Seguro de responsabilidade civil profissional
O seguro se corretamente utilizado como mecanismo de proteção, pode sim se transformar em elemento de segurança patrimonial para o profissional de saúde, minimizando os efeitos do atual nível de judicialização o qual estamos vivenciando diariamente.
quarta-feira, 5 de junho de 2019
Atualizado em 3 de junho de 2019 17:12
O regime disciplinar dos seguros e sua regulamentação geral não é objeto desta análise, todavia alguns aspectos diferenciais, específicos da responsabilidade civil profissional, devem e precisam ser apontados para melhor compreensão, sendo dois principais dentre vários outros que hoje disseminam a cultura da contratação deste tipo de seguro. O primeiro seria de ordem sociológica e o segundo de cunho jurídico.
A crescente e consistente judicialização da saúde, a deterioração da relação médico paciente, a facilitação do acesso ao poder judiciário, a popularização das demandas por dano moral, bem como o exponencial aumento de processos buscando indenizações, levando o questionamento da atividade médica aos tribunais, fizeram crescer o sentimento de que há uma fragilidade legal ligada aos profissionais da área da saúde. Fragilidade essa que pode ameaçá-los irreparavelmente não apenas em sua imagem e conceito, mas também sob o ponto de vista econômico e patrimonial.
É muito difícil, nos dias de hoje, encontrar um médico que não tenha sofrido com uma ação judicial e essa forte demanda vem aumentando cada vez mais, levando os médicos a buscarem meios de resguardar seu patrimônio através do seguro.
Sendo assim, com o aumento da judicialização da saúde a contratação do seguro de responsabilidade civil se torna de certa forma obrigatório aos profissionais da área da saúde.
O regime definido para a regulação dos seguros, estabelecido pelo Código Civil de 2002, à parte da normatização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), vem mostrando uma necessária evolução, assumindo não apenas o papel de garantir a indenização por dívidas decorrentes de atuação profissional do segurado, mas também satisfazendo o ressarcimento do dano à vítima potencial.
A visão anteriormente exposta é definida no art. 7571 do Código Civil, que transfere a assunção do risco ao segurador, risco este que não é necessariamente um bem ou um objeto material, mas também uma responsabilidade por dano causado por ações ou omissões no exercício da atividade médica.
A premissa estabelecida é a minimização do risco, tanto patrimonial para o segurado, quanto o de não ser ressarcida para a vítima. É importante que seja verificado que a obrigação assumida pela seguradora é de pagamento e não de reembolso.
Há ainda uma clara obrigação de boa-fé a ser estabelecida entre os contratantes com todas as responsabilidade e consequências daí advindas, uma vez que serão considerados nulos os pedidos de pagamento daqueles sinistros em que se comprove dolo ou má conduta do segurado.
A natural consequência diferencial na tramitação de um processo que envolva a seguradora está na certeza de que dificilmente haverá uma composição entre litigantes2. Apenas após o trânsito em julgado da ação ocorrerá o cumprimento da obrigação de pagar, acaso existente. Mais uma vez, há de ser ressaltado que o segurado passará por toda a tramitação do processo, um estorvo para aqueles que a isso não estão acostumados, sem dúvida, mas com a tranquilidade gerada pelo fato de haver lastro e suporte financeiro capaz de honrar eventual indenização, sem corroer patrimônio ou planejamento financeiro do médico.
A disciplina específica do seguro de responsabilidade civil está estabelecida no artigo 787 do Código Civil. Nele são estabelecidas as obrigações recíprocas entre as partes, bem como o rito procedimental próprio a ser seguido pelo segurado quando da ciência da existência de um processo.
Atualmente, diversas companhias seguradoras possuem apólices especificas para responsabilidade civil profissional, com extensas cláusulas de cobertura e exclusões de obrigações e formas de procedimento, tornando altamente recomendável que, ao decidir pela contratação do serviço, o médico procure o devido aconselhamento legal, a fim de compreender as implicações jurídicas e as cautelas que necessita adotar, de modo a poder usufruir sem sobressaltos da segurança que está a contratar.
