Compliance x incorporação imobiliária: aspectos interdisciplinares
A importância de existir um gerenciamento interno, que garanta um crescimento efetivo da empresa, bem como a fim de evitar possíveis erros operacionais.
quinta-feira, 6 de junho de 2019
Atualizado em 5 de junho de 2019 10:59
a) INTRODUÇÃO
A lei brasileira, através do Código Civil de 2002, giza expressamente sobre o caráter ético nas relações contratuais.
Como exemplo, tem-se o art. 422, o qual outorga aos contratantes o dever de comportarem-se com probidade, com boa-fé. Este dever aplica-se a todas as fases do negócio jurídico, recaindo sobre a responsabilidade em sede de pré-contrato, em sede de contrato propriamente dito e em sede de pós-contrato.
b) DIREITO CONTRATUAL
Falando em contrato propriamente dito, hoje a análise recai sobre o negócio jurídico da incorporação imobiliária.
É a incorporação imobiliária um negócio jurídico complexo, visto que sua formação se origina da celebração de diversas formas contratuais, as quais são reunidas e, uma vez unificados os contratos, passam a integrar um sistema articulado.
Algumas características são peculiares ao contrato de incorporação.
- A construção e a venda se juntam, uma vez que a construção é o meio e a venda o fim;
- É um contrato coletivo, já que a sua execução depende diretamente da cooperação de todas as partes (comprador, incorporador, etc);
Analogicamente, o interesse coletivo é o motor desta engrenagem, guiando as condições e as funções, da mesma forma que ele é o motor dos membros em uma sociedade.
c) RELAÇÃO COM O CDC
A incorporação imobiliária, com toda sua complexidade, deve também observar as regras da lei 8078/90.
Isto dito porque, assim como o direito contratual é baseado na boa-fé, o arcabouço de proteção contratual ligado ao consumidor também é movido e fundamentado na boa-fé e equilíbrio da relação, vindo de forma expressa no art. 51, do CDC.
Através destes motores, busca a moderna proteção consumerista impedir a ocorrência de abusividade. Um dos exemplos práticos é a relativização que o CDC traz para o princípio do pacta sunt servanda.
Com este comparativo, percebe-se que tanto o CDC, como a lei das incorporações, possuem o mesmo sustentáculo. Assim, temos que resta elucidada e, na prática, configurada, a equiparação do contrato de incorporação com o contrato de consumo.
d) INFLUÊNCIA PRÁTICA DO COMPLIANCE
A Alemanha, seguindo a tendência de outros ordenamentos jurídicos, passou a discutir a admissão da culpa pela organização, para configurar uma possível punição para as empresas. Esta proposta parte do princípio da falta de organização como algo a legitimar a responsabilidade de um agrupado, sendo possível imputar a culpa individual de gestores até a empresa.
A culpa da empresa consiste na omissão em adotar a cautela necessária para prevenir o ilícito.
Como, então, controlar algo que, muitas vezes, os gestores e empresas não conhecem?
Na maioria dos lugares, as pessoas ignoram os riscos que envolvem um negócio jurídico. No que diz respeito às empresas, para que o nome não corra o risco de ser manchado, ou corra o risco de perder a reputação, é necessário que a empresa gerencie e aprimore a sua performance, pois existindo este aprimoramento ficará mais fácil a avaliação dos processos em que ela esteja presente. Avaliar metas, as origens de suas falhas, são exemplos de indicadores que facilitam e ajudam a prevenir a ocorrência de erros que, eventualmente, podem vir a se tornar ilícitos.
No que tange à incorporação imobiliária, tal atividade, quando implementada, pode expor ao risco os envolvidos.
Neste sentido, há jurisprudência pacificada no STJ na linha de que é devida indenização por lucros cessantes, quando considerados presumidos os danos. Cabe destacar que estes serão considerados presumíveis na hipótese de descumprimento contratual derivado, por exemplo, de atraso na entrega do imóvel. O dano moral não é presumido pelo simples atraso, mas sim quando, após avaliadas as circunstâncias do caso concreto, restar configurado o dano.
e) CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, resta claro que um programa de compliance é sempre bem-vindo às empresas do ramo da incorporação imobiliária.
Destaco a importância de existir um gerenciamento interno, que garanta um crescimento efetivo da empresa, bem como a fim de evitar possíveis erros operacionais.
A cultura de compliance é necessária.
Ajuda a rever a conduta dos gestores e de seus colaboradores, bem como ajuda na revisão periódica interna da empresa, tendo em vista que falhas humanas acontecem a todo momento e, na maioria das vezes, são elas conduzidas pela falta de ética e de conduta.
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*Matheus Passos da Silva é advogado do escritório Passos & Ricaldone - Advocacia, Assessoria e Compliance.