O pedido de vista no âmbito do STJ
O delicado equilíbrio entre os princípios da celeridade e do livre convencimento
sexta-feira, 12 de abril de 2019
Atualizado em 10 de abril de 2019 15:47
O pedido de vista, enquanto contingência inerente à prestação jurisdicional em grau de recurso, ocorre quando não são suficientes as informações contidas nos votos já proferidos ou nos debates entre os integrantes do colegiado, atraindo a necessidade de um estudo mais detido, para que determinado vogal forme o seu posicionamento. Trata-se, pois, de aspecto imprescindível para que a prestação jurisdicional possa, a partir da convicção racional de cada julgador, aperfeiçoar-se em um julgamento independente e justo. E o Superior Tribunal de Justiça, na sua função de ditar a interpretação da legislação federal infraconstitucional, exige um elevado grau de profundidade no trato de certas questões, tornando recorrentes os pedidos de vista naquela Corte.
Nada obstante a sua imprescindibilidade - e até mesmo em razão dela -, o pedido de vista traz consigo a postergação do resultado, com mácula, portanto, do princípio da duração razoável do processo1 e da efetiva prestação jurisdicional2, a demandar uma constante busca na otimização desse ato processual discricionário.
Atualmente, vários fatores contribuem para o contingenciamento dos pedidos de vista no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, em ocorrência bastante mitigada em face da tramitação virtual dos processos naquela Corte, com as pautas de julgamento divulgadas com razoável antecedência, adotando-se, ainda, a sistemática de os relatores disponibilizarem seus votos aos demais julgadores, em cenário que propicia a análise prévia por todos os membros do colegiado.
Mas há, também, a mobilização dos ministros do STJ, em especial dos integrantes da comissão do regimento interno, em se buscar a racionalização dos pedidos de vista, com sucessivas alterações do RISTJ, a exemplo da emenda regimental 17, que, em 17/12/14, alterou o artigo 162 do regimento interno.
A aludida alteração regimental, muito debatida por ocasião da sua elaboração, passou a evitar que pedidos de vista se estendam por mais de 3 meses (60 dias, prorrogáveis, mediante autorização do colegiado, por mais 30 dias), em previsão regimental mantida mesmo diante da redação do artigo 940, § 1º, do CPC/15, que, em linha ainda mais austera, impõe que os votos-vistas sejam proferidos no prazo de dez dias, interpretando o STJ, porém, que essa regra se restringe aos tribunais de segunda instância.
Recentemente, foi editada, em 21 de março de 2019, pelo atual presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, a portaria STJ/GP 94, na previsão de que ''Os processos com pedido de vista serão incluídos na pauta da sessão da Corte Especial imediatamente posterior à data do vencimento do prazo regimental, com ou sem voto-vista''. Ou seja, os processos com pedido de vista que extrapole noventa dias (ou apenas sessenta, se não houver prorrogação por mais trinta dias) serão incluídos em pauta independente da iniciativa do ministro que pediu vista, em situação que permitirá aos demais ministros votarem, possibilitando (na verdade, impondo) que o ministro autor do pedido de vista vote ou justifique a impossibilidade de assim proceder, para que o plenário delibere a respeito.
Agora, mais uma alteração do regimento interno do STJ se anuncia, prevendo-se para o início de maio, em sessão administrativa plenária, a discussão de projeto de emenda regimental voltado e instituir, no âmbito da Corte Especial, a vista coletiva, que terá lugar, automaticamente, a partir do segundo pedido de vista em um mesmo processo, na expectativa de que se imponha a todos os demais ministros votarem quando da retomada do julgamento, devendo se estabelecer - é de se supor - um prazo comum para tanto, sem possibilidade de novos pedidos de vista.
Essa é uma prática já adotada no Congresso Nacional, em que projetos de lei são, em determinados casos, submetidos à vista coletiva, para que os membros de uma mesma Comissão Parlamentar sejam todos levados a votar em sessão subsequente, impedindo-se, com isso, que pedidos de vista se eternizem em detrimento do processo legislativo.
Ocorre, no entanto, que a atuação jurisdicional, em atividade extremante complexa3, tem suas nuances, sobretudo em uma Corte de precedentes como o STJ, não se podendo cogitar que um ministro seja compelido a votar - ou, o que também seria grave, autorizado a não votar -, na hipótese de subsistir, em algum grau, hesitação em definir seu posicionamento. Não é demais lembrar que o propósito do colegiado é buscar a construção de um posicionamento majoritário, a partir do aprofundamento do debate.
