A fragilidade argumentativa do déficit como justificativa central da proposta de reforma da Previdência Social (PEC 6/19) e seus reflexos no ideário da efetividade dos direitos fundamentais
Pretende-se com este breve ensaio uma reflexão sobre o central argumento que se pretende justificar a proposta apresentada para a reforma do modelo previdenciário nacional através da PEC 6/19.
segunda-feira, 24 de junho de 2019
Atualizado em 26 de janeiro de 2021 09:12
1. Introdução
O atual modelo previdenciário, sabidamente, é fruto de uma evolução iniciada em um período de pouco ou quase nenhum direito social supremamente garantido, ou, pode-se até mesmo afirmar, de tímido abrigo.
Historicamente, os primeiros movimentos com vistas a proteção previdenciária surgiram em setores esparsos, através de caixas previdenciárias privadas, primeiramente individualizadas e depois compartilhadas por segmentos específicos.
Com o decorrer do tempo, os vários textos constitucionais começaram a abordar a proteção previdenciária de forma englobante, porém, com passos tímidos, indicando prestações apenas para específicas categorias, como a dos funcionários públicos, sem uma amplitude que pudesse atender outros atores sociais.
Leis e decretos tentaram normatizar e regulamentar a proteção previdenciária, contudo, somente a partir do sistema de Seguridade Social, do qual faz parte a Previdência Social, emergido com a Constituição de 1988, é que a garantia de prestações e serviços sociais restou viabilizada como forma de efetivação dos direitos sociais e fundamentais, por excelência, com o desejo de ampliar e universlizar a cobertura, vale dizer, estender a todos um pacto celebrado de justiça social.
Após a edição do texto constitucional de 1988, o sistema previdenciário brasileiro, dividido basicamente em dois grandes regimes, passou por diversas minirreformas no sentido de se obter uma paridade, acessibilidade e integração, baseado na filiação obrigatória e no caráter contributivo, razão de que diversas foram as tentativas de reformar este modelo, contudo, sem ter ocorrido de maneira completa, dimensional e total, como sempre se esperou, tendo ocorrido, aliás, tentativas de se alterar o pacto previdenciário via medidas provisórias, sem que sequer seus requisitos mínimos fossem verificados na origem ou, em outros casos, com decretos e normas outras cuja origem acabou por deflagrarem diversas discussões judiciais.
Assim, ao longo de décadas, em que pese o texto constitucional conferir fundante destaque ao sistema previdenciário como um todo, aludido tratamento não se viu entre os gestores políticos, que contingenciaram a reforma no tempo e de maneira facetária, sem um acurado debate democrático de qualidade, que pudesse, no mínimo, dar concretude às diretrizes maiores inspiradas no bem-estar e na dignidade da pessoa humana, o paradigma da modernidade, pós-modernidade ou para alguns, o pós-social.
De se esperar, que outra tentativa se apresenta a comunidade, via emenda constitucional, sobre a qual, carrega volumosas propostas de alteração substancial do sistema previdenciário como um todo, em todos os regimes e até mesmo com vistas a modificar bases do processo judicial previdenciário, dentre outras controvertidas novidades.
Aqui o contexto das breves reflexões a respeito, notadamente quanto ao central argumento governamental para sua existência, vale dizer, da alegada e não comprovada existência de um déficit nas contas e a prejudicialidade econômica para seu sustento.
Logo, intentou-se aqui, criticamente, ponderar essa premissa com as diretrizes basilares de efetividade dos direitos fundamentais, aos quais justificam e legitimam a proteção previdenciária ora colocada em risco.
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*Theodoro Vicente Agostinho é doutorando e mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP, pós-graduado em Direito Previdenciário pela EPD/SP e coordenador e professor de Direito Previdenciário dos cursos EBRADI, Mackenzie e MeuCurso.
*Sergio Henrique Salvador é mestre em Direito (Constitucionalismo e Democracia) pela FDSM, pós-graduado em Direito Previdenciário pela EPD/SP e pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC/SP.
*Ricardo Leonel da Silva é pós-graduando em Direito Previdenciário pela EBRADI, pesquisador, parceiro e consultor na Santiago Grilo Advogados e advogado em São Paulo.