Transformando desafios em oportunidades: porque a LGPD e sua empresa podem ser a combinação perfeita
As empresas que olharem essa nova legislação de maneira mais estratégica poderão identificar os diversos efeitos colaterais positivos e usufruir de benefícios que promoverão uma evolução e aprimoramento de seus negócios de maneira lícita, ética e responsável.
segunda-feira, 10 de junho de 2019
Atualizado às 08:58
Muitas empresas ainda não sabem muito bem o que é a Lei Geral de Proteção de Dados ("LGPD"), mas já estão apreensivas com a ideia de correr o risco de ter de arcar com multas que podem alcançar a cifra de até R$ 50 milhões. A LGPD ainda não está vigente mas as constantes notícias acerca de vazamentos de dados em grandes corporações e das multas milionárias aplicadas na Europa por descumprimentos ao Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia tem feito com que empresas brasileiras se desesperem em busca de orientação jurídica para estar compliant com a lei local e evitar amargar os incomensuráveis prejuízos financeiros e reputacionais tão largamente anunciados.
O fato é que não há uma consciência real sobre o porquê é importante para as organizações estarem adequadas à LGPD. A justificativa vai muito além de apenas se blindar dos efeitos negativos de uma não adequação. A LGPD, na verdade, é a grande oportunidade que as empresas esperavam para estimular seus negócios e, um dos fatores que deve encorajar a aderência às suas regras, relaciona-se aos benefícios que essa legislação traz em seu bojo. É preciso desestimular a visão míope sobre a lei, a qual foca apenas em suas penalidades, e enxergá-la com lentes que demonstrem também o grande e verdadeiro valor escondido por traz de seus 65 artigos.
A LGPD é uma lei que traz regras e diretrizes para tratamento de dados pessoais, posicionando o titular dos dados como figura central e é justamente nesse ponto que se encontra a primeira grande oportunidade.
Os relevantes incidentes de privacidade ocorridos nos últimos meses, cumulado com a maciça divulgação midiática e a aprovação da nova lei têm promovido uma atmosfera de conscientização dos titulares acerca de seus direitos e dos impactos que o tratamento indevido de dados causa em suas vidas e na sociedade em geral.
Este cenário aponta uma forte tendência de os titulares passarem a considerar padrões de privacidade e proteção de dados como um dos requisitos a ser levado em conta quando se pretende contratar os serviços ou produtos de uma empresa. Em outras palavras, empresas que antecipadamente se comprometerem com a privacidade e proteção de dados de seus clientes tendem a apresentar vantagem competitiva frente aos concorrentes que não adotaram postura semelhante.
Os consumidores não vão mais concordar em serem enganados quanto a real destinação dos dados que compartilham com as empresas, nem querem consentir com termos e políticas extensos e ininteligíveis. A realidade aponta para o desenvolvimento de um consumidor cada vez mais exigente e que demanda por transparência. Os titulares são impulsionados a querer usufruir do direito de saber onde estão seus dados, para onde irão e o que será feito com eles. As empresas criativas e que conseguirem de maneira didática repassar ao titular informações claras e objetivas acerca de seus dados, certamente se destacarão positivamente no mercado.
Ao cumprir fielmente as disposições da LGPD, as organizações estarão automaticamente tratando os dados de seus clientes de maneira ética, aberta e transparente. Isso vai construir a reputação da empresa em bases sólidas, aumentar a fidelidade do cliente, além de se tornar um fator concorrencial relevante, na medida em que o grau de importância dado por uma empresa aos dados de seus clientes refletirá nas escolhas dos mesmos e em grande vantagem competitiva. Este é o momento das empresas irem além dos padrões mínimos, se sobressaírem, destacarem-se no mercado e demonstrarem aos seus consumidores que realmente se importam com o correto tratamento de seus dados.
Para além disso, estar compliant com a LGPD também trará vantagem competitiva no que se refere à contratação entre empresas. Isso porque, em razão da possibilidade de responsabilização solidária e dos riscos reputacionais relacionados ao tratamento indevido de dados, as corporações adequadas às regras da LGPD ou que estejam seriamente caminhando para isso, já não aceitam assumir o risco de compartilhar dados pessoais de seus clientes ou funcionários com empresas que não estejam igualmente aderentes à ei ou comprometidas em estar. Trata-se de um efeito dominó: as empresas em conformidade com a LGPD optarão por contratar com empresas que demonstrarem adotar o mesmo nível de aderência à Lei em detrimento de outras que não escalaram a adequação legislativa como uma de suas prioridades.
As companhias que não se incluírem nesse efeito cascata serão marginalizadas e perderão espaço para aquelas que já se adiantaram no processo de adequação. Essa é a oportunidade para aproveitar o processo de letargia de empresas concorrentes e assumir sua posição em contratos com companhias que passaram a priorizar a relação com aquelas que estão seriamente comprometidas com a LGPD. O que está claro é que as empresas que se adiantarem na adequação, de fato, serão beneficiadas com a oportunidade de novos contratos. De outro lado, aquelas que negligenciarem esta impositiva tendência, possivelmente amargarão prejuízos não apenas em decorrência da não adesão a novas oportunidades, como também de possíveis rescisões de contratos já entabulados.
