Recursos regimentais para intervenção no processo legislativo e bloqueio de proposições: o kit obstrução
O uso cada vez mais comum dos recursos regimentais da Câmara dos deputados - em especial o uso do kit obstrução, pelos mais diversos agentes que tem poder de interferir no processo legislativo brasileiro, é um fenômeno que deve ser compreendido e aplicado
sexta-feira, 2 de agosto de 2019
Atualizado em 1 de agosto de 2019 15:17
A partir da formação e evolução das sociedades e da convivência entre os homens, fez-se necessário a criação de normas e regulamentos que venham a acompanhar tais evoluções sociais, visando-se assim alcançar o bem-estar social. A produção dessas normas, acontece no Brasil por meio do processo legislativo brasileiro.
O processo legislativo brasileiro é a sucessão de atos realizados para a produção das leis em geral. O conteúdo, a forma e a sequência desses atos obedecem a regras próprias, descritas na seção VIII, Título IV da Constituição Federal, e mais estritamente por leis e regimentos especificados conforme o nível de competência normativo.
As principais proposições legislativas são as que se destinam a originar normas jurídicas constitucionais ou legais, como as propostas de emendas à Constituição (PECs), as quais, uma vez aprovadas pelo Legislativo, originam as emendas constitucionais; e os projetos, que caso aprovados, dão origem às leis, aos decretos legislativos e às resoluções; normas essas que a partir da sua edição podem gerar impactos positivos ou negativos nas atividades das instituições das mais diversas áreas de atuação, sejam elas públicas ou privadas.
Diante disso, grande parte das instituições públicas e mais recentemente das instituições privadas, acompanham diariamente as atividades do Congresso Nacional, por meio de suas assessorias parlamentares ou departamentos de relações institucionais e governamentais, orientando suas posições favoráveis, contrárias ou fornecendo sugestões às propostas legislativas que tramitam nas duas casas do Congresso Nacional.
Para os agentes que atuam no acompanhamento legislativo, faz-se de extrema importância compreender todos os aspectos que permeiam o processo legislativo brasileiro assim como a adequada sucessão dos atos realizados para a produção das leis em geral.
Na produção das leis federais, objeto de análise deste trabalho, as regras são ditadas especialmente pela CF/88, pela lei complementar 95/98, pelos Regimentos Internos da Câmara dos deputados, do Senado Federal e pelo Regimento Comum do Congresso Nacional. Enquanto a CF/88 dita regras de âmbito geral (iniciativa, quórum, trâmite, sanção e veto), a lei complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, que regulamenta o artigo 59, parágrafo único da CF/88, dispõe sobre a elaboração, redação, a alteração e a consolidação das leis, cujas normas e diretrizes são estabelecidas pelo decreto 4.176, de 28 de março de 2002.
Mais estritamente, os regimentos internos das duas casas do Congresso nacional e o regimento comum, disciplinam os detalhes do processo legislativo (trabalhos das comissões, prazos para emendamento, emissão de pareceres, regras de votação e destaques).
A partir disso surge a necessidade de que os profissionais de relações institucionais e governamentais, responsáveis pela defesa de interesses das suas instituições no parlamento, atuem para a devida alteração ou aprovação desses projetos lei, ou como costuma ocorrer na grande maioria dos casos, atuem pela procrastinação ou rejeição das propostas.
Dessa forma, o presente artigo científico, a partir da pesquisa focada nos aspectos regimentais da Câmara dos deputados, casa legislativa onde normalmente as propostas legislativas têm uma tramitação mais demorada, irá descrever de forma resumida e objetiva, os recursos regimentais, mais comumente utilizados nas estratégias dos parlamentares e lideranças partidárias, para postergar ou até mesmo rejeitar projetos de lei que tenham por objeto a criação de nova norma jurídica que venha a causar impacto nas atividades das instituições a qual esses agentes atuam na defesa de interesses.
2. O processo legislativo brasileiro
2.1 Definição
A princípio, faz-se necessário esclarecer que no contexto atual de avanço institucional e complexidade crescente da sociedade com as mais diversas áreas e especificidades, o Processo Legislativo incorpora conceitos, formalidades, práticas, tecnologias e outros fatores que se transformam dia após dia, no decorrer das atividades legislativas e das transformações que ocorrem no contexto social.
Diante disso, "é possível afirmar que o Processo Legislativo tem caráter interdisciplinar, pois trata-se de uma atividade social especializada onde um grupo de pessoas que representam o conjunto de um povo elabora as normas pelas quais este povo irá se reger nos mais diversos e variados contextos sociais que venham a existir", Lopes (2009, p. 24). A partir dessa simples exemplificação, denota-se que o Processo Legislativo envolve aspectos técnicos, políticos, jurídicos, sociais e, na atualidade, tecnológicos.
Neste sentido descreve Marta Tavares de almeida, em seu artigo, A contribuição da logística para uma política de legislação: concepções, métodos e técnicas (Dez/2007, p. 2):
A Teoria da Legislação, disciplina que tem como objeto o estudo da lei em todas as suas dimensões., socorre-se, dos saberes de várias disciplinas: a Filosofia do Direito, o Direito Constitucional, a Ciência Política, a Ciência da Administração, a Economia, a Sociologia, a Metódica Jurídica, a Linguística. É, portanto, uma ciência interdisciplinar que tem um objeto claro - o estudo de todo o circuito da produção das normas - e para a qual convergem vários métodos e diferentes conhecimentos científicos. É assim uma ciência normativa, mas é também uma ciência de ação, que nos permite analisar o comportamento dos órgãos legiferantes, as características dos fatos legislativos e identificar instrumentos úteis para a prática legislativa.
Portanto explicar o Processo Legislativo exige reflexão sobre cada um destes elementos e, essencialmente, sobre a interação entre eles, tal qual costuma ocorrer com todos os sistemas complexos.
Para a bibliografia Brasileira, explica Alexandre de Moraes (2013, p. 658), que o termo processo legislativo pode ser compreendido em um duplo sentido: jurídico e sociológico. O sentido jurídico consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção de leis e atos normativos que derivam da própria constituição; já o sentido sociológico define-se como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas.
Assim, no sentido jurídico tem-se que consoante o artigo 59 da Constituição Federal de 1988, "O processo legislativo compreende a elaboração de: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; resoluções."
No sentido sociológico, ou sob o ponto de vista político, como ensina Cristiano Viveiros de Carvalho (2002, p. 64), o processo legislativo pode ser conceituado como "sistema destinado a organizar a deliberação sobre valores, para extrair uma conclusão a respeito de determinada expectativa social de normatização".
Isto posto, compreende-se que tal sistematização é que imprime legitimidade à norma e permite que o cidadão se reconheça como parte de sua elaboração. No mesmo sentido, porém de forma mais profunda, Habermas (1996, p. 83) chega a afirmar que é durante o processo legislativo democrático que a soberania popular toma forma jurídica.
Por fim, é de suma importância dizer que aos olhos de Derly Barreto e Silva Filho (2003, p. 138) a processualidade tem espaço de destaque fundamental na elaboração normativa:
Na seara do Poder Legislativo, a processualidade sobreleva em importância, porque é ela que empresta legitimidade democrática à vontade normativa do Estado, emanada, necessariamente de um corpo de representantes dos mais diversos segmentos da sociedade. Um ato legislativo forjado sem discussão, sem participação da minoria, sem deliberação da maioria, sem publicidade, é um ato ilegítimo, autoritário, ofensor dos princípios da Democracia, da igualdade e do devido processo legal.
Logo, para ter validade, aceitação pública, e alcançar o máximo de sua eficácia, uma lei precisa seguir todas as exigências estabelecidas tanto pela Constituição quanto pelo Regimento Interno da Casa Legislativa em que tramita, ou seja, respeitar o rito processual, o qual denomina-se Processo Legislativo.
2.2 Proposição legislativa
O art. 100 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados define proposição como toda matéria sujeita à deliberação da Câmara dos Deputados e, em seu parágrafo primeiro elenca como espécies de proposições as PECs, os projetos, as emendas, as indicações, os requerimentos, os recursos, os pareceres e as propostas de fiscalização e controle. Nesse escopo, é importante ressaltar que o projeto pode ser de lei (ordinária ou complementar), de decreto legislativo ou de resolução.
