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Interrogatório como último ato da instrução nos procedimentos especiais

De qualquer modo deve prevalecer, sempre, o entendimento de que o interrogatório é meio de defesa, sendo o último ato da instrução a ser realizado, tendo como base os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Atualizado em 12 de agosto de 2019 17:45

Sabemos que no processo de rito comum o interrogatório é o último ato da instrução. Será que isso também se aplica aos procedimentos especiais, mormente a lei de drogas?

A discussão é interessante, pois temos visto muitos processos que seguem o procedimento previsto em lei especial, que prevê o interrogatório como primeiro ato e assim tem sido realizado.

Primeiramente, importante passarmos pelo conceito de interrogatório e sua natureza jurídica. O insigne professor Nucci1, assim define interrogatório:

"Denomina-se interrogatório judicial o ato processual que confere oportunidade ao acusado de se dirigir diretamente ao juiz, apresentando a sua versão defensiva aos fatos que lhe foram imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, bem como confessar, se entender cabível, ou mesmo permanecer em silêncio, fornecendo apenas dados de qualificação."

Diante do conceito trazido, temos que interrogatório é o momento em que o acusado apresenta sua versão, tentando convencer o julgador e demonstrar que não procede a narração da acusação.

Quanto à natureza jurídica, havia e, ainda há, divergência. Alguns consideram se tratar de meio de prova, outros como meio de defesa e tantos outros como meio de defesa e meio de prova.

A questão da natureza jurídica do interrogatório é de suma importância, pois irá determinar a validade do interrogatório como primeiro ato da instrução, como ocorre em alguns procedimentos especiais, à título de exemplo: processos de natureza penal militar, processos da lei de drogas e processos originários nos tribunais superiores.

Todavia, mesmo que seja definido que o interrogatório é meio de prova, não faz sentindo ser o primeiro ato, pois o primeiro ato da instrução é a produção de provas da acusação e não da defesa. De qualquer modo, a corrente majoritária coloca o interrogatório como meio de defesa, contudo, sem deixar de lado o meio de prova, diante da sua localização no códex processual.

Ao garantir ao réu o direito ao silêncio, a Constituição coloca o interrogatório como meio de defesa, permitindo o réu se defender e, até mesmo, permanecer em silêncio. Todavia, a partir do momento que o réu abre mão do seu direito ao silêncio e resolve se pronunciar, da forma que desejar, suas declarações poderão ser usadas no convencimento do julgador.

Assim, diante do explanado, vimos que o interrogatório possui natureza jurídica, preponderantemente, de meio de defesa e permanece ainda como meio de prova, visto sua utilização na motivação do sentenciante.

Como meio de defesa e, diante do princípio da ampla defesa, corolário do princípio do devido processo legal, não se pode admitir que o réu, quando exercer o seu meio de defesa, seja o primeiro a falar, antes mesmo da acusação.

Não é crível que uma pessoa se defenda de algo que não tem, por completo, detalhes que importarão na apresentação da sua versão dos fatos.

Impossível compreender como uma pessoa consegue se defender sem saber, na totalidade, as provas apresentadas pela parte adversa.

Não é meio de defesa aplicar o interrogatório como primeiro ato. Todavia, em 2008, foi reformado o CPP, colocando o interrogatório, no procedimento comum, como último ato, em consonância com a Constituição Federal.

Ocorre que, antes da alteração trazida pela lei 1.1719 de 2008, já existia previsão nos procedimentos especiais do interrogatório como primeiro ato. Podemos vislumbrar no Código de Processo Militar, Lei Eleitoral, Lei de Drogas e a lei que trata dos procedimentos em tribunais superiores.

Não consigo enxergar um motivo plausível, para que, após a reforma, os procedimentos especiais não adotassem a mesma regra do CPP.

Depreende-se, da não alteração que, no caso dos crimes relacionados aos procedimentos especiais, o interrogatório não é meio de defesa, indo de encontro à Constituição Federal, o que não procede.

A solução é a alteração das leis para colocar o interrogatório como último ato da instrução. Contudo, até que o legislativo o faça, como responsável pela hermenêutica da Constituição, cabe ao STF determinar que o interrogatório seja último ato da instrução nos procedimentos especiais.

O interrogatório como último ato é a materialização do sistema acusatório democrático, em harmonia com a Constituição, que traz em seu bojo o princípio do contraditório e da ampla defesa, e, em caso de confronto dos princípios constitucionais com a norma especial, deve prevalecer a Constituição.

Assim, não resta dúvida que nos procedimentos especiais, deve o interrogatório ser a regra geral, estabelecida no artigo 400 do CPP.

No caso dos processos de competência da justiça militar, tivemos a manifestação do STF no HC 127900/AM2, que confirmou a natureza jurídica do interrogatório como meio de defesa, devendo seguir a regra do artigo 400 do CPP, colocando o interrogatório como último ato da instrução.

Na ocasião do julgamento do Habeas Corpus citado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que se aplica aos procedimentos especiais a exigência de realização do interrogatório do réu ao final da instrução criminal, conforme previsto no artigo 400 do CPP.

