Uma lição importante para as privatizações
O mérito da discussão concorrencial está nas peculiaridades do caso concreto, sobretudo pela caracterização do atendimento isolado dos polos de distribuição no estado do Amazonas e pelas integrações verticais geradas em decorrência da operação, haja vista a atuação do novo controlador no mercado de geração de energia elétrica, inclusive no mercado de venda e locação de geradores na região Norte do país.
quinta-feira, 28 de março de 2019
Atualizado em 26 de março de 2019 14:23
Em meio ao frenesi da privatização de empresas estatais, entende-se importante refletir sobre o processo de alienação de controle da Amazonas Energia, subsidiária de distribuição da Eletrobras, e tirar importantes lições. Adiantando a conclusão desse breve artigo: deve-se tomar cuidado com os impactos concorrenciais da operação, para evitar não só atraso para concluir a transação, como também para afastar a responsabilização das empresas interessadas em adquirir os ativos.
O mérito da discussão concorrencial está nas peculiaridades do caso concreto, sobretudo pela caracterização do atendimento isolado dos polos de distribuição no estado do Amazonas e pelas integrações verticais geradas em decorrência da operação, haja vista a atuação do novo controlador no mercado de geração de energia elétrica, inclusive no mercado de venda e locação de geradores na região Norte do país. É conhecido que o processo de análise antitruste da privatização envolvendo a distribuidora amazonense tem gerado importantes impactos na operação. O que parecia ser um tranquilo processo para ratificar a desestatização, a ser processado sob o rito sumário do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) - tempo médio de análise de 13,3 dias, conforme dados oficiais de 2018 -, demonstrou-se mais complexo quando a Superintendência-Geral decidiu aprofundar a análise do CADE em razão da "existência de dúvidas quanto à participação de mercado das Requerentes em mercados possivelmente relacionados". Ato contínuo, o escrutínio concorrencial foi reenquadrado para o rito ordinário, com prazo mais alongado (em média, com 96,3 dias para análise, conforme dados de 2018), bem como com instrução processual mais rígida. Além disso, no final de fevereiro, mesmo após a decisão Superintendência-Geral aprovando a operação sem restrições, a Conselheira Paula Farani de Azevedo Silveira determinou a avocação pelo Tribunal do processo para julgamento. É dizer, o processo de análise concorrencial da privatização da Amazonas Energia ainda está distante de ser concluído.
Independentemente da especificidade do caso em análise, fato é que o CADE vem sofisticando a sua atuação junto de mercados tidos como monopólios naturais (nesse sentido, precedentes recentes envolvendo operadores do setor de saneamento básico e transmissão de energia elétrica), bem como vem prestando cada vez mais atenção às relações verticais entre as empresas dos grupos econômicos envolvidos nos atos de concentração. O caso Amazonas é exemplo dessa última situação.
Importante ter em mente que a consequência dessa escalada de complexidade envolvendo a análise concorrencial de processos de privatização vai além do simples atraso de cronograma para conclusão da operação. Não que esse ponto não seja relevante, principalmente para o Tesouro que deseja contar com a célere arrecadação dos montantes pagos pelas ações para cumprir com suas metas fiscais. Contudo, outros aspectos jurídicos devem ser destacados. Ainda aproveitando o caso das distribuidoras da Eletrobras, por exemplo, cumpre observar que o Edital de privatização prevê o direito de o BNDES executar as garantias de proposta nos casos em que haja a não aprovação da transação pelo CADE por motivo imputável ao interessado vencedor do certame.
Como resultado, entende-se que a responsabilização do licitante vencedor pela submissão da operação ao CADE deve ser cuidadosamente analisada por aqueles que desejam modelar novos projetos de privatização, contando com especial atenção daqueles interessados em participar das licitações. Para aqueles que modelam os projetos, vemos como importante refletir no edital os prazos e trâmites legalmente adequados, tal qual previsto na resolução 2/12, Regimento Interno do CADE e lei federal 12.529/11. Para aqueles interessados em participar no processo de privatização, nos parece importante realizar análise concorrencial das possíveis sobreposições horizontais e integrações verticais da operação, com foco naqueles mercados relevantes afetados pela desestatização em vista das condições específicas de cada caso concreto. Alguns documentos publicados pelo CADE podem ajudar a entender o foco da avaliação concorrencial, assim como as práticas que a autoridade antitruste busca evitar, com destaque para o Guia de Atos de Concentração Horizontal, o Guia de Gun Jumping e o Anexo I da resolução 20/99.
O ponto que nos parece relevante é apreender com as lições do caso Amazonas Energia. Mesmo que eventualmente não seja o principal ponto a ser avaliado em um processo de privatização, os impactos concorrenciais da operação devem ser levados em consideração, não podendo ser tratados como secundários. Espera-se que os acontecimentos recentes sirvam para o aprimoramento do mercado de desestatização. Os novos projetos só ganham com essa noção.
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*Danilo Henrique Pereira Mininel é sócio do Madrona Advogados.