Carneiro, Santos e Netto, no seu Curso de Regimento Interno, destacam que o parágrafo primeiro do RICD, apresentou apenas as proposições mais utilizadas no legislativo, mas que além destas, outras também poderiam constar expressamente no regimento, mas por serem menos utilizadas ou até mesmo mais incomuns, o legislador preferiu não descreve-las, é o caso das mensagens de ratificação de determinados atos do Presidente da República, por exemplo, uma mensagem que ratifica a assinatura de um tratado internacional.
No seu livro Dicionário Parlamentar e Político - o processo político e legislativo no Brasil, Farhat define proposição "como qualquer matéria submetida à deliberação do Congresso Nacional, de suas Casas ou Comissões."
Ainda na publicação, Curso de Regimento Interno, Carneiro, Santos e Netto, destacam a importância que o tema "proposição" têm para a compreensão dos vários atos que compõem o processo legislativo, definindo-as da seguinte forma:
Trata-se de ideias organizadas de forma escrita para o exercício parlamentar e o alcance dos anseios da população brasileira. (...)
As proposições devem ser em escritas, não podendo conter matéria estranha ao enunciado da ementa.
Sendo assim, como dito anteriormente, compreende-se que as principais proposições legislativas são as que se destinam a originar normas jurídicas constitucionais ou legais, compreendidas no art. 59 da Constituição Federal, como as propostas de emendas à Constituição (PECs), as quais, uma vez aprovadas pelo Legislativo, originam as emendas constitucionais; e os projetos, que, aprovados, dão origem às leis, aos decretos legislativos e às resoluções. Sendo necessário destacar ainda, que nem toda proposição legislativa se destina a se transformar em norma jurídica, podendo ter as proposições diversas finalidades.
2.3 O regimento interno da câmara dos deputados e sua natureza normativa
O legislador constituinte conferiu à Câmara dos Deputados competência exclusiva, ou seja, de caráter indelegável, para elaborar seu regimento interno e, dispor sobre sua organização e funcionamento, estabelecendo assim os ritos que devem seguir o processo legislativo quando da sua tramitação em âmbito interno. Nesse sentido dispõe o Art. 51, III da carta magna:
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
III - elaborar seu regimento interno;
IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;
Diante deste comando, o regimento interno da Câmara dos Deputados, foi instituído pela resolução 17 de 1989 com o objetivo de adaptar os trâmites internos do processo legislativo e, o funcionamento da Câmara dos Deputados às diretrizes postas pela Constituição Federal.
Dispõe ainda a carta magna em seu artigo 59, que o processo legislativo compreende a elaboração de resoluções, dessa forma, conclui-se que as normas contidas no regimento interno da Câmara dos Deputados, "são regras do direito positivo dotadas de previsão constitucional, são normas cogentes, de observação obrigatória por todos os seus destinatários" (BARBOSA, 2010, p. 174). Ainda tratando da espécie normativa das resoluções, é conveniente destacar a lição de Alexandre de Moraes (2013, p. 713):
Resolução é ato do Congresso Nacional ou de qualquer uma de suas casas, tomado por procedimento diferente do previsto para a elaboração das leis, destinado a regular matéria de competência do Congresso Nacional ou de competência do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados, mas em regra com efeitos internos; excepcionalmente, porém, também prevê a Constituição resolução com efeitos externos, como a que dispõe sobre a delegação legislativa.
A partir disso, é notório o status de norma jurídica conferido ao Regimento Interno da Câmara dos deputados, integrando assim, o ordenamento jurídico brasileiro e devendo ser obedecidos, obrigatoriamente, os seus preceitos. Cabe transcrever a lição de Barbosa (2010, p. 191) sobre o tema:
As normas regimentais são princípios e regras jurídicas de direito público, cuja observância por parte das Casas Legislativas é obrigatória e indisponível. Tais normas não estão sujeitas a modificações tácitas. A despeito de situarem-se no plano infraconstitucional, as normas regimentais referentes ao processo legislativo funcionam como parâmetros necessários para a aferição do cumprimento das disposições constitucionais acerca da produção válida de normas jurídicas. Por essa razão, sua violação pode levar à inconstitucionalidade do provimento legislativo resultante do processo viciado.
