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A instituição da teoria da violação positiva do contrato no Brasil

A incorporação e aplicação da aludida teoria no Brasil é de suma importância e atende aos preceitos contemporâneos dos negócios jurídicos, sendo instrumento para a implementação do direito civil constitucional, que objetiva garantir e respeitar os direitos fundamentais mesmo nas relações privadas.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Atualizado em 18 de julho de 2019 12:06

A teoria da violação positiva do contrato possui origem Alemã e foi idealizada por Hermann Staub, no final do século XIX, apenas 2 (dois) anos após a entrada em vigor do B.G.B, que corresponde ao Código Civil Alemão, quando o referido jurista verificou a existência de lacunas na legislação quanto ao inadimplemento, posto que o inadimplemento absoluto e a mora se referem apenas às violações negativas do contrato, ou seja, nas situações em que o devedor ou credor se eximem de cumprir a prestação pactuadai.

Assim, surgiu a teoria da violação positiva do contrato, reconhecendo o inadimplemento quando a parte realizar determinada prestação, todavia, sem observar a boa-fé objetiva e os chamados deveres anexos do contrato, que são relacionados diretamente com a prestação devida.

Em razão da consolidação da teoria na Alemanha, houve a incorporação do §280/1, ao B.G.B na reforma legislativa que aconteceu em 2001/2002, que permite ao credor a resolução do contrato nos casos em que o devedor viole um dever que seja "proveniente" da relação obrigacionalii.

No Brasil, o doutrinador Clóvis Couto e Silva foi o precursor da teoria, assim como do reconhecimento da violação aos deveres anexos do contrato, o que ensejou uma nova perspectiva obrigacional, na qual a obrigação é considerada como um processo e o comportamento das partes deve ser considerado do início e até mesmo depois do final da relação obrigacionaliii.

Embora a doutrina moderna e os tribunais brasileiros estejam reconhecendo a teoria da violação positiva do contrato não há previsão legal expressa no Código Civil Brasileiro de 2002, acerca desta omissão legal, os doutrinadores Cristiano Farias e Nelson Rosenvald formularam a seguinte crítica:

O Código Civil de 2002 partiu de um modelo das obrigações ainda forjado em paradigmas da metade do século XX. Portanto, não houve oportunidade de codificar as doutrinas mais recentes, incluindo-se aí a violação positiva do contrato, cuja base científica é inequívoca. É algo a se lamentar, pois a perfeita delimitação dos diversos modelos jurídicos propicia conexões mais claras e seguras, concedendo-se ao aplicador do direito a possibilidade de fundamentar seus pareceres e decisões de forma homogênea, sem que cada um deles precise, a cada nova controvérsia, elaborar interpretações distintas e setorizadas, que muitas vezes fragilizam a segurança jurídicaiv.

Extrai-se da ideia dos autores que a existência da teoria da violação positiva do contrato é clara e útil ao direito, se amoldando perfeitamente ao ordenamento jurídico, todavia, o Código Civil brasileiro foi baseado em um modelo clássico das obrigações e não considerou as mudanças existentes nas relações contratuais já sedimentadas na doutrina, deixando de positivar as teses jurídicas trazidas sobre o tema.

Assim, devemos considerar que embora a doutrina defenda a existência da teoria e a integre com a boa-fé objetiva prevista no código civil, a ausência de codificação gera decisões divergentes, diante da possibilidade de os juristas reconhecerem ou não a existência da teoria, o que seria diferente no caso da existência de previsão legal expressa sobre a violação positiva do contrato.

Como manifestação da violação positiva do contrato, a doutrina brasileira tem reconhecido o cumprimento inexato da obrigação, ensejando, portanto, o inadimplemento, Marcos Jorge Catalan, citado por Flávio Tartuce conceitua o cumprimento inexato da obrigação da seguinte maneira:

O traço distintivo desta modalidade de incumprimento não consiste no atraso ou na inexecução definitiva, mas, sim, em deficiências ou defeitos na prestação que é desempenhada, mas não da forma (pelo modo) que foi imposta ao devedor, havendo ofensa a sua qualidadev.

Ao analisar o cumprimento inexato da obrigação Flávio Tartuce defende que a mora, prevista no artigo 394 do Código Civil abrange o cumprimento inexato do contrato, considerando os casos em que houver cumprimento parcial do contrato, o que abrange violação nas condições de tempo, modo e lugar. Com este raciocínio, o doutrinador conclui: "...cumprimento inexato, pelo Código Civil Brasileiro, é espécie de mora, pois esta não é somente temporal. Em suma, mora não é só demora.vi"

Desta forma, o aludido autor entende que o cumprimento inexato da obrigação não incidiria nas hipóteses de violação positiva do contrato, mas sim na mora, prevista no código civil. Ocorre que a violação positiva do contrato, considera o inadimplemento quando existir uma ação do devedor da prestação e não uma simples omissão como nos casos da mora, portanto, é factível que o cumprimento inexato incida na espécie ora estudada ao lado da afronta aos deveres laterais da relação contratual.

Isso porque, a violação dos deveres anexos do contrato reconhece a existência de vício sobre a qualidade da prestação, logo, nesta modalidade de inadimplemento, a obrigação principal é cumprida, mas não da maneira esperada pela parte adversa.Podemos citar como exemplo um pintor, contratado para pintar as paredes de uma residência, que entrega as paredes perfeitamente pintadas, mas o chão está todo sujo de tinta e manchou de forma permanente.

No exemplo citado, o devedor da prestação cumpriu a obrigação principal, que seria pintar as paredes da casa, todavia, não cumpriu os deveres anexos de cuidado e cooperação, frustrando as expectativas da parte credora que sofreu um dano ao ter o chão da casa manchado, portanto, a qualidade da prestação está prejudicada.

Nesse sentido, Cristiano de Farias e Nelson Rosenvald lecionam: "Também é conhecido o modelo da violação positiva do contrato como adimplemento ruim ou insatisfatório, pois, apesar de alcançar-se o cumprimento do dever de prestação, sobejaram frustrados o exercício da boa-fé e a salvaguarda confiança alheia"vii.

De acordo com o exposto, a terceira modalidade de inadimplemento aqui exposta foi incorporada ao Brasil com base nos preceitos da boa-fé objetiva, positivada no artigo 422 do Código Civil, que impõe às partes os chamados deveres anexos ou laterais, que consistem nos deveres de proteção, informação e cooperaçãoviii.

Por fim, devemos ressaltar que a incorporação e aplicação da aludida teoria no Brasil é de suma importância e atende aos preceitos contemporâneos dos negócios jurídicos, sendo instrumento para a implementação do direito civil constitucional, que objetiva garantir e respeitar os direitos fundamentais mesmo nas relações privadas.

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i SILVA, Jorge Cesa Ferreira, Inadimplemento, 2006, p. 42. IN: TARTUCE, Flávio, Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.2, p.248.

ii FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. 12.ed. Salvador: JusPodivm, 2018, v.2, p. 598.

iii TARTUCE, Flávio, Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.2, p. 250.

iv FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit. 2018, p. 598.

v CATALAN, Marcos Jorge, Descumprimento, 2005, p. 160 : IN: TARTUCE, Flávio, Direito Civil - Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v.2, p. 248.

vi TARTUCE, Flávio, Op. Cit. 2017, p. 249.

vii FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit. 2018, v.2, p. 598.

viii FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit. 2018, p. 597.

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*Isabela Marino Petrauski é advogada especialista em direito Constitucional, Civil e Empresarial.

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