ao administrador judicial, solicitando a exclusão do seu crédito dos efeitos da recuperação judicial.
A divergência foi aceita pelo administrador judicial, que equiparou a multa do acordo de leniência a um crédito fiscal, visto que, não havendo o pagamento da multa, o crédito seria inscrito na dívida ativa da fazenda pública, podendo ser cobrado mediante execução fiscal, sendo aplicada o disposto no artigo 6º, §7ª, da Lei de Recuperações e Falências, segundo o qual "as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial".
Referida decisão seguiu o posicionamento do professor Fábio Ulhôa, que entende que a Execução Fiscal não pode ser suspensa em razão da ação de recuperação judicial do devedor, independentemente da natureza do crédito em cobrança, uma vez que, não haveria especificidade no crédito fundado em acordo de leniência se eles, inscritos na dívida ativa, tornarem-se aptos a serem cobrados por meio de execução fiscal.
Porém, de outro lado, há doutrinadores que defendam a inclusão desse tipo de crédito nos efeitos da recuperação, uma vez que a "LRF", ao fazer referência ao Código Tributário Nacional, no mesmo art. 6º, §7º, estaria definindo que a execução fiscal seria tão somente aquela em que fossem cobrados especificamente débitos tributários e que o crédito decorrente do acordo de leniência tem natureza de multa e não tributária.
Assim, enquanto alguns doutrinadores querem a extinção dos casos de não sujeição de créditos aos efeitos da recuperação judicial, outros entendem que inserir cláusulas em tais documentos, prevendo a não submissão dos valores aos efeitos do processo de recuperação, conferiria segurança jurídica aos acordos e garantiria que os termos acertados, que visam a reparar os danos por corrupção, não seriam modificados pelo plano de recuperação, que tem natureza privada.
Ante o exposto, tendo em vista que o assunto está em voga, ainda não existe consenso sobre a sujeição ou não do crédito de acordo de leniência à recuperação judicial, e a questão poderá ser objeto de debate nos autos da recuperação judicial das empresas do Grupo Odebrecht.
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*Vitor Dias Conceição é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.