Foi fixada orientação no sentido de que, a partir da publicação da ata do julgamento, qual seja 11/3/16, fosse aplicável a regra do CPP às instruções não encerradas nos processos de natureza penal militar, eleitoral e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial.

No caso da previsão na lei 8.038/90, que trata dos procedimentos dos tribunais superiores, o STF, por maioria, no julgamento da AP 10273, entendeu, também, pela exigência do interrogatório como último ato da instrução.

Ao determinar que se aplica a regra do artigo 400 do CPP nos processos de natureza penal militar, eleitoral, nos procedimentos regidos por legislação especial, como é o caso da lei de drogas, e, como ocorreu na lei que trata dos procedimentos nos tribunais superiores, não seria o caso de aplicar sempre nos processos penais cujo os fatos estão relacionados a lei de drogas?

Não é o que vimos em alguns julgados do STF. No Superior Tribunal de Justiça, o Egrégio Tribunal tem seguido a orientação trazida no HC 127900/AM do STF.

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MOMENTO DO INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. NOVO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO PRETÓRIO EXCELSO NO BOJO DO HC

127.900/AM. MODULAÇÃO DE EFEITOS. PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO. ACUSADO INTERROGADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO. NULIDADE PRESENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.900/AM, deu nova conformidade à norma contida no art. 400 do CPP (com redação dada pela lei 11.719/08), à luz do sistema constitucional acusatório e dos princípios do contraditório e da ampla defesa. O interrogatório passa a ser sempre o último ato da instrução, mesmo nos procedimentos regidos por lei especial, caindo por terra a solução de antinomias com arrimo no princípio da especialidade.

Ressalvou-se, contudo, a incidência da nova compreensão aos processos nos quais a instrução não tenha se encerrado até a publicação da ata daquele julgamento (11.3.16). 2. In casu, o paciente foi interrogado na abertura de audiência iniciada e finalizada em 21.7.16, sendo de rigor o reconhecimento da mácula processual.

3. Ordem concedida.

(STJ, Sexta Turma, HC 397.382/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/8/17)

Mas quando tratamos da lei drogas, em relação ao interrogatório, alguns julgados do STF têm trazido entendimento diverso da sua própria orientação, senão vejamos:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06. HABEAS CORPUS ORIGINARIAMENTE SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. MOMENTO PROCESSUAL DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. LEI DE DROGAS. RITO PRÓPRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A alteração promovida pela lei 11.719/08 não alcança os crimes descritos na lei 11.343/06, em razão da existência de rito próprio normatizado neste diploma legislativo. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que as novas disposições do Código de Processo Penal sobre o interrogatório não se aplicam a casos regidos pela Lei das Drogas. Precedentes: ARE 823822 AgR, Relator(a): min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 12/8/14; HC 122229, Relator(a): min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/5/14. 3. In casu, a realização de interrogatório no início da instrução processual não enseja constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, notadamente quando ainda pendente de análise impetração na instância a quo. 4. Verifica-se a existência de óbice processual, porquanto o habeas corpus impetrado perante o Tribunal a quo foi manejado em substituição a recurso cabível. 5. Agravo regimental desprovido.

(RHC 129952 AgR, Relator(a): min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/5/17, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 12-6-17 PUBLIC 13-6-17)

É difícil de entender o motivo pela qual o STF tem aplicado entendimento diverso na lei de drogas em relação aos demais procedimentos especiais, indo de encontro ao orientado pelo próprio STF no HC 127900/AM.

De qualquer modo deve prevalecer, sempre, o entendimento de que o interrogatório é meio de defesa, sendo o último ato da instrução a ser realizado, tendo como base os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Por fim, em caso de impugnação, não obstante ser uma nulidade que ao meu ver pode ser tratada a qualquer tempo, o STF tem entendido3 que deve a defesa se insurgir na audiência que ocorrer a violação.

_______________

1 NUCCI, Souza, G. d. (4/15). Manual de Processo Penal e Execução Penal, 12ª edição [VitalSource Bookshelf version]. 

2 Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). Pacientes que não integram mais as fileiras das Forças Armadas. Irrelevância para fins de fixação da competência. Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela lei 11.719/08, em detrimento do art. 302 do decreto-lei 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. [.]. 4. A lei 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (decreto-lei 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. 

3 Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI 11.343/06). INTERROGATÓRIO REALIZADO NO INÍCIO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NULIDADE DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DEFENSIVA TARDIA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 1. Na audiência de instrução e julgamento, a defesa, em momento algum, questionou a ordem da colheita das inquirições, tampouco requereu a reinquirição após o término da instrução processual. Nessas circunstâncias, não pode a defesa, agora, valer-se de suposto prejuízo decorrente de sua omissão, para invalidar a ação penal. 2. Sem a demonstração de efetivo prejuízo causado à parte não se reconhece nulidade no processo penal (pas de nullité sans grief). Precedentes. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. 

(HC 158104 ED, Relator(a): min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 28/9/18, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 4-10-18 PUBLIC 5-10-18)  

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*David Metzker é advogado, milita na área da penal há mais de 10 anos. Possui MBA em Gestão, Empreendedorismo e Marketing pela PUC/RS e pós-graduação em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. É membro da comissão de Advocacia Criminal da OAB/ES. 

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