Certificação orgânica: responsabilidades e sanções
A certificação não impõe sozinha a qualidade no produto orgânico, mas, sim, a comprovação de que sua produção seguiu técnicas de cultivo sem agressão à natureza, o que não exclui automaticamente a responsabilidade do comerciante em arcar com o pagamento dos seus fornecedores rurais.
quinta-feira, 30 de maio de 2019
Atualizado em 29 de maio de 2019 13:21
Dando seguimento ao tema da certificação orgânica, vamos tratar das responsabilidades que os integrantes da cadeia da produção orgânica possuem e as eventuais sanções que podem sofrer. Segundo a lei 10.831/03, tanto produtores, quanto distribuidores, comerciantes e as próprias entidades certificadores têm responsabilidade pela qualidade relativa às características regulamentadas para produtos orgânicos.
Isso significa que esses atores da cadeia de produção devem zelar para que o produto orgânico atenda aos critérios determinados nos atos regulamentares expedidos pelo Ministério da Agricultura, de modo que, a princípio, se não houver regulamentação para determinada produção orgânica específica, a responsabilidade pela qualidade não poderia ser invocada.
Caso emblemático foi o de produtores de cogumelos orgânicos em Botucatu/SP que, antes mesmo da expedição da IN 37/11, que regulamenta a produção de cogumelos comestíveis e Sistemas Orgânicos de Produção, obtiveram a certificação orgânica da sua produção por meio de auditoria. Porém, passado algum tempo, sofreram fiscalização do MAPA e retirada da comercialização dos cogumelos simplesmente porque não havia regulamentação específica para aquele tipo de produção, o que não implicou em responsabilização direta pela qualidade do produto.
O mesmo caso é interessante também para exemplificar a responsabilidade da autoridade certificadora sobre as alterações regulamentares do MAPA. Tendo sido retirados os cogumelos de circulação, os produtores paulistas ajuizaram ação indenizatória em face da certificadora, pois, segundo eles, esta deveria conhecer a ausência da regulamentação específica e as consequências negativas que a continuidade do empreendimento poderia trazer para os produtores. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, a certificadora não teve responsabilidade sobre o fato, uma vez que a obrigação se limitava a "a atestar a qualidade e a conformidade de determinado produto ou serviço com normas técnicas estabelecidas por institutos especializados, que podem ser de natureza governamental ou (...) credenciado pelos órgãos oficiais competentes."1
Voltando à legislação, os integrantes da cadeia produtiva orgânica podem responder penal e civilmente por suas infrações e, administrativamente, podem ser sancionados a pagar multa de até R$ 1 milhão, além de medidas como suspensão de comercialização, inutilização do produto, suspensão de credenciamento, certificação, registro ou licença. As infrações e suas penalidades são diversas, podendo ir desde a propaganda falsa de produto orgânico, passando pela comercialização de produto não certificado, até à penalidade por não ter observado o período de conversão da terra para produzir conforme regulamentação vigente.
Podemos trazer as mais comuns, e que afetam a vida de consumidores e comerciantes. Para aquele que faça propaganda, publicidade ou apresentação de produto que contenha denominação, símbolo, desenho, figura ou qualquer indicação que possa induzir a erro ou equívoco quanto à origem, natureza, qualidade orgânica do produto ou atribuir características ou qualidades que não possua, poderá haverá advertência, recolhimento do produto e aplicação de multa. As mesmas sanções são aplicadas para aquele que comercializar produto que se afirme orgânico sem certificação.
Um último ponto deve ser debatido: a qualidade do produtor orgânico. Já se sabe que o comerciante que adquiriu o produto também tem responsabilidade sobre a origem e sobre a qualidade daquilo que vende. Daí porque se, for comprovada a fraude na certificação ou origem do produto adquirido, o comerciante tem direito ao ressarcimento das perdas e danos que sofreu em face do produtor. Contudo, quando se trata da qualidade de alimentos orgânicos é alta a probabilidade de que o alimento poderá ter qualidade reduzida em alguns itens, devendo as partes entabularem contrato de fornecimento dos alimentos orgânicos com porcentagem mínima de qualidade. Para além disso, se não houver tal tipo de acordo, não poderá o comerciante deixar de pagar o produto já fornecido tendo por base sua suposta "má-qualidade", e isso é o que tem entendido a 1ª Turma Recursal do Paraná,2 que já condenou comerciante a arcar com indenização por danos materiais e danos morais para produtora de orgânicos.
Dessa maneira, tendo em vista a legislação e a jurisprudência, o que se vê é que a certificação orgânica impõe obrigações para os integrantes da cadeia produtiva, incluindo comerciantes e entidades de auditoria, especialmente na seara administrativa. Portanto, a certificação não impõe sozinha a qualidade no produto orgânico, mas, sim, a comprovação de que sua produção seguiu técnicas de cultivo sem agressão à natureza, o que não exclui automaticamente a responsabilidade do comerciante em arcar com o pagamento dos seus fornecedores rurais.
1 EMPRESARIAL. INDENIZAÇÃO. Contrato celebrado entre produtores de cogumelos orgânicos e a IBD Certificações Ltda. Ministério da Agricultura que impossibilitou a produção após regulamentação própria. Empresa que não pode ser responsabilizada pelos prejuízos decorrentes dessas normas que não existiam na época da realização do contrato. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 0001575-13.2013.8.26.0091; Relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Botucatu - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 18/5/16; Data de Registro: 25/5/16)
2 RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. FORNECIMENTO DE PRODUTO ORGÂNICO. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. DANO MORAL CONFIGURADO. OFENSA A HONRA DA RECLAMANTE. QUANTUM FIXADO DE ACORDO COM O CASO CONCRETO. SENTENÇA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 1ª Turma Recursal - 0000534-71.2014.8.16.0182 - Curitiba - rel.: FERNANDA DE QUADROS JORGENSEN GERONASSO - J. 22/5/15)
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*Pedro Henrique Gallotti Kenicke é advogado civil-empresarial em Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná.