A relevância do leading case do STJ sobre a exclusão do ICMS da base da contribuição previdenciária
Nos parece que, com base no precedente definitivo do STJ, os contribuintes que já discutem a exclusão do ICMS da base da CPRB deverão obter êxito em seus processos individuais, recuperando os valores pagos a maior no passado.
sexta-feira, 10 de maio de 2019
Atualizado em 9 de maio de 2019 14:50
Recentemente, e como foi amplamente divulgado, o STJ determinou que o ICMS não integra a base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta ("CPRB"), prevista na lei 12.546/111. O julgamento se deu em sede de recurso repetitivo, representando, assim, o posicionamento final do Tribunal2.
Em seu voto, a relatora ministra Regina Helena Costa destacou e rebateu de forma detalhada o posicionamento fazendário.
Note-se que a Fazenda inicialmente argumentou que não se poderia excluir o ICMS da base da CPRB, pois o imposto estadual representaria custo e integraria o preço da mercadoria, devendo, assim, compor a receita bruta.
A esse respeito, porém, a relatora entendeu que a base de cálculo da CPRB deveria guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos estranhos tal qual o alargamento de base por intermédio da inclusão de outros tributos, situação denominada "tributo sobre tributo", assim como o STF verificou no caso do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins.
Ainda, destacou que nem toda entrada é receita, mas somente aquela que passa a pertencer à empresa, ou seja, que venha a integrar com definitividade o patrimônio do contribuinte, fazendo referência, novamente, ao julgamento do STF da exclusão do ICMS da base do PIS/Cofins.
A relatora também ressaltou que o próprio STF já expandiu o seu posicionamento firmado leading case do ICMS na base do PIS/Cofins para as demandas envolvendo a inclusão do imposto na base de cálculo da CPRB3 e apontou que, sob o prisma infraconstitucional, as turmas de Direito Público do STJ também já firmaram entendimento favorável à tese4.
No entanto, vale apontarmos, no âmbito do STF, a existência de uma decisão monocrática - ainda que isolada - proferida pelo ministro Gilmar Mendes contrária aos contribuintes5. Para o referido ministro, o ICMS deveria compor a base de cálculo da CPRB, porque, sendo um benefício concedido pelo legislador e de caráter optativo pelo contribuinte, este deveria se sujeitar a todas exigências do regime, pois "não pode o contribuinte optar por regime tributário mais favorecido e ao mesmo tempo combiná-lo com características mais benéficas do regime geral de tributação."
Nos parece, contudo, que esse raciocínio6 não deveria ser aplicado à CPRB. Isso porque, no período compreendido entre a instituição da contribuição em 3/8/11 (MP 540) a 30/11/15 (antes da vigência da lei 13.161/15), o regime de tributação das empresas pela CPRB, elencadas nos dispositivos dos artigos 7º e 8º, era compulsório. Somente a partir da vigência da lei 13.161/15 é que o regime passou a ser facultativo.
Realmente, no período citado, para contribuintes sujeitos aos dispositivos da lei 12.546/11 não havia opção mais benéfica entre regimes de tributação, ou seja, não existia opção, mas imposição por determinação legal. Dessa maneira, argumentar que o contribuinte poderia optar por um regime ou outro e combinar características mais benéficas do regime geral seria desprezar a então redação dos artigos 7º e 8º da referida lei. Aliás, esse foi também o posicionamento adotado pelo STJ na recente decisão analisada.
Cumpre destacar que o STJ não só reconheceu que houve um período em que os contribuintes eram obrigados a se sujeitar ao regime da CPRB, mas também concluiu que, ainda que a atual sistemática de tributação tenha caráter eletivo e não obrigatório, tal faculdade não impactaria em nada a constatação de que o ICMS continua sendo ingresso transitório que não compõe o faturamento ou receita da empresa, "estranho, portanto, ao critério normativo definidor da composição da base de cálculo das contribuições".
Por último, a Fazenda argumentou que, de acordo com a legislação previdenciária7, seria possível a exclusão do ICMS da base de cálculo apenas nas hipóteses em que o vendedor dos bens ou o prestador de serviços é substituto tributário. Logo, a inclusão seria válida em todas as demais hipóteses.
Quanto a esse ponto, merece menção o voto da relatora no sentido da ilegalidade da legislação previdenciária. Dessa forma, independente de envolver a substituição tributária ou não, o STJ entendeu totalmente inviável a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB.
A despeito de a decisão do STJ ter sido unânime, vale apontar a observação contida no voto-vista do ministro Gurgel Faria a respeito da abrangência do julgamento.
O referido ministro ressalvou que a decisão não serviria para legitimar, por si só, a exclusão do ICMS da base de cálculo de outros tributos, pois a Constituição Federal8, ao exigir lei específica para a redução de base de cálculo de impostos, taxas e contribuições, denotaria não ser extensível uma decisão judicial a respeito de um tributo a outro, com exceção daqueles que já foram julgados inconstitucionais.
Nesse sentido, pela leitura do voto-vista, é possível identificar certa preocupação do STJ no que tange à aplicação irrestrita de teses firmadas em precedentes judiciais para casos similares, como é o caso, por exemplo, da exclusão do ISS da base da CPRP, cuja lógica deveria ser exatamente a mesma que foi aplicada no caso analisado envolvendo a exclusão do ICMS.
Diante de todo o exposto, nos parece que, com base no precedente definitivo do STJ, os contribuintes que já discutem a exclusão do ICMS da base da CPRB deverão obter êxito em seus processos individuais, recuperando os valores pagos a maior no passado, e aqueles que não tem demandas em curso também poderão deixar de excluir o ICMS e poderão, a princípio, tentar recuperar valores pagos nos últimos 5 anos.
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1 Instituída pela medida provisória ("MP") 540/2011, convertida na lei 12.546/2011.
2 Recursos Especiais s 1.638.772, 1.624.297 e 1.629.001. Cumpre mencionar que, em 26.4.2019, o Plenário do STF deu início a julgamento para definir a existência de questão constitucional e repercussão geral da exclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB (RE 1.187.264), o que poderia, no pior cenário, levar à uma nova análise do tema pelo Supremo, a despeito da pacificação pelo STJ.
3 RE 1.089.337/PB, RE 1.015.285/RS e RE 1.098.816/SC e demais decisões monocráticas.
4 REsp 1.694.357/CE; REsp 1.568.493/RS; REsp 1.650.491/RS; e AgInt no REsp 1.592.338/SC.
5 RE 954.262/RS.
6 Observe-se que esse raciocínio também é aplicado nos casos de exclusão do ICMS do lucro presumido de IRPJ/CSL.
7 "Art. 9o. Para fins do disposto nos arts. 7o e 8o desta lei: (...) § 7o. Para efeito da determinação da base de cálculo, podem ser excluídos da receita bruta: (...) IV - o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário".
8 Artigo 150, § 6º, da Constituição Federal.
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*Cristiane I. Matsumoto é sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Mariana Monte Alegre de Paiva é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Henrique Wagner de Lima Dias é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.