A adequação à LGPD também permite às empresas invadirem a concorrência global e adentrarem em outros mercados internacionais mais exigentes com questões relativas à privacidade e proteção de dados, como o mercado europeu. Com a LGPD passa ser possível a adesão a mercados que, até então, poderiam não ser alcançados em razão da insegurança jurídica identificada pelos entes internacionais no que se refere às regras e diretrizes para tratamento de dados no Brasil. A LGPD traz, portanto, segurança jurídica. As regras sobre o que é permitido ou não fazer com os dados estão delineadas e se aplicam a todos os setores, gerando a necessária confiança aos agentes de tratamento e ao mercado em geral.
Para além dos efeitos concorrenciais, a LGPD também é impulsionadora para que as empresas se reorganizem internamente e ingressem em uma verdadeira caminhada de descobrimentos e autoconhecimento. Não é incomum que empresas adotem a dinâmica de coletar a maior quantidade possível de dados pessoais, sem estabelecer nenhum critério e nem mesmo refletir sobre a real necessidade da coleta. Infinitos são os exemplos de aplicativos que coletam dados como localização, agenda de contatos e outros dados que não guardam qualquer relação com o modelo de negócios ou o serviço que será prestado. Trata-se de uma indústria de acumuladores de dados. Eliminar dados que não possuem finalidade ou que sejam excessivos, pode parecer difícil em um primeiro momento. Os controladores dos dados parecem ter quase um apego emocional ao emaranhado de dados acumulados. Todavia, o resultado dessa limpeza é animador.
O excesso de dados pessoais desatualizados, desnecessários ou incorretos além de estar em desconformidade com a LGPD, aumenta os riscos em eventuais incidentes de segurança e também influencia na organização das informações, gerando resultados que não refletem a realidade e impactam negativamente na realização de negócios, direcionando marketing, ofertas e produtos de maneira desconexa e equivocada. As empresas que promovem essa revisão de seus bancos de dados poderão ofertar aos seus clientes experiências mais personalizadas, uma vez que serão embasadas no estudo de dados reais, consistentes e atualizados. Podem ser descobertas, inclusive, novas utilidades para dados subutilizados e novas formas de uso inteligente das informações.
Promover um mapeamento, limpeza e organização dos dados resultará em um banco de dados mais enxuto, mas também mais limpo e de maior qualidade.
A percepção da empresa quanto ao próprio negócio e as finalidades que podem ser adotadas para o tratamento dos dados torna-se mais clara e as atividades ganham novo significado e melhor direcionamento, podendo gerar retorno financeiro e alavancar novos negócios identificados a partir de uma análise detalhada do ativo de dados. O que inicialmente poderia ser considerado um gasto com adequação legislativa torna-se, portanto, um valioso investimento e até mesmo oportunidade de economia relacionada à redução de custos com armazenamento de dados excessivos e com eficiência operacional.
Essa higienização e organização interna dos dados também gera reflexos na modernização das empresas. As organizações caminham para um intenso processo de transformação digital, fazendo uso de tecnologia para criação de soluções e, para isso, contam com o uso de inteligência artificial, a qual somente pode gerar resultados consistentes e cumprir seu papel se alimentada com dados precisos, reais e seguros. Ou seja, organizar os dados e cumprir as disposições da LGPD torna possível e facilitado o processo de digitalização e modernização das empresas. O correto tratamento e gerenciamento de dados promove a inovação na empresa e seu efetivo ingresso na era digital.
Entender o banco de dados também permite às empresas identificarem seu apetite de risco e melhor contingenciar suas possíveis perdas, produzindo resultados contábeis mais transparentes e reais. Isso também gera efeitos em operações de M&A, por exemplo. Empresas que tem um banco de dados organizado, limpo, com finalidades de tratamento definidas e embasadas são financeiramente melhor avaliadas na medida em que o risco de um passivo oculto relativo a esse tema é mitigado.
A jornada de adequação à LGPD exige um esforço comum de todas as áreas da empresa que devem se envolver desde o processo de mapeamento até a implementação de medidas de adequação. Essa sinergia entre áreas pode gerar insights significativos para os negócios com resultados interessantes para a companhia. O engajamento da empresa pode germinar uma transformação na forma de comunicação entre áreas e melhoria nos procedimentos internos.
O intuito primordial da LGPD é promover transparência no tratamento de dados e privilegiar a autodeterminação informativa de seus titulares. Todavia, as empresas que olharem essa nova legislação de maneira mais estratégica poderão identificar os diversos efeitos colaterais positivos e usufruir de benefícios que promoverão uma evolução e aprimoramento de seus negócios de maneira lícita, ética e responsável. Tomar a LGPD como uma oportunidade e não como um fardo. Este é o segredo.
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*Dayana Caroline Costa é advogada na área de consultoria em Direito Digital e Proteção de Dados, especialista em Direito Digital pela Escola Paulista de Direito, com cursos de extensão de Direito Digital pela FGV e em Proteção de Dados pelo Data Privacy Brasil, Ópice Blum Academy e Futurelaw. Vice-presidente da Comissão de Direito Digital da OAB subseção de Santo Amaro e membro da Coordenadoria de Proteção de Dados da OAB Central/Sé.