Impacto da recente decisão proferida pelo TST sobre a fiscalização dos contratos celebrados pela administração pública
É imprescindível que se acompanhe rigorosamente o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias relacionadas ao respectivo contrato, e que se comprove tal acompanhamento nos autos do processo de contratação.
quarta-feira, 22 de maio de 2019
Atualizado em 21 de maio de 2019 11:43
Não é novidade que uma das prerrogativas contratuais conferidas legalmente à administração pública, é a obrigação (poder-dever) de fiscalizar os contratos em que ela for parte. Sendo que com base no art. 67 da lei 8.666/93, a execução do objeto contratual deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
Tal sistemática fora, inclusive, ratificada no decreto federal 9.504/18, o qual dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal, em capítulo próprio intitulado gestão e fiscalização da execução dos contratos. Além de haver disciplina específica em algumas instruções normativas expedidas pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão sobre a matéria, tamanha a importância (registre-se) e impacto de tal prerrogativa administrativa na consecução do interesse público e na prevenção de ilegalidades, de corrupção e, sobretudo, lesão aos cofres públicos.
Ao fiscal (aqui nos ateremos à designação semântica dada por lei, sem adentrar-se no "mérito" de outras denominações: fiscal ou gestor, a depender da normatização e estrutura jurídico-administrativa do ente público) incumbe o acompanhamento da execução do objeto contratado, a verificação constante se as condições estabelecidas em contrato e edital estão sendo devidamente cumpridas, determinando o que for necessário à correção das falhas e/ou defeitos observados e/ou incongruências detectadas no que se refere às especificações técnicas/projeto, sempre com a meta precípua de se verem materialmente concretizados os objetivos propugnados pela licitação pública em prol da efetividade e plenitude do interesse público envolvido.
O fiscal tem o poder-dever de determinar a reparação, correção, reconstrução ou substituição do serviço ou bem que não foi entregue conforme as especificações contidas no termo de referência ou projeto básico.
Pois bem. Considerando-se que a fiscalização de contratos abrange inexoravelmente também o acompanhamento e atesto das obrigações contratuais adstritas aos encargos trabalhistas (com especialíssimo relevo no âmbito das contratações que envolvem terceirização de serviços), de acordo com a redação dada ao art. 71, caput e §1º, da lei 8.666/93, a responsabilidade por tais encargos e também pelos fiscais e comerciais não se transfere à Administração Pública, cabendo, tão somente, ao contratado. Deve-se atentar, no entanto, para a possibilidade de responsabilização solidária da administração, nos casos de não recolhimento de encargos previdenciários, de acordo com o que estabelece o §2º, do art. 71, da lei 8.666/93.
Com efeito, cumpre rememorar-se que a constitucionalidade do §1º, do art. 71, da Lei 8.666/93, já foi objeto de debate no julgamento da ação direta de constitucionalidade 16 (ADC 16), pelo STF. E, em que pese a polêmica envolvendo o enunciado (antigo) 331 do TST1, decorrente do julgamento da referida ADC, a disciplina sumulada pelo TST continua válida. Contudo, em razão do julgamento da referida ação constitucional, não mais se poderá generalizar as situações e terá de haver investigação mais detida para verificar se a inadimplência tem como causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.
Importante se faz constar que, após o julgamento da ADC 16, no qual o STF se manifestou pela constitucionalidade do §1º, do art. 71, da lei 8.666/93, o TST emitiu novamente o enunciado 331, com nova redação, no qual prescreveu que a responsabilidade subsidiária da administração apenas se caracterizará caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da lei 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. Vejamos entendimento do STF sobre o assunto:
E M E N T A: RECLAMAÇÃO - ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA, COM EFEITO VINCULANTE, NO EXAME DA ADC 16/DF - INOCORRÊNCIA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DÉBITOS TRABALHISTAS (LEI Nº 8.666/93, ART. 71, §1º) - ATO JUDICIAL RECLAMADO PLENAMENTE JUSTIFICADO, NO CASO, PELO RECONHECIMENTO DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE CULPA "IN VIGILANDO", "IN ELIGENDO" OU "IN OMITTENDO" - DEVER LEGAL DAS ENTIDADES PÚBLICAS CONTRATANTES DE FISCALIZAR O CUMPRIMENTO, POR PARTE DA EMPRESAS CONTRATADAS, DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS REFERENTES AOS EMPREGADOS VINCULADOS AO CONTRATO CELEBRADO (LEI Nº 8.666/93, ART. 67) PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (...)
É oportuno ressaltar, no ponto, que, em referido julgamento, não obstante o Plenário do Supremo Tribunal Federal tenha confirmado a plena validade constitucional do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 - por entender juridicamente incompatível com a Constituição a transferência automática, em detrimento da Administração Pública, dos encargos trabalhistas, fiscai comerciai e previdenciários resultantes da execução do contrato na hipótese de inadimplência da empresa contratada -, enfatizou-se que essa declaração de constitucionalidade não impediria, em cada situação ocorrente, o reconhecimento de eventual culpa "in omittendo" ou "in vigilando" do Poder Público. (...)
Cumpre assinalar, por necessário, que o dever legal das entidades públicas contratantes de fiscalizar a idoneidade das empresas que lhes prestam serviços abrange não apenas o controle prévio à contratação - consistente em exigir, das empresas licitantes, a apresentação dos documentos aptos a demonstrar a habilitação jurídica, a qualificação técnica, a situação econômico-financeira, a regularidade fiscal e o cumprimento do disposto no inciso XXXIII d artigo 7º da Constituição Federal (Lei nº 8.666/93, art. 27) -, mas compreende, também, o controle concomitante à execução contratual, viabilizador, dentre outras medidas, da vigilância efetiva e da adequada fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas em relação aos empregados vinculados ao contrato celebrado (Lei nº 8.666/93, art. 67). (sem grifos no original). (AG.REG. NA RECLAMAÇÃO 11.308 ACRE. Min. Rel. Celso de Mello. DJ: 21/02/13).
Vejamos a nova redação dada ao Enunciado 331 do TST:
"V - Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada".
Portanto, para que não reste configurada responsabilidade subsidiária da administração pública contratante, na hipótese de inadimplemento por parte do contratado perante seus colaboradores/empregados, é dever da administração, no decorrer da execução do contrato, fiscalizar o contratado no tocante ao cumprimento das obrigações legais e contratuais; de modo particular, no que tange à conduta para com as obrigações trabalhistas e fiscais que deverá honrar, em função da execução do objeto contratado.
E, somando-se a tal entendimento já consolidado, em julgamento proferido em 27/03/19, emitido pela primeira turma do TST, fez-se consignar um importante alerta para os gestores contratuais e, especialmente, aos fiscais de contrato, no âmbito da administração pública. De acordo com o decisum expedido pela Corte Superior, evidenciando-se a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços (no caso, ente público municipal), face à ausência de prova da fiscalização efetiva quanto ao cumprimento das obrigações contratuais e legais por parte da empresa contratada, caracterizadora da culpa in vigilando, o ônus da prova é da administração, sendo que sua distribuição segue a regra ordinária de aptidão para a prova e vedação da exigência de prova chamada "diabólica", assim considerada aquela alusiva ao fato "negativo" da ausência de fiscalização.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO, NA PETIÇÃO INICIAL, DE CULPA DA TOMADORA. JULGAMENTO FORA DOS LIMITES DA LIDE. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ENTE PÚBLICO. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CULPA IN VIGILANDO. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À FISCALIZAÇÃO DO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. ÔNUS DA PROVA DA ADMINISTRAÇÃO. 1. No julgamento da ADC 16, o STF pronunciou a constitucionalidade do art. 71, caput e § 1º, da Lei 8.666/93, mas não excluiu a possibilidade de a Justiça do Trabalho, com base nos fatos da causa, determinar a responsabilidade do sujeito público tomador de serviços continuados em cadeia de terceirização quando constatada a culpa in vigilando, pronúncia dotada de efeito vinculante e eficácia contra todos. 2. Nesse sentido foi editado o item V da Súmula 331/TST, segundo o qual "os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada". 3. Na hipótese, depreende-se do acórdão regional que a responsabilidade subsidiária imputada ao ente público não decorreu do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela prestadora de serviços, hipótese rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 16. Com efeito, ao exame do caso concreto, o Tribunal Regional concluiu pela responsabilidade subsidiária do tomador de serviços face à ausência de prova da fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais por parte da empresa contratada, caracterizadora da culpa in vigilando. 4. Registro que o excelso STF nada dispôs acerca da distribuição do ônus da prova da fiscalização dos contratos administrativos de prestação de serviços para efeito da caracterização de eventual culpa in vigilando e consequente condenação subsidiária do ente público tomador de serviços; e, nesse contexto, a distribuição daquele ônus segue a regra ordinária de aptidão para a prova e vedação da exigência de prova chamada "diabólica", assim considerada aquela alusiva ao fato "negativo" da ausência de fiscalização. 5. Além disso, a jurisprudência assente nesta Corte segue no sentido de que a celebração de convênio visando à prestação de serviços públicos, enseja a incidência da Súmula 331, V, do TST. Precedentes. 6. Nesse contexto, a decisão regional está em harmonia com o verbete sumular transcrito, a atrair a incidência do art. 896, § 7º, da CLT e a aplicação da Súmula 333/TST como óbices ao processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e não provido. Processo: AIRR - 100414-71.2016.5.01.0008. Data de Julgamento: 27/03/2019, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/03/2019 (sem grifos no original).
Assim, diante do novo posicionamento judicial exarado, deve o fiscal de contrato, antes de atestar a efetiva execução dos serviços terceirizados, verificar (inarredavelmente) se os salários foram pagos, se houve entrega do vale transportes, se houve pagamento de férias, dentre outros encargos de ordem trabalhista. Será imprescindível que acompanhe rigorosamente o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias relacionadas ao respectivo contrato, exigindo cópias dos documentos comprobatórios quanto à quitação dessas obrigações, registrando-se e fazendo constar infalivelmente tudo no processo de contratação. Restando comprovado (nos autos) que a administração tomou todas as providências contratualmente estabelecidas, não medindo esforços para tanto, não poderá ser admitida a caracterização de culpa "in vigilando", "in eligendo" ou "in omittendo.
Tal medida mostra-se crucial para se evitar eventuais futuras condenações judiciais, já que caberá a administração produzir as provas necessárias com o fito de demonstrar a fiscalização efetiva quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas por parte do particular contratado.
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1 "IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial."
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*Elaine Cristina Bertoldo é advogada, consultora, parecerista e palestrante, com experiência de 20 anos na área de licitações e contratações públicas.