Reflexões sobre a reforma do capitalismo norte-americano na visão do capitalista Ray Dalio: algumas lições para o Brasil
A saída para o estado de mal-estar econômico e social do país depende de intensas mudanças nas instituições políticas, econômicas e sociais brasileiras, inclusive a mudança na consciência das elites quanto à sua responsabilidade em relação ao futuro do país, bem como para reafirmar o compromisso democrático e o combate às ideologias autoritárias e populistas e de negação aos direitos humanos.
terça-feira, 28 de maio de 2019
Atualizado em 27 de maio de 2019 13:05
Na narrativa da crise pela qual passa o Brasil, via de regra, responsabiliza-se o sistema político e o Estado como a fonte das crises nacionais; o grande vilão causador de gastos públicos. Na pauta da agenda política brasileira a questão da Previdência Social. Porém, pouco se fala sobre os problemas inerentes às estruturas e ao funcionamento do capitalismo brasileiro. Temos milhões de desempregados ou subempregados. Por que o Brasil é incapaz de gerar emprego e renda para seus cidadãos? Por que há altas taxas de violência no país? As falhas do sistema econômico que contribuem para o seu disfuncionamento e entrega de resultados para a sociedade é pouco debatida em nosso país.
Para contribuir sobre esta reflexão, ainda que se trate do contexto dos Estados Unidos, Ray Dalio, investidor bilionário em fundos hedge, especialista em dívidas dos países, em seu artigo Why and How Capitalism needs to be reformed (acessível no website: www.economicsprinciples.com), apresenta alguns pontos para reflexão. Em suas palavras (em tradução livre): "a mais intolerável situação é como nosso sistema falha para cuidar de nossas crianças. Como eu mostrarei, um grande número de crianças são pobres, desnutridas (fisicamente ou mentalmente) e miseravelmente educadas". O autor afirma que o capitalismo norte-americano não está funcionando adequadamente para atender as necessidades da maioria das pessoas.
A ideologia de prosperidade e iguais oportunidades propagadas pelo capitalismo não funciona bem na prática. O autor explica que por décadas não há crescimento de renda real nos Estados Unidos. Houve o declínio da renda ao ponto de que as novas gerações não tem a capacidade de manter o nível de patrimônio e renda de seus pais. Destaca, também, o ciclo vicioso de baixa renda, escolas pobres, famílias frágeis e abuso no consumo de drogas. Sem crescimento de renda não há desenvolvimento pessoal. O crescimento de renda decorre do crescimento da produtividade.
O modelo de educação apresenta graves problemas, pois não prepara o estudante para o mercado de trabalho, nem cria condições para desenvolvimento de inteligência emocional capaz de resolver comportamentos prejudiciais. Além disto, ele destaca que jovens em desvantagens competitivas (sem escolaridade ou baixa escolaridade) no mercado (excluídos da sociedade civil organizada) é alvo fácil da criminalidade. Assim, jovens de baixa renda têm o maior risco de serem encarcerados pelo sistema de justiça. Nas palavras do autor: "Bad childcare and bad education lead to badly behaved adults hence higher crime rates that inflict terrible cost on the society".
O ciclo vicioso de prisões de jovens impede a realocação no mercado de trabalho. Assim, há severas consequências do baixo nível de educação e pobreza de crianças e adolescentes para a sociedade. Crianças não integradas socialmente sofrem com problemas de ansiedade e baixa satisfação com a vida. Ele compara também o rendimento escolar das escolas públicas e das escolas privadas, sendo o resultado destas últimas em muito superior. A propósito, indo além do texto do autor, a dívida com o financiamento da educação universitária chega a trilhões de dólares. Ainda, aponta a desigualdade social, com a divisão entre ricos e pobres como fonte perigosa de conflitos sociais. Também, o stress social é causado pelo desrespeito às pessoas, baixos salários e desemprego.
A desigualdade social é explorada por populistas de direita e de esquerda. Os críticos apontam que o capitalismo não é capaz de distribuir renda entre as pessoas, não oferece soluções para dividir equitativamente as fatias do bolo do crescimento econômico. Por outro lado, os defensores do capitalismo sustentam que a desigualdade é condição da natureza humana e da sociedade. Socialistas não sabem criar o crescimento econômico nas palavras do autor Ray Dalio. Ele ainda aborda o fenômeno do populismo político, segundo o qual a personalidade do líder populista parte da lógica do confronto pessoal, ao invés de incentivar práticas de colaboração e inclusão. Em seu artigo Populism: the phenomen (acessível no site www.economicprinciples.org) ele analisa aspectos dos movimentos populistas na história da humanidade.
Os populistas clássicos baseiam-se em políticas voltadas ao protecionismo, nacionalismo, ampliação de gastos militares e controle do movimento de capitais. Os populistas proliferam-se em momentos históricos de aguda crise econômica. Eles promovem o alinhamento do populista ao homem comum, fazem ataques ao sistema vigente, buscam enfraquecer as elites, são nacionalistas e detestam o debate e o desacordo inerente à democracia. Na polarização política um grupo busca bloquear e agredir outro grupo social. Assim, a prevalência do impasse político é incapaz de resolver questões essenciais do país. Neste contexto, os extremos conduzem à autodestruição de valores e bens. O sistema econômico está conduzindo a excessos no topo da pirâmide e privação de necessidades sociais em sua base.