Por fim, cumpre dizer que nos termos do próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 109, inciso III, os projetos de resolução destinam-se a regular com eficácia de lei ordinária, matérias da competência privativa da Câmara dos Deputados, de caráter político, processual, legislativo ou administrativo, ou quando deva a Câmara pronunciar-se em casos concretos.
2.4 Agentes com poder de interferência no processo legislativo
Como já apresentado neste trabalho, o processo legislativo compõe-se de uma sequência de atos, previstos em normas que o regem, a fim de se alcançar uma conclusão a respeito de determinada expectativa social de normatização.
Pela amplitude da diversidade cultural e populacional do Brasil, consubstancia-se que a busca de um consenso a respeito de determinada questão social, não é algo simples de se alcançar, pois os diversos pontos de vista sobre a questão em discussão fomentarão a disputa onde stakeholders farão o possível para que o seu ponto de vista seja o resultado do processo legislativo, ou seja, a criação - ou não - de uma nova norma, conforme seus interesses ou os de quem esses agentes defendem. A partir disso, inicia-se de forma mais clara a interferência no processo legislativo, pelos mais diversos agentes que tenham interesses na matéria objeto de tramitação no processo legislativo.
Nesse sentido dispõe Lindblom (1980), que o processo de tomada de decisão política, é composto de análise e política. Por análise, o escritor americano entende ser a parte racional do processo, em que se buscam as melhores soluções para dado problema, seria aqui a discussão da matéria levando-se em consideração apenas os aspectos técnicos. Por política, entende como o processo pelo qual, perante cenário de excesso, escassez ou ausência de análises, ou de análises contraditórias, o tomador possa justificar perante a opinião pública a decisão tomada, ressaltando-se que a adoção de determinada decisão, no âmbito do poder público, envolve interesses contraditórios ou contrapostos, complexidade das demandas sociais, escassez de recursos, compromissos prévios entre partes do processo, interesses coletivos e particulares, ideologias, limites legais e procedimentais que podem impedir, aqui ou ali, o tomador de decisão, como ator individual ou coletivo, de escolher a melhor opção, entre várias possíveis.
Seguindo adiante, faz-se necessário apresentar alguns dos agentes que vão se utilizar dos mais diversos meios regimentais para bloquear ou procrastinar a tramitação de propostas legislativas, a começar do presidente da Câmara dos Deputados. Isto porque, na condição de presidente da casa legislativa, este detém o poder e o dever de executar uma série de atos do processo legislativo que pode ser fator interferente decisivo e não só influente para a tramitação de uma proposição legislativa. Assim dispõe o RICD:
Art. 16. O Presidente é o representante da Câmara quando ela se pronuncia coletivamente e o supervisor dos seus trabalhos e da sua ordem, nos termos deste Regimento.
Art. 17. São atribuições do Presidente, além das que estão expressas neste Regimento, ou decorram da natureza de suas funções e prerrogativas:
I - quanto às sessões da Câmara:
a) presidi-las;
b) manter a ordem;
c) conceder a palavra aos Deputados;
d) advertir o orador ou o aparteante quanto ao tempo de que dispõe, não permitindo que ultrapasse o tempo regimental;
e) convidar o orador a declarar, quando for o caso, se irá falar a favor da proposição ou contra ela;
f) interromper o orador que se desviar da questão ou falar do vencido, advertindo-o, e, em caso de insistência, retirar-lhe a palavra;
g) autorizar o Deputado a falar da bancada;
h) determinar o não-apanhamento de discurso, ou aparte, pela taquigrafia;
i) convidar o Deputado a retirar-se do recinto do Plenário, quando perturbar a ordem;
j) suspender ou levantar a sessão quando necessário;
l) autorizar a publicação de informações ou documentos em inteiro teor, em resumo ou apenas mediante referência na ata;
m) nomear Comissão Especial, ouvido o Colégio de Líderes;
n) decidir as questões de ordem e as reclamações;
o) anunciar a Ordem do Dia e o número de Deputados presentes em Plenário;
p) anunciar o projeto de lei apreciado conclusivamente pelas Comissões e a fluência do prazo para interposição do recurso a que se refere o inciso I do § 2º do art. 58 da Constituição Federal;
q) submeter a discussão e votação a matéria a isso destinada, bem como estabelecer o ponto da questão que será objeto da votação;
r) anunciar o resultado da votação e declarar a prejudicialidade;
s) organizar, ouvido o Colégio de Líderes, a agenda com a previsão das proposições a serem apreciadas no mês subsequente, para distribuição aos Deputados;
t) designar a Ordem do Dia das sessões, na conformidade da agenda mensal, ressalvadas as alterações permitidas por este Regimento;
u) convocar as sessões da Câmara;
v) desempatar as votações, quando ostensivas, e votar em escrutínio secreto, contando-se a sua presença, em qualquer caso, para efeito de quorum;
Logo, o presidente da Casa Legislativa, tem como parte das atribuições reservadas a si, uma série de atos do processo legislativo que podem interferir na tramitação de uma proposta legislativa, desde a sua inclusão na pauta deliberativa até a convocação de sessões e designação de relatorias em plenário.
Seguindo adiante, podemos destacar como atores que podem exercer grande influência no processo legislativo, os líderes partidários que fazem parte do colégio de líderes. Estes agentes, nos termos do RICD, são competentes plos seguintes atos:
Art. 10. O Líder, além de outras atribuições regimentais, tem as seguintes prerrogativas:
I - fazer uso da palavra, nos termos do art. 66, §§ 1º e 3º, combinado com o art. 89; (Inciso adaptado aos termos da resolução 3, de 1991)
II - inscrever membros da bancada para o horário destinado às Comunicações Parlamentares;
III - participar, pessoalmente ou por intermédio dos seus Vice-Líderes, dos trabalhos de qualquer Comissão de que não seja membro, sem direito a voto, mas podendo encaminhar a votação ou requerer verificação desta;
IV - encaminhar a votação de qualquer proposição sujeita à deliberação do Plenário, para orientar sua bancada, por tempo não superior a um minuto;
V - registrar os candidatos do Partido ou Bloco Parlamentar para concorrer aos cargos da Mesa, e atender ao que dispõe o inciso III do art. 8º;
VI - indicar à Mesa os membros da bancada para compor as Comissões, e, a qualquer tempo, substituí-los.
Observa-se a partir de tal redação, que os líderes, além de poderem intervir em qualquer fase de sessão ordinária fazendo o uso da palavra, podem fazer participação pessoal em comissões permanentes que não sejam membros tendo a prerrogativa de inclusive requerer verificação de votação, fator este que pode ser decisivo para a tramitação de proposição legislativa.
Observa-se ainda, por toda a extensão do RICD, que o colégio de líderes, é agente interno de grande influência no processo legislativo, por ter a prerrogativa de solicitação de adiamento de votação de qualquer proposição, de propor regime de urgência - observados alguns requisitos - ou de prioridade para apreciação de proposta legislativa e, até podendo convocar sessões extraordinárias para discussão e votação de matérias constantes na Ordem do dia, desde que cumpridas algumas exigências regimentais.
Na esteira dos agentes que podem influenciar o processo legislativo de forma interna, cumpre destacar o trabalho da Consultoria Legislativa - CONLE, que presta assessoramento institucional de caráter técnico-legislativo ou especializado à Mesa, Comissões, Lideranças e deputados. Deve-se esclarecer aqui que os consultores da CONLE, por terem atribuições de caráter institucional, devem pautar-se pela atuação apartidária, enquanto que os assessores técnicos das lideranças, bancadas deputados e partidos, são técnicos que atuam politicamente, adequando os interesses partidários às técnicas legislativas.
Ainda tratando dos agentes que influenciam o processo legislativo em seu âmbito interno, não posso deixar de destacar o trabalho dos próprios deputados, detentores do voto dos grupos que representam. Márcia Azevedo afirma que a importância de um deputado, é percebida em função do número de seus representados, mesmo admitindo que para o processo legislativo propriamente dito, tenha esse parlamentar o mesmo valor que qualquer outro de seus pares.
