Modulação inconstitucional
Sucumbir aos argumentos da PGR seria o mesmo que dar carta branca ao Estado para tributar à margem da lei. Além disso, abriria precedentes nefastos à segurança jurídica, estimulando outros entes tributários a cobrar impostos indevidos sem o dever de reparar.
segunda-feira, 22 de julho de 2019
Atualizado em 19 de julho de 2019 13:32
Parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República) pela modulação futura dos efeitos da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins afronta a direitos e garantias fundamentais e distorce a realidade jurídica sobre o tema.
Com a medida defendida na peça, a decisão proferida pelo STF, em março de 2017, passaria a valer apenas para as relações constituídas após o efetivo deslinde do caso, com o julgamento de recurso interposto pela União1.
Na prática, isso significa que os efeitos da decisão não alcançariam as relações pretéritas, neutralizando, dessa forma, o direito de ressarcimento dos contribuintes que pagaram tributos cobrados indevidamente ao longo dos últimos anos.
A garantia ao ressarcimento, porém, encontra-se amparada na própria Constituição da República. À luz do princípio da legalidade2, a aplicação equivocada do ordenamento jurídico, por si só, fundamentaria a obrigação do Estado em reparar o contribuinte lesado.
Em que pese haver incompatibilidade com a Constituição, o parecer assinado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende a modulação sob o argumento de desacerto das contas pública, caso o Estado seja obrigado a efetuar as restituições em plena crise econômica.
Despreza, porém, o fato de a crise atingir igualmente os dois lados: o governo e os governados. Causa espanto, aliás, o número crescente de empresas perto de fechar as portas para honrar uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo em meio a essa mesma crise econômica.
Ainda segundo o documento, a medida estaria legalmente amparada por haver suposta mudança drástica no entendimento da Corte a respeito do tema.
Todavia, essa não é a realidade jurídica estabelecida nos últimos anos. Desde 2006, quando da retomada do julgamento do RESp 240.785, o STF vem firmando entendimento no sentido de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Nesse ínterim, na contramão do que recomenda a Lei de Responsabilidade Fiscal3, o Estado não somente deixou de formar provisões para cobrir as restituições que se confirmaram nesta última decisão, como continuou tributando na forma em que estava sendo discutida a constitucionalidade na Suprema Corte.
Sucumbir aos argumentos da PGR seria o mesmo que dar carta branca ao Estado para tributar à margem da lei. Além disso, abriria precedentes nefastos à segurança jurídica, estimulando outros entes tributários a cobrar impostos indevidos sem o dever de reparar.
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1 Trata-se de Embargos de Declaração interpostos pela União no Recurso Extraordinário 574.706/PR.
2 Art. 5, II, da CR/88. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei
3 Art. 4°, I, § 3°, da lei complementar 101/00. A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.
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*Gustavo Pires Maia da Silva é advogado sócio de Homero Costa Advogados.
*Guilherme Scarpellini Rodrigues é colaborador de Homero Costa Advogados.