Cabe nesse ponto a elucubração de que a dúvida bem pode surgir quando do segundo voto-vista, em decorrência dos debates correlatos, com a possibilidade até mesmo de o próprio relator vir a mudar o seu voto, afetando a sustentação/convicção daqueles que, simplesmente, o acompanharam. Não se deve descartar, ademais, que surja uma nova vertente de entendimento ou a necessidade de modulação dos efeitos do julgado, em alternativas de resultado sequer cogitadas nos votos já externados até ali, em circunstância que autoriza (em rigor, recomenda) um novo pedido de vista para melhor exame.
Essas, sem dúvida, são questões relevantes, merecendo preocupação, ainda, a higidez constitucional dessa iminente alteração do RISTJ, porquanto é de competência exclusiva do congresso legislar sobre a criação de novos institutos processuais, em aspectos que, certamente, haverão de ser enfrentados para introdução de mais essa emenda regimental envolvendo o pedido de vista. Quem sabe um bom caminho a se trilhar seja restabelecer a proposta inicial do projeto da emenda regimental 17/14, que aventava o trancamento da pauta do ministro que extrapolasse o prazo regimental de pedido de vista, impedindo-o de levar a julgamento outros processos antes da prolação do voto-vista pendente.
De toda sorte, fica aqui a torcida, em convicção que já se tem, de não se fazer tábula rasa do princípio do livre convencimento, que, embora mitigado em algumas passagens do atual Código, tal qual ocorre na aplicação de teses firmadas em recursos repetitivos ou em súmulas vinculantes, segue como um princípio constitucional atrelado ao devido processo legal4, mas isso é um outro debate.
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1 Na Corte Especial do STJ, composta por quinze ministros, os pedidos de vista acarretam demasiada delonga no julgamento, sendo exemplo disso o ERESP 1.169.126/RS, em julgamento iniciado em dezembro de 2015 e concluído somente em março de 2019.
2 Em episódio emblemático acerca dos malfazejos efeitos de pedidos de vista demasiadamente longos, cita-se o EAg 884.487/SP (Corte Especial/STJ), em que, dada a quantidade e demora de pedidos de vista, foram colhidos dois votos em situação de duplicidade. Isso porque, diante da necessidade do voto minerva do presidente da Corte (à época, em 15/12/2010, ministro Ari Pargendler), que, no curso do julgamento, havia sido, enquanto vogal, substituído, em virtude de ausência ocasional, por outro ministro, o que passou desapercebido, gerando, assim, nulidade do acórdão, constatada em embargos declaratórios.
3 Em pertinente abordagem sobre o tema, Rodolfo Wild registra que ''o juiz, antes de deliberar, deve tomar conhecimento de todos os atos do processo, entende-los, interpretá-los, valorá-los e utilizar o resultado dessas atividades de tal maneira que representem o elemento determinante do seu pensamento. (Wild, Rodolfo. O Princípio do Livre Convencimento no CPC/15. Porto Alegre. 2018. Ed. Livraria do Advogado, pág. 103)
4 Este articulista já teve oportunidade de apontar, em comentário ao artigo 1º do CPC/15, que ''O CPC/15 elegeu, acertadamente, como sua principal aptidão propiciar um processo justo e célere, imprimindo-lhe maior grau de eficácia, em propensão revelada nos seus 12 primeiros artigos, seja diante da primazia da liberdade e igualdade das partes, ditada nos artigos 1º, 2º e 3º, ou da garantia à razoável duração do processo, que emana dos artigos 4º e 12, sendo nítido o redimensionamento das relações entre as partes e entre estas e o juiz, conjugando-se colaboração e contraditório, em prol da eficiência do processo civil (artigos 5º ao 11)'' (Guilherme Pimenta da Veiga Neves, no Livro Comentários a Código de Processo Civil, Coordenadores: Araken de Assis, Eduardo Arruda Alvim, Angélica Arruda Alvim e George Salomão Leite, Ed. Saraiva, 2ª edição, 2017, pág. 56)
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*Guilherme Pimenta da Veiga Neves é advogado do escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica.