Vizinhos barulhentos: o que fazer com eles
O que deve ficar claro é que ninguém pode se utilizar de sua propriedade de modo que prejudique o sossego, a segurança ou a salubridade daqueles que estão próximos, sob pena de cometer ato ilícito.
quinta-feira, 25 de julho de 2019
Atualizado em 24 de julho de 2019 17:17
Imagine que depois de um árduo e cansativo dia de trabalho, após enfrentar o trânsito caótico, você chega em casa e acaba por perder sua noite de sono enquanto um vizinho promove uma festa com som alto durante toda a madrugada. Imagine ainda o caso daquele outro vizinho que, desrespeitando os horários de silêncio previstos em lei decide promover uma reforma aos sábados e domingos, atrapalhando o seu merecido descanso com a família.
A história pode parecer engraçada, mas essas são situações das mais corriqueiras e grandes responsáveis por desavenças entre vizinhos, sendo o assunto motivo de polêmica, sobretudo em razão da dificuldade de impor regras claras sobre o que é tolerável quando se fala em barulho.
Aos que vivem esse drama de ter a tranquilidade perturbada, a saúde afetada e a propriedade desvalorizada devido ao excesso de ruídos produzidos pela vizinhança, saibam que existem algumas medidas jurídicas eficazes à proteção do seu direito.
Para que reflita no mundo jurídico, a perturbação de sossego por ruído além do permitido deve ocorrer de forma reiterada, de modo a causar prejuízos à saúde e à vida do cidadão, pois é sabido que a poluição sonora provoca estresse, danos psicológicos, auditivos, alterações no metabolismo e uma série de outros problemas.
Ora, o direito de gozar de sua tranquilidade, sem perturbações sonoras abusivas decorre também do direito de vizinhança e de um meio ambiente equilibrado. Justamente por esse motivo é que a transgressão a esse direito extrapatrimonial pode, em tese, acarretar aos "barulhentos", responsabilidade jurídica nas esferas cível, criminal e administrativa.
Podemos observar que o Código Civil de 2002 em seu artigo 1.277 assegura que todo proprietário deve observar as regras de boa convivência, senão vejamos:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
Assim podemos perceber que todo proprietário é assegurado respeitar o direito de sossego e a saúde daqueles que habitam espaços destinados a vizinhança.
Claro que nessas situações, o primeiro passo é tentar resolver a situação de forma amistosa e, caso a medida não surta os efeitos desejados, o melhor é procurar um advogado para que sejam adotadas as medidas pertinentes.
No âmbito criminal, aquele que produz barulho excessivo pode incorrer nas sanções previstas nos artigos 42 ou 65 da Lei de Contravenções Penais (decreto-lei 3688/41)., in verbis:
Art. 42. Perturbar alguem o trabalho ou o sossego alheios:
I - com gritaria ou algazarra;
II - exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III - abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV - provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:
Pena - prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Art. 65. Molestar alguem ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovavel:
Pena - prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Podemos observar também o artigo 54 da Lei de Crimes Ambientais (lei 9605/98), vejamos:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
No âmbito municipal, a repressão administrativa dessas ocorrências compete à AMMA (Agência Municipal do Meio Ambiente), que deverá enviar equipe ao local denunciado para fazer a medição da intensidade dos ruídos, autuar, notificar e, sendo tais medidas insuficientes, interditar o estabelecimento de atividade ruidosa. Cada município regulamenta a matéria, sendo que em Goiânia/GO, o Código de Posturas (lei complementar 14/92), no artigo 46 e seguintes traz o regramento a ser observado, como podemos observar:
Art. 46 - É proibido perturbar o sossego público e o bem estar público ou da vizinhança com ruídos ou sons de qualquer natureza, excessivos ou evitáveis produzidos por qualquer forma, exceto para festas de largo, eventos religiosos e similares, festas juninas e grandes eventos artísticos, esportivos, culturais e turísticos, de organização da iniciativa pública ou privada.
Art. 47 - A instalação e o funcionamento de qualquer tipo de aparelho sonoro, engenho que produza ruídos, instrumento de alerta, propaganda para o exterior dos estabelecimentos comerciais, industriais, prestadores de serviços e similares dependem de licença prévia da Prefeitura.
§ 1º - A falta de licença a que se refere este artigo, bem como a produção de intensidade sonora superior à estabelecida nesta lei, implicará na apreensão dos aparelhos, ressalvado o instrumento de trabalho do músico, sem prejuízo de outras sanções.
§ 2º - A produção de música ao vivo nos bares, choperias, casas noturnas e estabelecimentos similares será precedida de licença da Prefeitura e atenderá as seguintes exigências:
I - O estabelecimento deverá ter competente adaptação técnica de acústica, de modo a evitar a propagação de som ao exterior em índices acima dos definidos nesta lei, bem como a perturbação do sossego público)
II - O horário de funcionamento do som ao vivo será das 21:00 as 2:00 horas, de acordo com as condições e características do estabelecimento;
III - É vedado a realização de som ao vivo em local totalmente aberto que cause transtorno e perturbação, ou que não tenha vedação acústica necessária, exceto para festa de largo, eventos religiosos e similares, festas juninas e grandes eventos artísticos, esportivos, culturais e turísticos, de organização da iniciativa pública ou privada.
