A fraude contra a atividade seguradora
É primordial haver a cooperação do Poder Judiciário, reconhecendo e combatendo a fraude, percebendo seus indícios e se aperfeiçoando para que ela seja comprovada e, evitando assim, um enorme prejuízo à toda sociedade.
quinta-feira, 4 de julho de 2019
Atualizado em 3 de outubro de 2019 10:59
A definição do contrato de seguro é trazida pelo Código Civil em seu artigo 757, que dispõe que o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Desta forma, o prêmio ou o preço do seguro é calculado com base no risco do contrato, ou seja, quanto maior o risco, maior será o preço pago pelo seguro.
Os seguros são contratos de fácil acesso, pois são feitos mediante declaração das partes, tornando-se uma prática comercial adequada à vida moderna. No entanto, devem os contratantes agir com a mais estrita boa-fé e veracidade, inclusive quanto às circunstâncias e declarações a ele concernentes. Conforme o princípio da boa-fé objetiva, o que se guarda é a confiança na outra parte, que não pode ser rompida.
Trata-se, portanto, de princípio fundamental o qual visa garantir a validade e a legalidade do contrato de seguro, pois conforme já falado acima, o contrato de seguro é um contrato de adesão fundamentado na veracidade das informações prestadas pelas partes.
No entanto, há muitas situações enfrentadas pelas Seguradoras que fogem da regra da boa-fé, pois os segurados, os próprios beneficiários do seguro, ou até mesmo seus intermediários agem de forma fraudulenta, destruindo, agravando, ocultando ou simulando situações na intenção de obter vantagem indevida para si ou para outrem.
A fraude no Código Penal é trazida no artigo 171 que dispõe que é crime obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. No entanto, há previsão expressa no código para fraude no recebimento de indenização ou valor de seguro, trazida no inciso V do mesmo dispositivo que diz que comete crime de fraude quem destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro.
Não se pode olvidar que a fraude no contrato de seguros, atualmente, é uma grande preocupação das seguradoras, e assim justifica-se, pois essa fraude quase sempre está interligada ou pode desencadear outros delitos como, por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro, roubo e receptação.
Na prática, assim que ocorre um sinistro é obrigação do segurado avisar o sinistro à Seguradora, para que esta possa proceder com a regulação, realizando a análise dos fatos e circunstâncias que envolveram o sinistro comunicado, com o consequente pagamento ou não da indenização. Muitas vezes, nessa fase administrativa a Seguradora nega o pagamento do sinistro, pois envolve ato ilícito, e, portanto, este o sinistro não tem cobertura e, consequentemente, desobriga a Companhia Seguradora do pagamento.
No entanto, a grande maioria das negativas que envolvem fraudes é levada à discussão judicial e toda a sociedade sofre com as consequências dessa prática, exercida, inclusive, não só pelos segurados e beneficiários, mas até mesmo por corretores de seguros e empregados das próprias seguradoras. Isso porque muitas vezes a Seguradora não consegue comprovar que o sinistro envolveu fraude e é obrigada a pagar as indenizações decorrentes de ações criminosas que envolvem furtos, lesões, roubos e até mesmo homicídios.
Os fraudadores se aproveitam justamente do elemento boa-fé que caracteriza o contrato de seguro e diante da dificuldade da comprovação do contrário, ou seja, da má-fé, eles agem com a certeza da dificuldade de comprovação dos requisitos da fraude para recebimento do seguro.
E a grande prejudicada com a atividade fraudulenta contra a atividade seguradora é a própria mutualidade, que, grosso modo, é a somatória dos prêmios pagos pelos segurados formando um fundo comum, responsável pelo pagamento de todas as indenizações. Assim, pagamentos feitos em seguros decorrentes de fraude prejudicam todos os segurados, sendo dever da seguradora zelar por cada uma das situações que se lhe apresentam, verificando, com rigor, aquelas que devem ser satisfeitas e aquelas que devem ser recusadas.
De acordo com o site Monitor das Fraudes1, a Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados, de Capitalização e de Previdência Complementar - Fenaseg desenvolveu em 2006 um estudo abrangente sobre o assunto, baseado nos dados de 2005. Com base neste estudo chegaram a uma estimativa de 11,6% de fraudes (ou cerca de 1,45 bilhões de R$), calculado como percentual dos sinistros pagos no conjunto de ramos de seguros, excluindo os setores de saúde e previdência. Ainda segundo este estudo os ramos mais afetados seriam os de "automóvel" e "transportes", respectivamente com 13,6% e 11,7% de fraudes.
Na opinião do referido site, que é compartilhada por diversos outros profissionais do setor, apesar de o estudo ser bastante abrangente, o resultado é extremamente conservador. Isso provavelmente devido ao fato de que muitas empresas ainda não têm sistemas eficientes de detecção de fraudes e por esta razão forneceram dados incompletos para a Fenaseg.
A pesquisa continua relatando que existem algumas outras estimativas de mercado que podem estar mais próximas da verdade, apontando para um volume de fraudes na casa de 25 a 30% dos sinistros pagos, ou seja, algo entre 4 e 5 bilhões de reais.
Por fim, conclui então trazendo alguns outros números interessantes no que diz respeito ao mundo das fraudes em seguros no Brasil: Setores mais atingidos: Auto (Acidentes, Roubo e Incêndio), Transportes e Saúde; 70% do volume de fraudes acontecem em seguros auto; 40-45% das fraudes cometidas pelo segurado/beneficiário, 25% cometidas por prestadores de serviços, 15% pelos corretores e o restante dividido entre funcionários e outros; 78% das fraudes acontecem na hora da indenização, 12% na hora da contratação e 10% na hora da regulação. (Fontes: Pesquisas do Autor, Fenaseg, Dr. Luiz Roberto Castiglione, Seguradoras, Entidades de Classe, Auditorias).
Buscando soluções para a questão, segundo a Revista Apólice, recentemente, realizou-se o "Inquérito sobre a Fraude em Seguros 2019" para obter um melhor entendimento da situação atual do mercado, os desafios que as seguradoras devem superar e o nível de maturidade da indústria sobre fraude em seguros, trazendo as 5 melhores conclusões: automatizar a luta contra a fraude para melhorar os resultados; aproveitar a Inteligência Artificial (IA); girar em torno dos dados; definir claramente uma cultura de luta contra a fraude e compartilhamento de informações.2
Fica, portanto, a missão dos gestores das Seguradoras em investir em tecnologia no combate à fraude, incentivando seus colaboradores para que se especializem em técnicas adequadas tanto no ato da contratação quanto na regulação do sinistro.
Em contrapartida, é primordial haver a cooperação do Poder Judiciário, reconhecendo e combatendo a fraude, percebendo seus indícios e se aperfeiçoando para que ela seja comprovada e, evitando assim, um enorme prejuízo à toda sociedade.
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*Maria Carolina Balestra é sócia da Jacó Coelho Advogados.