O mandato de deputado federal, garante a seus detentores uma série de prerrogativas capazes de influenciar taxativamente nos sucessivos atos do processo legislativo. Nesse contexto é importante destacar as lições de Raimundo Nonato dos Santos, em sua brilhante pesquisa: Como se dá o processo legislativo no Brasil:
Não obstante a evidência de que há atores políticos que gozam de elevado prestígio, em virtude da capacidade de aglutinar votos ou em função de sua perspicácia para negociar, tecer acordos políticos no âmbito do parlamento, atuando, assim, positivamente e decidindo sobre o calendário da Casa Legislativa, há, do mesmo modo, aqueles que podem influenciar negativamente, trabalho que pode tomar corpo no interior das comissões ou dos gabinetes e cujo objetivo é também interferir na agenda política, evitando que determinada matéria seja apreciada, por considerá-la inoportuna ou contrária aos interesses de determinado segmento componente da sociedade.
A observação que se deve fazer aqui é a de que nada obsta que os mesmos personagens detentores de força capaz de influenciar no processo legislativo, na defesa de certa matéria, possam noutro momento, se colocar em posição de ataque em relação a outra proposta, e, desta forma, passem a trabalhar no sentido de obstaculizar o respectivo exame.
Seguindo adiante, cumpre destacar as influências que sofrem o processo legislativo por agentes do âmbito externo, de forma oficial, destacando a princípio o Poder Executivo que por intermédio das assessorias parlamentares dos ministérios, empresas estatais e autarquias, exercem grande influência nos atos do processo legislativo, a fim de manterem as políticas públicas e programas de governo em funcionamento conforme as conveniências. A partir do acompanhamento legislativo de proposições realizado por essas assessorias, o estabelecimento de ações e estratégias para acelerar ou retardar a tramitação de uma proposta, é estabelecido um canal de comunicação com os parlamentares onde se atua para persuadir estes agentes. Elaine Gontijo, em sua brilhante pesquisa O bloqueio de proposições na arena legislativa e a relação Executivo X Legislativo no Brasil (2017, p. 93), ensina:
Em termos de acompanhamento legislativo, a assessoria parlamentar consta com uma rotina semanal que envolve reuniões semanais internas para conhecimento da pauta das comissões parlamentares que acompanha, ou seja, aquelas pelas quais tramitam matérias de interesse da pasta, e definição de estratégia de atuação quanto aos projetos, de acordo com os posicionamentos das áreas técnicas, junto à Subchefia de Assuntos Parlamentares da Presidência da República - SUPAR/PR e Liderança do Governo, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Sendo Federal.
Além dessa forma de intervenção no processo legislativo, o Poder Executivo, se garantiu, inclusive constitucionalmente de prerrogativas que o permitem atuar no processo legislativo, é o caso da edição de Medidas provisórias, Projetos de Lei, interposição de vetos em proposições aprovadas pelo legislativo, ou ainda a mobilização da sua base parlamentar para defender seus interesses sobre proposições que estejam em tramitação, seja para aprová-las ou rejeitá-las.
Também com prerrogativas garantidas pela Constituição, o Poder Judiciário pode intervir no processo legislativo, propondo projetos de lei de sua competência, processando e julgando originariamente ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade e mais recentemente, decidindo sobre pontos nebulosos de aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Por fim, faz-se de extrema importância, destacar as influências provenientes de ambiente externo, podendo ser aqui grupos de pressão ou outros países. De forma bastante objetiva, "grupos de pressão seriam pessoas físicas ou jurídicas que, unidas por um interesse comum, sem objetivo de gerir o poder político, buscam influenciar as opções ou comportamentos das autoridades ou tomadores de decisão (Diap, 2006, p. 87)." "Assim, os agentes desses grupos atuam, exercendo seu poder de influência sob os tomadores de decisão a fim de garantir seus interesses quando ameaçados, ou em ambiente favorável para sua promoção".
A ação por grupos de pressão, pode se pautar de diversas formas, sendo as manifestações e meios de comunicação em massa os mais utilizados.
3. O kit obstrução para o bloqueio de proposições
Como explicitado anteriormente, o texto constitucional brasileiro transfere ao texto regimental da Câmara dos Deputados, a prerrogativa para materializar suas determinações que irão reger, coordenar e organizar os diversos atos que compõem o processo legislativo.
Explicitou-se também, que o uso do regimento interno da Câmara dos Deputados, de natureza positivada, é instrumento de se fazer política quando utilizado para se protelar, acelerar ou negociar partes do texto de proposições legislativas que estejam em tramitação na Casa.