Com a globalização econômica, as corporações privadas estão produzindo grandes lucros, com a terceirização de suas atividades para outros países, em prejuízo aos trabalhadores norte-americanos. A maior vítima da globalização foi a classe média norte-americana em decorrência da desindustrialização do meio oeste dos Estados Unidos. Assim a exploração de sentimentos de ódio, raiva e medo dos eleitores por determinados políticos. Em certas áreas rurais norte-americanas não há mais emprego.
A maioria das pessoas são pobres e não conseguem dinheiro e crédito, devido ao seu histórico de endividamento. Enquanto os ricos tornam-se mais ricos, pois realizam investimentos, mediante a aquisição de ativos financeiros e patrimoniais, ao invés de gastar renda com o consumo de produtos e serviços. Se o sistema capitalista nos Estados Unidos não é capaz de por si só de resolver a questão da geração e renda, algo está errado. Como alternativa, o autor sugere o compromisso da liderança do topo da pirâmide social para declarar a desigualdade de renda, riqueza e oportunidade como situação de emergência nacional e assumir a responsabilidade da reengenharia do sistema econômico e educacional para funcionarem melhor.
Definição de claras métricas para avaliar o sucesso dos líderes responsáveis por esta mudança. Redistribuição de recursos que possam melhorar o bem estar e a produtividade para a maioria da população. Criação de parcerias público-privadas no campo da filantropia social. Levantamento de recursos para melhoria da produtividade da economia (maior produção de bens e serviços), bem como a alocação de tributos para a educação pública. Para acessar ao artigo, ver o site: www.economicprinciples.org1. Esta análise talvez possa lançar algumas luzes para a reflexão sobre as instituições econômicas do país. O texto em análise serve como ponto de partida para análise da mutação do American Dream para o American Nightmare, até para dialogarmos sobre o tema da falta de crescimento econômico e desigualdade social no Brasil.
A maior lição do autor é no sentido de que a desigualdade econômica produz efeitos perigosos para toda a sociedade, especialmente quanto à falta de integração social. Se lá nos Estados Unidos a desigualdade econômica é um problema, imaginemos o problema da desigualdade econômica no Brasil, sendo aqui o cenário muito mais perverso e extremo. Aqui, há divisões sociais extremas entre elites, classes alta, média e média baixa e pobres. Há, talvez, ressentimentos, indiferenças e feridas abertas que ainda não compreendamos e adotemos políticas públicas mais progressivas para resolver as questões sociais. Talvez, o ressentimento da classe média quanto à ascensão das classes populares nas últimas décadas. Mas, para alguns, infelizmente, a redução da desigualdade econômica não seja de fato um problema.
Na visão de norte-americanos conservadores (70%), por exemplo, o crescimento da desigualdade decorre da falta de disposição para o trabalho. Porém, para somente 15% dos progressistas esta falta de vontade de trabalhar é uma das causas do crescimento da desigualdade. O tema é complexo, não é possível reduzir à desigualdade econômica apenas à questão da falta de disposição para trabalhar. Este é um argumento cínico, existem falhas estruturais no mercado de trabalho, inerentes à dinâmica do capitalismo, que ampliam a desigualdade econômica, devido as desigualdade das condições de competição.
O país tem imensos desafios à frente para as presentes e futuras gerações. Em jogo, o futuro do mercado de trabalho para jovens, adultos e idosos, com as expectativas de criação de emprego e renda. O futuro da educação pública com a preparação para o mercado de trabalho e medidas para preparar os jovens para o cenário da inteligência artificial e automatização do processo produtivo. Também, o futuro do ambiente de negócios para o empreendedorismo brasileiro. Aqui, há o abismo crônico entre o sistema capitalista financeiro nacional e o sistema produtivo, com o cenário de juros exorbitantes, os maiores do planeta, os quais criam obstáculos ao empreendedorismo.
O diálogo é a única forma de buscarmos soluções para os graves problemas nacionais que atingem milhões de brasileiros e brasileiras. Superando-se as emoções, sentimentos e ressentimentos negativos que dividem e impedem o diálogo construtivo. Somente a ação comunicativa, positiva e propositiva, baseada no diálogo, é capaz de superar os impasses políticos. Vale lembrar as palavras de Norberto Bobbio em sua visão para superar dualidades que geram impasse político: "A minha resposta, uma resposta pessoal, inspira-se no ideal de uma superação da antítese entre o liberalismo, que prioriza os direitos de liberdade, e o socialismo, que antepõe os direitos sociais. Faço esta afirmação porque considero que o reconhecimento de alguns direitos sociais fundamentais seja o pressuposto ou a precondição para um efetivo exercício dos direitos de liberdade. O indivíduo instruído é mais livre do que um inculto; um indivíduo que tem um trabalho é mais livre do que um desempregado; um homem são é mais livre do que um enfermo"2.
Enfim, urgentes falhas estruturais na dinâmica dos governos, dos mercados e sociedade demandam reformas, mediante ações de curto, médio e longo prazo. A saída para o estado de mal-estar econômico e social do país depende de intensas mudanças nas instituições políticas, econômicas e sociais brasileiras, inclusive a mudança na consciência das elites quanto à sua responsabilidade em relação ao futuro do país, bem como para reafirmar o compromisso democrático e o combate às ideologias autoritárias e populistas e de negação aos direitos humanos.
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1 E indo além do texto do autor, diferentemente dos Estados Unidos, cumpre lembrar que a China, em seu plano estratégico de desenvolvimento nacional, já prevê metas para a educação de crianças sobre temas relacionados à inteligência artificial.
*Ericson M. Scorsim é advogado e consultor em Direito Público, especializado no Direito da Comunicação e sócio fundador do escritório Meister Scorsim Advocacia.