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Sanção política no contencioso tributário: conceito e efeitos desta prática nociva

Os órgãos fazendários detêm diversos mecanismos formais para realizar a cobrança de seus créditos (medida cautelar fiscal e a famosa execução fiscal), de modo que a cobrança por meios que fulminam os direitos fundamentais do contribuinte, representados por sanção política, não deve ser tolerada no Estado Democrático de Direito, uma vez que é medida autoritária, ilegal e inconstitucional.

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Atualizado em 24 de julho de 2019 14:27

No cotidiano do contencioso tributário, verifica-se que as empresas vêm sofrendo constantemente com ações temerárias efetivadas pelas Fazendas Públicas. Isto porque, a grave situação econômica enfrentada pelos Entes Públicos e a necessidade urgente de capitação de recursos com vias ao cumprimento das metas orçamentárias tem levado à prática reiterada de cobranças nocivas, sendo estas caracterizadas pela doutrina e jurisprudência (em especial pelo STF) como sanções políticas.

Nesses termos, são consideradas como sanções políticas as normas ou atos enviesados a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento de crédito tributário, sendo evidentemente rechaçados tanto pelo sistema jurídico pátrio como pelo Poder Judiciário, a teor do consolidado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 173/DF:

Constitucional. Direito fundamental de acesso ao judiciário. Direito de petição. Tributário e política fiscal. Regularidade fiscal. Normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de créditos tributários. Caracterização específica como sanção política. Ação conhecida quanto à lei federal 7.711/88, art. 1º, i, iii e iv, par.1º a 3º, e art. 2º. [...]

2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao poder judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. [...]

A este teor, é comum a tentativa de cobrança de tributo por meios indiretos (sanção política), isto é, ao invés de Resultado de imagem para contencioso tributárioajuizar Ação de Execução Fiscal competente, as Fazendas Públicas buscam coagir o contribuinte a adimplir o crédito tributário através de ações adversas, a exemplo da apreensão de mercadoria até o pagamento do tributo1; do impedimento de expedição de alvará de funcionamento, até a comprovação de regularidade com o Fisco2; ou até mesmo da interdição do estabelecimento como meio coercitivo para o pagamento do crédito3.

Insta salientar que esses atos praticados pelo Fisco são por vezes fundamentados em leis ilegais e/ou inconstitucionais (que ainda não foram analisadas judicialmente em sentido estrito) ou até mesmo em regulamentos administrativos que promovem as atribuições sob o fundamento do exercício do poder de polícia e da supremacia do interesse público sobe o interesse privado.

Dito isto, a incompatibilidade dos atos eivados de sanção política circundam nos princípios fundamentais da proporcionalidade, da razoabilidade e responsabilidade (contidos nos artigos 5º, LIV e LV; 37, caput, da CF) - sendo todos estes direitos fundamentais constitucionais inerentes ao contribuinte, podendo inclusive serem classificados como cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV, da CF) -, bem como no impedimento do pleno e legal exercício de atividades econômicas (art. 170 da CF). Vislumbra-se ser exatamente este o posicionamento esposado pelo STF no julgamento da ADI 173/DF:

Esta corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. Ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do executivo ou do judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.

Assim, verifica-se não serem poucos nem irrisórios os prejuízos ocasionados aos contribuintes/empresas em virtude de atos de sanção política, podendo variar do simples perdimento de mercadorias perecíveis (nas hipóteses de apreensão de mercadorias em postos fiscais), até a inviabilização total do desempenho da atividade econômico-empresarial (nos casos impedimento de expedição de alvará de funcionamento, até a comprovação de regularidade com o Fisco), sendo inadmissíveis tais posturas praticadas pelos Entes Federativos diante do texto normativo constitucional, como bem explicitou o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Melo (voto proferido na ADIn 173/DF):

Agora, preocupa-me muito a evolução na jurisprudência, quanto à coação política para receber-se impostos, logo sob a égide de uma Constituição democrática, como a de 1988. Não há como contemporizar, não há como permitir que o Estado exercite essa coação e apenas abrindo margem ao afastamento desse mecanismo com o ajuizamento de ação individual pelo cidadão.

Creio que temos três verbetes relevando uma vetusta jurisprudência. Qualquer ato que implique forçar o cidadão a recolhimento de imposto é inconstitucional. E não vejo, nem na cláusula do artigo 37, quanto à licitação, na remessa à lei, a possibilidade de contrariar-se esse princípio, que é implícito na Constituição de 1988, ou seja, o vedador do exercício de coação política, e não a execução do que devido, para ter-se o recolhimento do tributo. Existem, repito, três verbetes, como se ressaltou da tribuna, que tornam estreme de dúvidas essa jurisprudência. Refiro-me aos verbetes 70, 323 e 547. Nesse campo da coação política, para fazer-se caixa, não há como tergiversar, não há como mitigar o princípio vedador da assunção, pelo Estado, de postura que acabe, na via indireta, levando o contribuinte ao recolhimento do tributo.

Isto posto, conforme anteriormente citado, os órgãos fazendários detêm diversos mecanismos formais para realizar a cobrança de seus créditos (medida cautelar fiscal e a famosa execução fiscal), de modo que a cobrança por meios que fulminam os direitos fundamentais do contribuinte, representados por sanção política, não deve ser tolerada no Estado Democrático de Direito, uma vez que é medida autoritária, ilegal e inconstitucional, nos termos acima citados, inclusive porque tem o poder de atingir de forma nefasta os contribuintes, principalmente aqueles que desempenham atividades comercias regulares.

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1 Súmula 323 do STF: É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

2 Mandado de Segurança 0001077-73.2016.8.05.0000, Seção Cível, Rel. Des. Gesivaldo Britto, julgamento em 24/8/17. TJBA.

3 Súmula 70 do STF: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

 

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*Igor Bastos de Almeida Dias é advogado do escritório MoselloLima Advocacia.

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