A partir dessas constatações, cumpre explanar como se dá de forma mais comum o uso do regimento nas sessões plenárias para, em especial, obstruir os trabalhos da Casa Legislativa a fim de procrastinar ou negociar proposições em tramitação.
Conforme prevê o Regimento Interno da Câmara dos Deputados no art. 82, § 6º, é legítima a obstrução "aprovada pela bancada ou pelas lideranças e comunicada à Mesa", sendo essa a forma mais evidente de se obstruir os trabalhos da Casa, porém, limita-se às ausências nas votações e não contabilização de quórum para a votação. A crescente incidência deste instrumento nas sessões legislativas, além das inúmeras alternativas institucionais disponíveis para retardar o processo de tomada de decisão afetam o processo decisório (INÁCIO, 2009), e assim, podem se tornar fator de grande utilidade para a manutenção de políticas públicas que estejam em curso.
Seguindo, cabe destacar que ainda que o texto regimental preveja a obstrução apenas com efeitos para não contabilização de quórum e ausência de votação, o termo é também utilizado de forma mais ampla, compreendendo outras alternativas regimentais que irão contribuir com o processo protelatório. Nesse sentido esclarece Taeko Hiroi e Lucio Rennó (2014, p.13):
Há diversos outros mecanismos que dão margem ao prolongamento dos debates sobre uma proposição legislativa. A incidência de pedidos de uso da palavra, de pedidos de vista, de declarações de obstrução de lideranças parlamentares e requerimentos que exigem votações adicionais, referentes ao rito de votação para uma proposição legislativa, claramente atrasam o processo decisório e podem ser consideradas como estratégias dilatórias ou obstrucionistas.
Além da interposição de requerimentos que precisam ser votados nominalmente para dar seguimento nos atos do processo legislativo, os parlamentares podem se utilizar dos pedidos de verificação de quórum, retirada ou inversão de pauta da proposição, de destaque para votação em separado, de retirada de pedido de urgência que já tenha sido aprovado, e assim por diante. Dessa forma, constata-se que há diversas formas de intervenções legislativas que podem criar entraves e abrir brechas de negociação sobre uma proposição legislativa, ao se criar diversas votações para um mesmo projeto de lei. Dessa forma, ensinam Taeko Hiroi e Lucio Rennó (2014, p.14):
... a obstrução do processo legislativo é uma tática que os descontentes acerca da proposta discutida podem usar para impedir ou alterar sua tramitação. Ou seja, ainda que restritas a escolhas procedimentais, estas mudanças de rito podem implicar maiores oportunidades para a revisão do conteúdo de uma proposição e para o surgimento de novos impasses. Para os autores da proposição, atrasos de deliberação têm custos óbvios, pois estes podem ver seus assuntos de interesse relegados a um tempo de espera cada vez mais longo ou até serem substituídos por outras discussões, com implicações eleitorais. Afinal, a incapacidade de aprovar algo que responda a uma demanda específica de um eleitorado tem implicações eleitorais.
Cumpre destacar ainda, que tais iniciativas ocorrem na fase de votação de uma proposição no plenário da Casa, ou seja, quando a proposição já passou pelos entraves de ser incluída na ordem do dia pelo Colégio de Líderes e presidente da Casa, sendo neste momento, a última oportunidade para se procrastinar a deliberação de uma proposição.
A partir de tais constatações, "podemos definir obstrução parlamentar como o uso de prerrogativas regimentais (ou estratégias políticas) no sentido de impedir ou retardar o processo legislativo" (Rocha, 2009), fazendo-se necessário analisar os demais recursos que são utilizados e que contribuem para a construção desse fenômeno, ou seja, o famoso "Kit-Obstrução".
Para melhor análise dos diversos instrumentos regimentais utilizados para protelar a conclusão da votação de uma matéria, optei por um quadro explicativo descritivo,1 tendo em vista a complexidade das opções disponíveis no regimento da Câmara dos Deputados. Esclareço que na prática não existe uma ordem pré-estabelecida para o uso desses instrumentos, mas por questões didáticas e conforme a praxe realizada, a exposição se dará na sequência em que os atos costumam ocorrer. Cabe esclarecer ainda que cada um desses instrumentos é utilizado conforme a natureza da proposição que está em votação e, em regra, pode ser adotado todas as vezes que o projeto figurar na pauta de votações do Plenário.
