E se os caminhoneiros voltarem a parar? Fragilidade do governo, incapacidade de negociação e esperada onda de manifestações sociais elevam os riscos de novas paralizações
A tentativa do atual governo em desmontar sindicatos e lideranças de trabalhadores, e mais ainda em repugnar e desmerecer os movimentos de organização social, mostra-se péssima estratégia no enfrentamento de qualquer problema, inclusive os de Estado.
quinta-feira, 23 de maio de 2019
Atualizado em 22 de maio de 2019 13:40
O prejuízo causado pela paralização dos caminhoneiros foi gigantesco. De lá pra cá, evidencia-se que a situação em nada melhorou. Os governos caquistocráticos que tivemos, dos quais o atual talvez esteja se revelando como o pior de todos, não tiveram sensibilidade e nem planejamento adequado para a solução de problemas econômicos e sociais; ao contrário, mostram-se useiros e vezeiros, eles próprios, em criar a cada dia novos problemas e dificuldades.
A questão abrangente relacionada aos caminhoneiros é exemplo do pior dos piores. O crescimento dos anos Lula foi acompanhado por aumento da frota impulsionado por estímulos aos financiamentos. No segundo governo Dilma, embora não houvesse mais crescimento, a chamada "agenda fiesp" criou um programa de subsídios e privilégios, que foi multiplicado pelo congresso nacional, e que elevou mais ainda a venda de veículos pesados de transporte. Como sempre, não houve qualquer investimento consistente em outras modalidades de transporte.
A partir daí, da paralisação ao crescimento seguiu-se uma séria recessão, que tende a se aprofundar ainda mais, na medida em que o governo atual erra a todo momento e não mostra que irá acertar seu rumo, havendo atualmente uma vultosa crise de confiança e expectativas. Essa crise já é comprovadamente a mais persistente que já enfrentamos.
O problema, portanto, não se resolve facilmente. Existe muito caminhão e pouca carga. O preço dos fretes cai cada vez mais, e não há nenhuma forma aparente de solução que não seja a volta do crescimento econômico.
E mais, a situação piora ainda mais, na medida em que vacinados pelos prejuízos, empresários atualmente tem investido em outros modais de transporte, especialmente o marítimo, o que diminui ainda mais a demanda por fretes rodoviários.
O governo, como se tem visto, ainda parece tentar enfrentar o fogo com combustível, pois recentemente o ministro da fazenda anunciou programa de financiamento para conserto dos caminhões parados ou em mal estado, de até trinta mil reais per capta. Ou seja, quer colocar ainda mais caminhões na rua enquanto endivida os caminhoneiros. A falta de noção de realidade aliada à impaciência em planejar mostra-se gritante.
Enquanto isso, o governo não para de aumentar a fogueira em outras áreas, sendo que declarações equivocadas na pasta da educação, assim como do próprio presidente, fizeram eclodir manifestações de estudantes e professores que são legítimas e não violentas, mas que tem alto potencial em inspirar outros levantes e movimentos de consequências imprevisíveis, inclusive no setor de transporte rodoviário, que como vimos, é vital para o funcionamento do País.
E havendo nova paralização será o pior dos mundos, já que o poder de negociação do governo tem se mostrado nulo ou negativo. Não houvesse a moderação pelos integrantes militares, com destaque ao articulado e ajuizado vice-presidente, talvez já tivéssemos no fundo do abismo, se é que já não estamos e não conseguimos ainda vislumbrar.
E tudo piora ainda mais em função de que os caminhoneiros não tem uma liderança única ou legitimada. Quando não há representação eficiente e válida, o movimento tende ao anarquismo, como se viu.
Aliás, a tentativa do atual governo em desmontar sindicatos e lideranças de trabalhadores, e mais ainda em repugnar e desmerecer os movimentos de organização social, mostra-se péssima estratégia no enfrentamento de qualquer problema, inclusive os de Estado.
A saída portanto, para além da volta ao crescimento, que urge; está na retomada do pacto social, no entendimento e na negociação com os atores sociais; e sendo assim as esperanças seguem cada vez mais corroídas.
Tomara até que nada disso possa ser verdade!
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*Mauro Tavares Cerdeira é advogado e economista; sócio fundador da banca Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.