Ainda se pode exigir condição formal para reconhecer personalidade sindical?
A aquisição da personalidade sindical, diferentemente da personalidade jurídica, é decorrente do exercício da liberdade sindical e sua representatividade vis à vis os trabalhadores que formaram o sindicato transferindo para a entidade apoio e capacidade para falar em nome da autonomia privada coletiva.
sexta-feira, 12 de abril de 2019
Atualizado em 10 de abril de 2019 16:15
O informativo TST 192, noticiou decisão da SBDI-II daquela Corte Superior sob o tema que enfrenta o direito à liberdade de associação profissional ou sindical e condições para a aquisição da personalidade sindical que merecem reflexão. Diz respeito, ainda, às expectativas que a jurisprudência poderá tomar diante da transformação inexorável pela qual passarão os trabalhadores na sua organização sindical por meio de sindicatos legítimos e representativos, atentando para a convenção 87, da OIT, que trata do exercício da liberdade sindical e as garantias dela decorrentes e que se estende aos seus dirigentes.
O confronto posto é o do exercício da liberdade sindical e as exigências formais de reconhecimento deste direito para a aquisição da personalidade sindical. A publicação em comento assim se expressa:
Mandado de segurança. Ausência de comprovação do pedido de registro da entidade sindical perante o Ministério do Trabalho. Reconhecimento da garantia provisória de emprego. Impossibilidade. A ausência de comprovação do pedido de registro de entidade sindical perante o Ministério do Trabalho impede o reconhecimento da garantia provisória de emprego assegurada aos dirigentes sindicais, não sendo suficiente o depósito dos atos constitutivos do sindicato no cartório apropriado. Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admita a concessão da estabilidade sindical durante o trâmite do processo de registro, no caso não houve sequer prova da formalização da postulação de aquisição da personalidade jurídica sindical junto à autoridade competente, circunstância que impede o reconhecimento do direito à reintegração. Sob esse entendimento, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento para manter a decisão que concedeu a segurança para cassar a tutela antecipatória que determinara a reintegração dos dirigentes sindicais dispensados sem prévio inquérito judicial. Vencidos os Ministros Maria Helena Mallmann, relatora, Delaíde Miranda Arantes e Lelio Bentes Corrêa. TST-RO-293-31.2016.5.20.0000, SBDI-II, rel. min. Maria Helena Mallmann, red. p/ acórdão min. Douglas Alencar Rodrigues, 19/3/19.
Anteriormente à Constituição Federal, em 1985, o C. TST editou a súmula 222 e considerou gozarem da estabilidade provisória os dirigentes de associações profissionais legalmente registradas ("Os dirigentes de associações profissionais, legalmente registradas, gozam de estabilidade provisória no emprego"). A súmula foi cancelada em 24/8/98. O fundamento essencial era de que, naquela época, a associação profissional funcionava como embrião da formação de sindicatos e que, depois da Constituição de 1988, não é mais pré-requisito para o reconhecimento de sindicatos e desaparecera a formalidade legal. Sindicatos e associações profissionais podem ser formados livremente a teor do que dispõe o artigo 8º, caput, da Carta Maior.
No caso examinado, trata-se de sindicato que fora constituído formalmente, com depósito de seus atos em cartório apropriado e cujos dirigentes sindicais foram dispensados sem reconhecimento da estabilidade provisória, ao fundamento de que não havia o registro perante a autoridade competente para que pudesse adquirir a personalidade sindical.
Deste modo ficam dois aspectos relevantes para o reconhecimento da personalidade sindical: a obrigatoriedade de registro perante autoridade e o exercício da liberdade de formação de associação profissional ou sindical.
O TST, conforme já referido, se posicionou no passado, em tempos de regime militar, favoravelmente ao reconhecimento da estabilidade de dirigentes de associação profissional para que não se aniquilassem os sindicatos no seu nascedouro. Da mesma forma, nos dias atuais, a formação de sindicatos é livre e sua legitimidade é extensiva aos dirigentes sindicais eleitos, sob pena de se perpetuar o monopólio de representação sem representatividade.
A obrigatoriedade de registro perante a autoridade competente sempre foi mero ato de natureza administrativa que serviu ao longo do tempo para garantia do recebimento da contribuição sindical obrigatória que, agora tornada facultativa pela reforma trabalhista, fragiliza o interesse jurídico do registro porquanto necessariamente serão reconhecidos sindicatos sem contribuição sindical compulsória e que se apresentem com legitimidade na representação dos trabalhadores.
A aquisição da personalidade sindical, diferentemente da personalidade jurídica, é decorrente do exercício da liberdade sindical e sua representatividade vis à vis os trabalhadores que formaram o sindicato transferindo para a entidade apoio e capacidade para falar em nome da autonomia privada coletiva.
A convenção 87 da OIT, no art. 7º, não valoriza a condição formal para o reconhecimento de entidade sindical e informa que: "A aquisição da personalidade jurídica pelas organizações de trabalhadores e de empregadores, suas federações e confederações não pode ficar sujeita a condições cuja natureza limite a aplicação das disposições relativas à liberdade sindical". E, neste sentido, o art. 8º, inciso I, da Constituição Federal foi determinante na proibição de intervenção estatal e, por assim dizer, poderia o sindicato estar condicionado ao registro perante autoridade competente.
Deste modo, ainda prevaleceu no julgado do TST a liberdade sindical condicionada ao reconhecimento formal por meio de registro perante a autoridade competente para a aquisição da personalidade sindical. Todavia, a dinâmica das relações coletivas, talvez para o futuro não muito distante, obrigará à revisão e reflexões de entendimentos conservadores quanto à organização sindical.
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*Paulo Sergio João é sócio do escritório Paulo Sergio João Advogados e professor de Direito Trabalhista da PUC-SP e FGV-SP.