Criminalização do assédio moral vai exigir conscientização e investimentos das empresas
O projeto foi aprovado sob críticas quanto à dificuldade de tipificar a conduta. E os críticos têm certa razão, haja visto o histórico de discussão do tema na Justiça do trabalho sobre os limites entre a conduta abusiva e o poder de direção dos gestores.
quinta-feira, 4 de abril de 2019
Atualizado em 2 de abril de 2019 15:24
A criminalização do assédio moral, tema de reiterada atenção no mundo corporativo, ganha nova abordagem com a recente aprovação da PL 4742/01 no Plenário da Câmara dos Deputados em 12/3/19, que propõe criminalizar o assédio moral no ambiente de trabalho. A proposta segue para o Senado e, caso aprovada, e sancionada pelo Presidente da República, vai reforçar a necessidade das empresas em adotar medidas preventivas e de conscientização de líderes e colaboradores.
Com a aprovação do projeto, que pretende incluir o art. 146-A no Código Penal Brasileiro, a tipificação na seara criminal ficaria com a seguinte redação:
Art. 146-A. Ofender reiteradamente a dignidade de alguém causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Somente se procede mediante representação, que será irretratável.
§ 2º A pena é aumentada em até 1/3 (um terço) se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.
§ 3º Na ocorrência de transação penal, esta deverá ter caráter pedagógico e conscientizador contra o assédio moral.
O projeto foi aprovado sob críticas quanto à dificuldade de tipificar a conduta. E os críticos têm certa razão, haja visto o histórico de discussão do tema na Justiça do trabalho sobre os limites entre a conduta abusiva e o poder de direção dos gestores.
O texto aproxima-se da definição do instituto na seara trabalhista, em que o assédio moral é tipificado por uma conduta abusiva que, em regra, é mais observada quando há diferença hierárquica de uma das partes.
Contudo, as mesmas dificuldades de enquadramento existentes nas relações de trabalho serão observadas nas questões criminais, dada a forte carga subjetiva existente no conceito de assédio moral.
Fato é que a proposta segue adiante e traduz a maior reprovação e o olhar mais atento da sociedade para este tipo de conduta, bem como a cobrança por resposta das instituições públicas e privadas, no sentido de coibi-la.
Vale ressaltar que essa não é uma primeira medida normativa visando a reprimir o assédio moral, uma vez que há outros dispositivos, como a Portaria do Ministério Público do Trabalho 583, de 22/5/17, cuja finalidade foi estabelecer princípios, diretrizes e ações para a prevenção e o combate ao assédio moral.
Outro importante instituto, com impacto nas relações comerciais, é a lei 11.948, de 16/6/09, que em seu art. 4º veda a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente.
Todo esse contexto traz à tona, novamente, a discussão sobre os potenciais riscos e prejuízos a que estão sujeitas as instituições que não investirem na reformulação de seus valores corporativos e constantes treinamentos e fiscalização de seus gestores. Inúmeras empresas enfrentam esses problemas por desconhecerem as condutas que podem ou não ser enquadradas como abusivas, bem como a resistência de seus líderes às mudanças nas práticas de gestão.
Vale ressaltar que a provável confirmação da criminalização da conduta e, consequentemente, sua reprovação, estimulará o aumento das denúncias pelas vítimas, número que já é razoável. Levantamento feito pelo TST entre janeiro e fevereiro de 2017 mostrou que, apenas naquele período, as Varas trabalhistas receberam 22.574 novos processos por assédio moral.
Ou seja, não há dúvidas de que os reflexos decorrentes da desatenção quanto ao tema podem ser desastrosos, afetando de maneira orgânica as empresas com a redução da eficácia de seus colaboradores, perda de talentos, dificuldade de recrutamento de novos talentos potenciais, além de redução do valor da marca no mercado e perda de parcerias comerciais.
Tais consequências são mais que ilações óbvias, mas também conclusões de estudos ligados ao tema. Desde da década de 90, o assédio moral é objeto de pesquisa, tendo como pioneiros os trabalhos realizados pela psiquiatra e psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen, que popularizou o termo "assédio moral", e pelo psicólogo sueco Heyns Leymann, que cunhou o conhecido termo mobbing em seus trabalhos.
As pesquisas destacaram o grande impacto negativo na autoestima, na produtividade e nas relações sociais dos trabalhadores vítimas de assédio moral. Não à toa, a França e a Suécia são os pioneiros na legislação sobre a conduta.
Outros países como Chile, Noruega, Uruguai, Portugal, Suíça e Bélgica também já contam com legislação e projetos de lei sobre o assédio moral (fonte: www.assediomoral.org).
Fato é que há uma notória tendência mundial no sentido de criminalizar o assédio moral, gerando um crescente movimento da sociedade na demanda por novos valores nas relações profissionais e comerciais.
Desta forma, o PL 4742/01, cria novos desafios às empresas, principalmente aos setores jurídicos e de recursos humanos - que terão de investir no estabelecimento e na implementação de políticas internas de conduta e, principalmente, em conhecimento jurídico, treinamento e conscientização dos colaboradores.
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*Thiago Pinto Avila é advogado do escritório Rocha e Barcellos Advogados.