IV - O estabelecimento será previamente vistoriado por técnicos da Secretaria Municipal de Meio ambiente, que emitirão Relatórios de Inspeção sobre o mesmo.
V - Os estabelecimentos que produzem som por qualquer tipo de aparelho sonoro, orquestra, instrumentos e, em especial, som ao vivo, exceto instituições filantrópicas, assistenciais ou religiosas, são obrigados a fixar, em locais adequados do ambiente onde o som está sendo produzido, aviso alertando aos seus freqüentadores sobre o tempo máximo de exposição à pressões sonoras, no conformidade com o dispositivo no Anexo I, da Norma Regulamentadora - NR - 15, editada pela Portaria n.º 3.214, de 08 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho e Emprego.
VI - As normas contendo as dimensões, dizeres e formas do aviso de que trata o inciso anterior serão definidas por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde e Secretaria Municipal de Fiscalização, incumbindo a esta última o seu fornecimento aos interessados, no ato de requerimento da licença a que se refere o "caput", do presente artigo.
§ 3º - A autorização para a produção de Som ao Vivo terá validade de 01 (um) ano, cuja renovação dependerá de competente inspeção para a verificação das condições de funcionamento;
§ 4º - A qualquer momento, em razão da comprovação de perturbação do sossego público, a autorização poderá ser suspensa ou revogada, sem prejuízo de outras sanções, em processo administrativo contencioso a que se permitirá ampla defesa.)
Art. 48 - Em circunstâncias que possam comprometer o sossego público, não será permitida a produção de música ao vivo nos bares, choparias, casas noturnas e estabelecimentos similares que não estejam dotados de isolamentos acústicos de forma a impedir a propagação do som para o exterior.
Art. 49 - A intensidade de som ou ruído, medida em decibéis, não poderá ser superior à estabelecida nas normas técnicas da ABNT.
§ 1º Os níveis sonoros máximos permitidos em ambientes externos são os fixados pela NBR 10.151 - Avaliação do Ruído em áreas habitadas Visando o Conforto da Comunidade - ABNT. § 2º Os níveis sonoros máximos permitidos para veículos é o estabelecido pelas Resoluções 01 e 02/92 CONAMA.
§ 3º O nível máximo de som ou ruído permitido para a produção por pessoas, atividades ou por qualquer tipo de aparelho sonoro, orquestras, instrumentos, utensílios ou engenhos máquinas, compressores, geradores estacionários ou equipamentos de qualquer natureza, terá por limite ou valores estabelecidos conforme as zonas, os níveis de decibéis nos períodos diurno e noturno são os seguintes:
Zonas Hospitais |
Diurno 50 Decibéis |
Noturno 45 Decibéis |
Zonas Residencial Urbana |
Diurno 55 Decibéis |
Noturno 50 Decibéis |
Centro da Capital |
Diurno 65 Decibéis |
Noturno 55 Decibéis |
Zona Predominantemente Industrial |
Diurno 70 Decibéis |
Noturno 60 Decibéis |
À Polícia Militar compete caracterizar as contravenções penais, comparecendo ao local, lavrando Boletim de Ocorrência e encaminhando o autor do fato e a vítima à Delegacia de Polícia, onde será registrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência para posterior remessa ao Juizado Especial Criminal competente.
Além das medidas criminais já elencadas, é certo que o barulho excessivo fere o direito à personalidade e gera danos morais e materiais ante os danos à saúde física e psicológica do ofendido. Desta feita, verificada a prática ruidosa, a parte lesada pode também ajuizar ação cível com o intuito de fazer cessar o barulho (tutela inibitória), cumulada ou não com danos morais ou materiais. Haverá danos materiais caso haja demonstração de prejuízo material (ou mesmo lucros cessantes) com o barulho excessivo.
O que deve ficar claro é que ninguém pode se utilizar de sua propriedade de modo que prejudique o sossego, a segurança ou a salubridade daqueles que estão próximos, sob pena de cometer ato ilícito. A depender do nível dos ruídos, pode ser até formulado pedido para que seja feito isolamento acústico no imóvel "barulhento". Consigne-se que o barulho deve ser anormal, ultrapassando o mero aborrecimento, provocando incômodo e transtornos aos vizinhos.
Para intentar a ação cível, a prova do barulho excessivo pode ser feita por perícia, provas testemunhais, gravações de vídeos ou áudios que comprovem o excesso, boletins de ocorrência, entre outros. Vale a pena destacar que nos Juizados Especiais, inobstante não haja obrigatoriedade do advogado em causas de até 20 (vinte) salários mínimos, por se tratar de questão delicada, dispensar a atuação de um profissional pode ser temerário e conduzir ao insucesso da demanda, pois o conjunto probatório, nesse caso específico, deve ser farto e hábil a comprovar o alegado.
Em breve síntese, são essas as medidas que podem garantir que o indivíduo tenha o seu sossego preservado. Se você leitor sofre com essa situação, procure um profissional apto a auxiliá-lo com as medidas mais adequadas à sua realidade fática. Garanta seu sossego e sua paz!
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*Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior é pós-doutor em Direito Constitucional na Itália, advogado e professor universitário. Sócio fundador Escritório SME Advocacia e conselheiro da OABGO.