O que a série You pode te ensinar sobre o direito à privacidade
Um thriller de suspense visto de outra perspectiva
terça-feira, 16 de abril de 2019
Atualizado em 15 de abril de 2019 15:18
A série americana You (Você) se tornou uma das queridinhas no último ano. Em dez episódios é possível estar "dentro" da cabeça de Joe Goldberg, um stalker que entra na vida da aspirante a escritora Guinevere Beck. Você pode estar lendo e pensando: Ok, mas o que essa série tem haver com o direito à privacidade?
Ocorre que no começo da série os protagonistas não engataram um romance ou eram amigos, mas ainda assim, Joe invade a privacidade de Beck constantemente (por vezes de forma assustadora). Isso acaba ficando claro quando ele se utiliza de um celular dela para saber tudo da vida da protagonista, desde senhas, e-mails, conversas particulares, fotos e tudo mais que estivesse armazenado no celular.
Nas redes sociais e afins, a série foi tema de diversas discussões, mas uma em especial chamou minha atenção, a teoria de que Beck teria exposto sua vida em excesso, como ao publicar fotos de lugares que frequentava e deixar seu endereço residencial disponível na rede. Acontece que a invasão ao espaço pessoal dela se dá de forma absurdamente fora do normal, ainda mais quando Joe se utiliza de um celular que era de propriedade de Beck para ter acesso a sua vida privada.
A invasão de privacidade é muito recorrente, como o vazamento de fotos íntimas, acesso sem permissão a aparelho de celular alheio, divulgação conversas privadas, o que não falta na atualidade são casos verídicos em que a intimidade de uma pessoa foi exposta. Para alguns pode não ter importância, mas para a lei, tal fato não é irrelevante.
No Brasil o direito à privacidade está previsto na Constituição Federal, dispondo que a vida privada é inviolável, ou seja, toda pessoa tem direito a sua vida privada sem interferência de terceiros. É um direito absoluto? Não, pois em nosso país nenhum direito é absoluto. Contudo, não deixa de ser um direito da personalidade de qualquer indivíduo e que possui devida proteção constitucional.
Entende-se como vida privada as relações íntimas do cidadão, como suas relações familiares, telefônicas e de correspondência, bancárias, fiscais, etc. São aquelas que detém na lei a devida proteção contra a divulgação ao público.
Além disso, o Código Civil também cuida do assunto, citando que se a pessoa teve sua privacidade invadida poderá requerer ao juiz providências necessárias para impedir ou fazer cessar o ato. Destacando que atitudes invasivas, normalmente se dão com a publicação indevida e sem autorização de conteúdos privados.
Ocorre que a divulgação de conteúdo privado alheio (o que também acontece na série, sem spoilers) pode ensejar o pagamento de indenização em razão da violação de um direito fundamental.
É importante ressaltar que para caracterizar dano a pessoa deve ter sido afetada e não ter sofrido mero aborrecimento da vida cotidiana. O indivíduo deve ter sofrido um prejuízo imaterial, ou seja, que tenha afetado diretamente a saúde psíquica, causando uma anormalidade na vida da vítima. Nesses casos, o dano moral tem o objetivo de reparar a violação ao direito da personalidade da pessoa.
Por mais que a série seja um thriller fantástico sobre como funciona a cabeça de um skalker/psicopata, também se torna um alerta de como a vida pessoal pode ser invadida sem que notemos.
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BRITO, Daniela de Oliveira. Há dano ao invadir avida privada e a intimidade de uma pessoa ferindo a tutela constitucional?
SÁ, Gillielson Maurício Kennedy de. O que é dano moral? Conceito, características básicas e dispositivos legais pertinentes.
NETO, Sebastião de Assis; JESUS, Marcelo de; MELO; Maria Izabel. Manual de Direito Civil. Volume Único. 6ª Edição. Editora Juspodivm. 2017. Pág. 185,186.
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*Alice Aquino Delgado é advogada atuante na área cível, com destaque em recuperação de crédito.