Como pode-se verificar a partir de tal exposição, esses instrumentos, podem alongar as sessões deliberativas por horas, o que consequentemente irá contribuir para a fadiga dos parlamentares e esvaziamento do plenário, tendo que a atividade parlamentar compreende outras atividades além da votação de matérias legislativas.
Cabe destacar, por fim, que a obstrução é um instrumento político, logo, faz-se necessária a disposição de todos os agentes legislativos que contam com a prerrogativa de interferir no processo legislativo para sua devida construção.
O presente estudo teve como enfoque principal explanar a importância da intervenção no Processo Legislativo brasileiro para o bloqueio de proposições, com o uso de agentes e recursos regimentais, mais conhecidos como kit obstrução, não teve a pretensão de esgotar o tema dada à complexidade envolvida.
Porém, buscou-se deixar explícito a sua importância, em especial para os gestores públicos que atuam na execução de políticas públicas e que reconhecem a importância da manutenção e aperfeiçoamento constante das mesmas, para que essas tenham efeitos reais sobre a sociedade.
Como apresentado, é importante considerar a natureza jurídica positivada do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, norma que tem função de coordenar e gerenciar as atividades da Casa Legislativa em questão, para que assim seja possível compreender o papel dos agentes interventores no processo legislativo e o uso do próprio regimento, como norma jurídica componente do ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, buscou-se destacar e compreender o papel dos mais diversos agentes que tem o poder, garantido em alguns casos pela própria Constituição Federal, de intervir nos mais diversos atos do processo legislativo brasileiro. Apresentou-se aqui, de forma pontual, as formas que cada agente pode se articular para alcançar a aprovação, rejeição ou negociação de proposições legislativas, que são os objetos do processo legislativo.
Pode-se concluir ainda que o processo legislativo é de fundamental relevância, pois é o conjunto de atos necessários para a constituição das leis e o mecanismo pelo qual o Poder Legislativo atende sua função primordial de legislar, podendo a partir disso interferir de forma positiva ou negativa nas políticas públicas de Estado, ou ainda na forma de convivência dos mais diversos perfis sociais que temos no Brasil.
Com o estudo ainda foi possível constatar que nos últimos tempos está cada vez mais presente, a importância de se conhecer a fundo os atos do processo legislativo brasileiro, e que estes são norteados pelas mais diversas intervenções regimentais que o contexto político pode sobrepor quando da tramitação de uma proposição legislativa.
Apresentou-se também, de forma sucinta, a natureza das mais diversas proposições legislativas que conforme ensinou Carneiro, Santos e Netto, tratam-se de ideias organizadas de forma escrita para o exercício parlamentar e o alcance dos anseios da população brasileira, devendo ser escritas e não podendo conter matéria estranha ao enunciado da ementa.
Ademais, de forma esquematizada, apresentei os diversos recursos do regimento interno da Câmara, que utilizados em sua totalidade, de forma sequencial, constrói o conhecido fenômeno kit obstrução, que pode ter o poder de aprovar, rejeitar ou negociar para que se altere de forma substancial, proposição legislativa que esteja em se estágio final de tramitação, a votação em plenário.
Enfim, após diversos estudos, leituras e pesquisas realizadas sobre o tema, conclui-se que o uso cada vez mais comum dos recursos regimentais da Câmara dos deputados - em especial o uso do kit obstrução, pelos mais diversos agentes que tem poder de interferir no processo legislativo brasileiro, é um fenômeno que deve ser compreendido e aplicado a fim de se buscar a manutenção ou melhor formatação de políticas e regras de mercado, que venham ao encontro dos anseios de quem atua na defesa de interesses, sejam eles públicos ou privados.
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1 Extraído e adaptado da excelente pesquisa realizada por Raquel Machado Rocha, em seu trabalho "Com a Palavra a Oposição: a obstrução como recurso para se fazer ouvir".
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*Gabriel Borges faz parte da equipe de Relações Governamentais da BMJ Consultores Associados.