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A vulgarização do termo "violência" na obstetrícia

Prova maior de tamanha imparcialidade e generalização da questão é nunca termos ouvido ou visto pessoas usarem a expressão "violência hematológica" para se referirem ao médico que para salvar uma vida, faz transfusão de sangue em uma testemunha de Jeová. Mesmo este sendo um debate que está há décadas não só na Medicina e no Direito como, também, no Judiciário.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

Atualizado em 5 de junho de 2019 15:25

Ao falarmos do tema "violência obstétrica" estamos diante de uma discussão acerca de um termo que possui uma conotação para a medicina e outra para o mundo jurídico.

Para o mundo médico, o termo "violência" representa agressão, o que obviamente vai de encontro com o fim máximo da medicina, que é o cuidado. Para a medicina, é um absurdo desmedido cruzar um termo tão impiedoso com uma especialidade médica, cunhando uma expressão tão generalista, imparcial e injusta, ainda mais fundamentada na visão de que uma conduta médica muitas vezes não passa de uma "vontade" do médico.

É de conhecimento geral que a conduta médica salva vidas, especialmente a obstétrica. Por experiência própria posso dizer que, se não fosse o médico obstetra, que fez o parto do meu filho de forma totalmente contrária à vontade da minha esposa, e realizar uma cesárea ao invés de um parto normal, com toda certeza um dos dois não estaria comigo hoje. E o agradeço imensamente por isso.

Infelizmente, mesmo com tudo isso, para o mundo jurídico a expressão "violência" representa qualquer ímpeto que ofenda a vontade ou direito de outrem. E é exatamente aí que temos o conflito da Medicina com o Direito. Pois o fato de desconsiderar a vontade da mãe, que deseja tanto ter o seu "parto idealizado", juridicamente poderia representar uma ofensa aos seus direitos, se não fosse, claro, o intuito de preservação da sua vida e da vida do feto.

Além do embate técnico, para endossar a questão, temos fatores externos um tanto quanto radicais, como os movimentos idealistas que não auxiliam na análise da questão, e a tornam um embate populista.

Devemos lembrar que nenhum direito, talvez com exceção do direito à vida (e esse também é um tema de infinda discussão) é absoluto. Contudo, é óbvio que o direito à vida se sobrepõe à manifestação da vontade e, nesse sentido, o médico, que é o responsável por cuidar da vida, pode e deve sobrepor a vontade da paciente, de colocar em risco a sua vida ou, ainda, do feto.

Ocorre que o termo "violência obstétrica", assim como outros termos contemporâneos, virou motivo de debate político e social, tornando-o midiático para blogueiras e formadores de opinião. Muitos dos quais se submetem a diversas dietas ou procedimentos que vão absolutamente contra indicações médicas e não possuem qualquer base bibliográfica, técnica ou mesmo experimental para emitir suas opiniões.

Justamente por isso que, nas demais áreas médicas que estão fora dos referidos holofotes, fala-se corretamente de negligência, imprudência ou imperícia, ao invés de "violência", tratando-se tecnicamente eventual erro médico, como de fato deve ser. Prova maior de tamanha imparcialidade e generalização da questão é nunca termos ouvido ou visto pessoas usarem a expressão "violência hematológica" para se referirem ao médico que para salvar uma vida, faz transfusão de sangue em uma testemunha de Jeová. Mesmo este sendo um debate que está há décadas não só na Medicina e no Direito como, também, no Judiciário.

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*Murilo Aranha é advogado do Warde & Aranha.

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