Essa consulta é importante para que o médico tenha certeza de que a contratação do seguro foi feita de forma a cobrir todo o risco inerente à sua profissão e garanta a segurança do seu patrimônio, sendo que uma má contratação, feita sem a devida orientação, seja por advogado especializado, seja por um bom corretor de seguro, pode lhe trazer grandes problemas caso venha a precisar de alguma cobertura não englobada em sua apólice.
Por si só o seguro já é bastante vantajoso, pois busca proteger o patrimônio e a imagem do profissional, assim como também traz proteção e segurança ao terceiro.
Além disso, o médico poderá contar com a segurança de lhe serem disponibilizados meios financeiros para a contratação de profissionais especializados para sua defesa e orientação, possibilitando-lhe a tranquilidade de, pelo menos neste aspecto, obter um prognóstico positivo.
Decidindo-se pela contratação de uma apólice de seguros alguns cuidados devem ser observados quanto às coberturas, pois existem diversas apólices disponíveis no mercado, com uma ampla variedade e distinção como, por exemplo, cobertura para instalação de equipamentos ou até mesmo para medicamentos.
As clínicas e os hospitais precisam que as apólices sejam muito claras quanto às suas coberturas, se possível, que estas instituições sejam orientadas por um profissional qualificado no momento da contratação, assim evitando, em caso de um aviso de sinistro, uma possível negativa por parte da seguradora por falta de previsão na apólice da cobertura acionada.
É importante deixar claro que para que se tenha a cobertura estendida aos profissionais que auxiliam o médico, por exemplo, é fundamental que se tenha a contratação de uma apólice de responsabilidade civil sem a exclusão de qualquer item, ou seja, que essa apólice seja contratada de forma cheia, para que caso haja uma ocorrência e a apólice de seguro não cubra esses profissionais, estariam todos resguardados pela apólice de responsabilidade civil.
Por essas razões, é de suma importância as delimitações na contratação da apólice, onde constará as circunstâncias desejadas pelo segurado, pois sendo o contrato de adesão estes cuidados devem ser muito bem observados.
É preciso que se tenha bem claro que as indenizações em caso de acionamento do seguro serão sempre pagas nos limites contratados e nas condições previstas em apólice, conforme súmula do STJ a qual cito abaixo:
Súmula 537 STJ Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
Mesmo que o profissional adote toda a precaução tanto em relação ao paciente quanto à contratação do seguro não quer dizer que esteja imune a possíveis responsabilizações provenientes de algum ato praticado. Isso porque não há como evitar, somente com a contratação do seguro, que ele não virá a sofrer uma representação ética diante do seu conselho profissional, pois essas denúncias podem ser feitas a qualquer momento, tendo o órgão responsável o dever de investigar e instaurar um procedimento investigatório próprio, no qual o médico pode sofrer uma censura nos casos simples ou até mesmo a cassação de sua licença médica nos casos mais graves.
Todavia, ainda que nesta instância a esfera diretamente atingida não seja a patrimonial, o seguro poderá representar um fator de economia para o segurado ao cobrir as despesas de contratação de alguns profissionais especializados para o acompanhamento e defesa em processos éticos, incluídos aí honorários de perito, bem como os advocatícios.
Acreditar que um seguro é garantia de reparação do erro é abstrair da realidade toda a gama de relação humanas envolvidas num ato médico. Mas o seguro se corretamente utilizado como mecanismo de proteção, pode sim se transformar em elemento de segurança patrimonial para o profissional de saúde, minimizando os efeitos do atual nível de judicialização o qual estamos vivenciando diariamente.
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1 Art. 757 - Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.
2 Art. 765 - O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.
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*Rotieh Machado Carvalho é sócio da Jacó Coelho Advogados.