Projeto da nova lei de falências e recuperação judicial extingue as quatro classes de credores
Os credores deixaram de ser simplesmente partes processuais e se tornaram voz ativa nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial da empresa recuperanda, que só é aprovado por meio de votação em Assembleia.
quinta-feira, 28 de março de 2019
Atualizado em 27 de março de 2019 07:20
Não é de hoje que a lei de falências e recuperação Judicial (11.101/05) sofre críticas por diversos doutrinadores e advogados. Passados mais de 13 (treze) anos, desde a sua promulgação, e os Poderes Executivo e Legislativo não viram outra opção a não ser elaborar um novo projeto que preencha as exigências trazidas pelos críticos.
Em 2018, foi levado à Câmara dos Deputados, o projeto denominado PL 10.220/18, propondo alterações significativas, como, por exemplo, a (i) competência para ajuizamento da ação; (ii) a utilização da internet para divulgação dos atos processuais, extinguindo-se a necessidade de publicações de editais; (iii) a alteração do prazo para o início do stay period com a consequente suspensão das execuções contra o devedor; e a (iv) extinção das quatro classes legais de credores existentes no sistema atual.
Desde a extinção do Instituto da Concordata e do início da lei vigente, os credores são segregados em 4 (quatro) classes legais: titulares de créditos derivados da legislação do trabalho (classe I); titulares de créditos com garantia real (classe II); titulares de créditos quirografários, (classe III); e titulares de créditos vinculados à microempresa ou à empresa de pequeno porte (classe IV).
A divisão tem por finalidade garantir equilíbrio entre os credores no processo de recuperação judicial, além de assegurar um tratamento proporcional no momento do pagamento, obedecendo uma ordem de preferência, preestabelecida em lei, para o recebimento dos valores habilitados nos autos.
Os credores deixaram de ser simplesmente partes processuais e se tornaram voz ativa nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial da empresa recuperanda, que só é aprovado por meio de votação em Assembleia, conforme estabelecido no art. 45.
As decisões adotadas na assembleia permitem aos credores e à recuperanda deliberarem sobre prazos, cláusulas condicionais e formas de pagamentos, o que é crucial para a solução de crises empresariais.
A regra estabelece que as classes I e IV devem votar por cabeça, não importando o valor do crédito de cada um dos seus integrantes, e a aprovação da proposta ocorrerá pela maioria simples. Às demais classes, II e III, por sua vez, devem aprovar a proposta por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes na assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
No entanto, a segregação dos credores em classes distintas é combatida pelos interessados no tema, já que não leva em consideração os principais interesses dos credores, mas tão somente a natureza do seu crédito.
Hoje em dia é muito comum, em planos de recuperação judicial mais criativos, a criação de subclasses de credores dentro de uma mesma classe, ante a possibilidade de existirem interesses completamente divergentes entre os integrantes.
As subclasses são criadas sem violar o princípio par condicio creditorum, que determina que os credores incluídos em uma mesma classe devem ser tratados de forma igual, como quando são criadas classes de credores preferencias: fornecedores e colaboradores da empresa recuperanda.
Nos termos do novo projeto de lei e seguindo a tendência de outros países como Alemanha, Itália e Estados Unidos, a PL 10.220/18 transfere à recuperanda o poder de classificar as classes de seus credores, de acordo com critérios estabelecidos no próprio plano de recuperação.
A extinção das 4 (quatro) classes de credores, conforme o projeto, exige que os credores de cada classe tenham interesses homogêneos, observando-se a natureza e o grau de importância de seu crédito.
Ocorre que a nova lei, sequer foi analisada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, e já causa preocupações para comunidade jurídica e empresarial. Uma questão fica em aberto: a existência de uma sistemática flexível de classificação de credores abrirá margens para a manipulação de classes, com a intenção de favorecimento de determinados credores?
Nota-se que, da mesma forma que o projeto possibilitará uma melhor separação dos credores, permitindo que haja uma maior homogeneidade entre aqueles que compõem uma mesma classe, é fato que a liberdade conferida ao devedor, em sérias dificuldades financeiras, trará dificuldades para o judiciário evitar manipulações, sendo necessário que o legislador estabeleça limites antes da sua aprovação.
Ao analisar o novo projeto, fica fácil enxergar que a melhor maneira de se evitar manipulações é não permitindo a reunião de créditos distintos em uma mesma classe.
A proposta é interessante e merece debates mais aprofundados para afastamento de qualquer insegurança jurídica. Afinal, se bem usada, a nova lei poderá assegurar a continuidade do negócio da recuperanda e manter os empregos, e, ao mesmo tempo, impedir que a medida se torne uma armadilha para os credores, garantindo seus pagamentos, ainda que de forma parcial.
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*Vitor Dias Conceição é advogado no escritório Rocha e Barcellos Advogados .