Não precisamos de - mais - uma primeira emenda
Sendo sabido e consabido que quem detrata pode ser responsabilizado, seja civil, seja penalmente, não nos parece que a circunstância do debate envolver nuances jurídicas seja, por si só, causa da apatia quanto ao tema.
quinta-feira, 25 de abril de 2019
Atualizado em 23 de abril de 2019 14:40
Para além da discussão acerca da juridicidade ou não do presidente do STF instaurar inquérito e distribuí-lo à míngua de sorteio, à luz do seu regimento interno, bem como da legalidade ou não de decisão monocrática cercear a difusão de notícia por veículos de informação, desperta a atenção a ausência de maiores reclamos no âmbito da sociedade civil, para além dos operadores de direito e da imprensa em si, sobre as consequências de referido precedente.
Sendo sabido e consabido que quem detrata pode ser responsabilizado, seja civil, seja penalmente, não nos parece que a circunstância do debate envolver nuances jurídicas seja, por si só, causa da apatia quanto ao tema.
É como se cidadãos que habitam um dos países com maior taxa de utilização do WhatsApp no mundo e que congrega número de celulares superior ao seu quantitativo de habitantes (cerca de 240.000.000 de linhas ativas), que conhecem bem seus direitos enquanto consumidores (a experiência empírica mostra que a expertise nessa seara perpassa o bacharelado em direito....), simplesmente não se pasmassem por uma decisão de sua mais alta Corte de Justiça refrear a possibilidade de difusão de notícias.
Não se está aqui a defender ofensa moral à pessoa de qualquer servidor público, menos ainda daquela do presidente da Suprema Corte, mas sim a perquirir a razão pela qual uma sociedade que preza o ato de se comunicar e interagir - a sociabilidade brasileira é mundialmente enaltecida - não questiona tutela inibitória de tal prerrogativa fundamental.
Se a latinidade nos impele à sociabilização, é digno de nota que povos não latinos parecem, na atual quadra, valorizar mais o direito de professar livremente sua opinião, base ontológica do direito à imprensa livre, do que os habitantes destes trópicos.
A constituição norte-americana, de 1788, para ficar apenas num único exemplo, desde sua primeiríssima emenda, de 1791, assinala como sacrossanta a liberdade de manifestação ("free speach") e o seu consectário, a liberdade de imprensa ("free press"), garantias essas reafirmadas pela sua Suprema Corte sempre que provocada (o famoso caso Jerry Falwell x Larry Flynt é didático), base jurídica essa que não destoa daquela do art. 5º, IX, da nossa Carta Constitucional.
No sobredito caso, a Suprema Corte americana asseverou "No coração da Primeira Emenda está o reconhecimento da importância fundamental do livre fluxo de ideias e opiniões sobre questões de interesse e preocupação pública. A liberdade de falar o que pensamos não é apenas um aspecto da liberdade individual, mas também é essencial para a busca comum da verdade e da vitalidade da sociedade como um todo. Temos, portanto, sido particularmente vigilantes para assegurar que as expressões individuais de ideias permaneçam livres de sanções impostas pelo governo" (grifos nossos). Essas balizas se aplicam, tanto por tanto, abaixo da linha do equador.
Nosso Supremo, a bem da verdade, pontilha sua jurisprudência com decisões desse jaez, exemplos das quais a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130/DF (relator ministro Carlos Ayres Brito), julgada em 2009, e a ADIn 2.566/DF (redator para o acórdão o ministro Edson Fachin), julgada em 2018, precedentes esses que, dentre outros tantos, assentam a primazia da liberdade de expressão, sob quaisquer de suas vertentes (arts. 5º, IX e 220, do Texto Maior).
Nesse enfoque, cargos e posições que atraiam notoriedade redundam em maior exposição pública, colocando seus dignos ocupantes sob contraste e comentários diuturnos. Os excessos, obviamente, hão de ser sancionados, sempre. Mas na forma da lei e de seu regramento maior, a Constituição da República.
Como bem assinalou o decano do STF, ministro Celso de Mello, "A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República". Sabemos dos nossos direitos. Não precisamos de - mais - uma primeira emenda!
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*Erik Limongi Sial é sócio fundador do Limongi Sial & Reynaldo Alves Advocacia e Consultoria Jurídica.