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Contatos entre juiz, procurador e advogado deve ser bem diferente do que se pinta como normal

Ninguém discute a necessidade de que o Brasil busque extirpar a corrupção que nos assola, mas isso não deve ocorrer ao arrepio da lei e da Constituição.

quarta-feira, 10 de julho de 2019

Atualizado em 8 de julho de 2019 12:35

Desde que divulgadas as (não desmentidas) conversas entre o (agora) ministro Sergio Moro e os procuradores quando da condução da operação Lava Jato ouvi e li diversos posicionamentos sobre se as tratativas ocorridas foram ou não corretas e, especialmente, se elas seriam passíveis de afirmar ter sido o (então) magistrado parcial, ferindo o que dispõe o Código de Processo Penal vigente e as normas mais básicas que tratam da separação do órgão julgador daqueles que acusam e dos que defendem.

O que mais me incomodou foi a afirmação reiterada de que esses tipos de contatos entre procuradores e advogados junto dos juízes é "comum" e não poderia ser visto como algo a suscitar uma ilegalidade / parcialidade do magistrado.

Ledo engano, afirmo eu. E afirmo isso como advogado que, mesmo atuando na área cível, sabe que esse tipo de "acesso", tal qual ocorrido, entre o procurador e um juiz é inimaginável.

Por certo que o acesso aos gabinetes é legalmente previsto, mas pensar que o magistrado da causa simplesmente orientará a atuação de um processo, sugerirá providências, alertará o advogado sobre a possível perda de um prazo processual ou, ainda, analisará uma petição antes que ela seja protocolada e remetida a si formalmente pelo sistema do Tribunal é demais.

O que acontece (e isso sim dentro da legalidade) é depois de ter sido protocolado um pedido, e sendo o assunto complexo, urgente, etc. (veja que há a necessidade de um contato pessoal para que além das explicações escritas haja a explanação verbal delas) o advogado (ou procurador) comparece no fórum, é recebido pelo juiz e reafirma o direito que defende.

O juiz, então, mantendo-se imparcial ouve, e sem emitir nenhum tipo de julgamento prévio (ou sugestão que gerará o ganho de causa, ou será tendenciosa a um dos lados) cumprimenta aquele que foi vê-lo e, somente depois, analisa a questão, quer seja decidindo ou, nas hipóteses legais, abrindo a oportunidade de resposta para a parte contrária.

Em hipótese nenhuma é possível afirmar que a atitude ocorrida nos diálogos entre o ministro Sergio Moro e os procuradores é normal. Quantos advogados têm os números dos celulares pessoais dos magistrados de sua comarca? Vou além: para aqueles que têm os números quantos deles mantêm diálogos com os juízes sobre processos em andamento rotineiramente, recebendo orientações (inclusive para não perderem prazos)?

Isso não ocorre e não deve ocorrer de maneira nenhuma, quer seja para um lado ou para outro, independentemente do réu, da parte, de ser cível o processo ou criminal!

O órgão acusador (e que é bem remunerado para isso) é o Ministério Público. São os procuradores (no caso em questão) que devem traçar as estratégias, analisar os termos de seus pedidos, cruzar as provas até então produzidas, etc.

De outro lado a defesa também faz seu "dever de casa", analisando todos os argumentos apresentados, defendendo seus clientes, apresentando contra-argumentos etc.

Somente depois disso é que o juiz, recebendo as informações (formalmente nos autos, ressalte-se) de ambos os lados, se manifesta, julgando de acordo com a lei (esse ponto é importante pois vem sendo esquecido rotineiramente).

Se o juiz orienta sobre o que quer ver no processo (e o que não quer), quando ele alerta para que prazos não sejam perdidos (questão que deve ser acompanhada por quem tem de cumprir o prazo e não pelo juiz) ou, ainda, quando o magistrado antecipa sua sentença a partir da manifestação do Ministério Público sem se preocupar com o conteúdo da defesa que (ainda) será apresentada, subverte toda a ordem do sistema, o que não se pode permitir.

Ninguém discute a necessidade de que o Brasil busque extirpar a corrupção que nos assola, mas isso não deve ocorrer ao arrepio da lei e da Constituição.

No caso da Lava Jato há a necessidade de que em posse de todas essas mensagens haja a análise legal da parcialidade do magistrado e que sejam tomadas as medidas legais cabíveis, independentemente do resultado que seja gerado, posto que se fosse o contrário, se um advogado estivesse do outro lado, segurando seu celular e trocando mensagens com o magistrado bandejas de prata já teriam sido providenciadas e cabeças estariam sendo buscadas.

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*José Tito de Aguiar Junior é advogado e pós-graduado em Direito Processual Civil.

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