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O ajuizamento de ações coletivas por entidades sindicais

Gabriel dos Santos Lenha Verde

A ação coletiva não escapa da análise crítica de determinados operadores do direito e até mesmo dos próprios jurisdicionados, que, em última análise, são os reais destinatários do provimento jurisdicional que se pretende obter coletivamente.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Atualizado em 19 de março de 2019 12:31

A Constituição Federal de 1988, em consonância com o seu ideal democrático, conferiu tratamento distinto às Entidades Sindicais, reconhecendo-as como indispensáveis na defesa intransigente do direito dos trabalhadores. Em termos de garantias, o Sindicato é destinatário de diversos mecanismos protetivos, em sua maioria positivados no artigo 8° do texto constitucional, que visam assegurar-lhe a livre atuação, desimpedida de embaraços ou intervenções externas, sendo oponíveis tanto ao Estado quanto aos particulares.

O direito, dentro da perspectiva sindical, afigura-se como um instrumento à disposição dos trabalhadores, servindo como meio de dirimir conflitos protagonizados entre empregados e empregadores, de modo a trazer isonomia a uma relação naturalmente desigual, desprovida de paridade entre as partes.

Analisando a militância organizada dos trabalhadores desde a redemocratização do país, verifica-se uma diversidade de conquistas advindas da propositura de ação judiciais, utilizadas para o fim de tutelar o direito de toda a categoria representada pela agremiação. Dentre as vias processuais disponíveis, em termos de abrangência, destacam-se as denominadas ações coletivas.

As ações coletivas, conforme se infere intuitivamente de seu nome, são demandas que envolvem um conjunto de pessoas ou até mesmo de toda a sociedade, porquanto, ao final do procedimento deflagrado, a decisão adotada ao caso poderá afetar não somente os indivíduos que figuraram formalmente como partes da relação processual, mas também todos aqueles que compartilham de situação jurídica ou fática análoga. Em linhas gerais, prestam-se a tutelar os denominados interesses metaindividuais, assim compreendidos como aqueles que transcendem o interesse individual, subdividindo-se em interesses difusos, coletivos em sentido estrito ou individuais homogêneos.

Entretanto, embora se reconheça a inquestionável importância desse instrumento processual, notadamente na conquista de direitos extensíveis a toda categoria de trabalhadores, a ação coletiva não escapa da análise crítica de determinados operadores do direito e até mesmo dos próprios jurisdicionados, que, em última análise, são os reais destinatários do provimento jurisdicional que se pretende obter coletivamente.

A principal crítica reside, sem dúvida, na morosidade envolvendo a sua tramitação, sendo que, em determinados casos práticos, demora-se anos para que o direito reivindicado seja reconhecido e efetivamente implementado a favor do trabalhador. Não raramente, tem-se o lamentável cenário de obreiros que padecem no curso da ação, antes de contemplar a conquista do direito que lhe fora tão injustamente tolhido pelo empregador.

Nessas situações emblemáticas, onde a prestação jurisdicional caminha para o sentido diametralmente oposto ao ideal de celeridade previsto no texto constitucional (artigo 5°, inciso LXXVIII), ecoa-se, com maior eloquência, a incomodadora lição contida nos dizeres do saudoso jurista Rui Barbosa: a Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.

Hoje, contudo, transcorridos mais de 30 anos da redemocratização do país, o que possibilitou uma maior utilização da ação coletiva, podemos concluir que esse instrumento processual continua sendo um meio idôneo para reivindicar o direito coletivo de uma categoria de trabalhadores?

O enfrentamento da problemática acima introduzida, no nosso sentir, reivindica a análise comparativa entre o processo individual e o processo coletivo, com destaque para as principais peculiaridades que cada modalidade guarda entre si, o que se perfaz através dos seguintes pontos de divergência: a-) a legitimidade para a propositura da ação; b-) e os efeitos da coisa julgada. Somente após, compreendido as duas principais distinções, é que poderemos expressar o nosso parecer a respeito do tema.

a-  Da legitimidade para o ajuizamento da ação

Ao lado do interesse de agir, a legitimidade processual, também denominada como legitimidade ad causam, representa uma condição indispensável para que determinada pessoa, natural ou jurídica, possa ingressar em Juízo para postular ou defender um direito (artigo 17 do Código de Processo Civil). Caso contrário, ausente tal condição, o Juiz extinguirá o processo antes de mesmo de adentrar ao mérito da pretensão deduzida, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, por lhe faltar um dos pressupostos da ação.

O critério utilizado para identificar se determinado sujeito possui a legitimidade necessária diferencia-se entre si. No caso das ações individuais, via de regra, deve-se analisar a relação de direito material objeto da ação. Ou seja, aquilo que está sendo efetivamente discutido pelas partes, assim denominado pela doutrina como a disputa pelo "bem da vida".

Por exemplo: levando em consideração que determinado empregador resolva, indevidamente, deixar de pagar o adicional de insalubridade aos seus funcionários, mesmo que estes, dada as circunstâncias laborais a que estão expostos diariamente, façam jus ao pagamento da referida verba indenizatória. Nesse caso, cada trabalhador prejudicado pela atitude de seu empregador terá legitimidade ordinária para ingressar individualmente em juízo para pleitear o restabelecimento do adicional cessado. O título judicial obtido ao final do processo, se procedente, beneficiará apenas o autor da ação, enquanto que os demais empregados permanecerão vivenciado a mesma situação de injustiça.

Por outro lado, no caso da ação coletiva intentada por sindicato, a sua legitimidade ad causam decorre da própria função institucional que lhe é atribuída pelo texto constitucional, estando autorizado a exercer a defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria que representa, tanto judicialmente quanto administrativamente (artigo 8°, inciso III, da Constituição Federal).

Convém ressaltar, nesse ponto, que, ao postular em juízo defendendo o interesse coletivo, o sindicato não atua como mero representante processual, mas, sim, como legitimado extraordinário, na medida em que, mesmo não sendo o titular do direito alheio postulado, exerce, em nome próprio, a sua defesa, a despeito da anuência expressa dos trabalhadores representados. Trata-se da exceção à antiga regra do processo civil clássico de que só o titular do direito material pode ingressar em juízo buscando a satisfação da sua pretensão, que permanece em voga no atual Código de Processo Civil, em seu artigo 18.

À guisa de ilustração, apropriando-se do mesmo caso hipotético citado acima, pode-se afirmar que o sindicato terá legitimidade para defender o direito de todos os trabalhados lesados, reivindicando em juízo o adicional de insalubridade que fora indevidamente tolhido pelo empregador. Nessa hipótese, ao contrário do desfecho da ação individual, o título judicial será extensível a todos os trabalhadores que compartilham da mesma situação, evitando-se o lamentável cenário de que apenas alguns empregados tenham o direito reconhecido.

Portanto, no tocante à legitimidade, entendemos que a ação coletiva apresenta maior simetria com o ideal de unidade que permeia a luta sindical, no sentido de que, com a união dos trabalhadores em prol da mesma causa, a força reivindicatória torna-se mais coesa e aguerrida. Mais do que defender direitos individuais, a ação coletiva permite que os trabalhadores, unidos à figura central do sindicato, possam recrudescer a luta por melhores condições de trabalho, sem que isso os coloque à mercê de retaliações pessoais ou perseguições por parte do empregador, como fatalmente acontecem na prática.

Além disso, entendemos que a estrutura e os recursos do sindicato, capitaneados através das contribuições sindicais e o desenvolvimento de outras atividades, confere-lhe uma paridade de armas frente ao empregador, dispondo de uma assessoria jurídica específica e qualificada, inclusive no caso de ter que suportar o ônus de uma ação improcedente, o que deve ser cada dia mais sopesado diante da precariedade de recursos do trabalhador, principalmente após o advento da reforma trabalhista (artigo 789, caput, da CLT).

b- Dos efeitos da coisa julgada

Outro ponto importante a ser trazido para o debate relaciona-se com a amplitude dos efeitos da coisa julgada.

Nesse ponto, analisando o microssistema do processo coletivo brasileiro, é inquestionável a intenção do legislador no sentido de privilegiar a eleição da via processual coletiva para dirimir conflitos na seara trabalhista, em detrimento do ajuizamento de diversas ações judiciais simultâneas. Isso porque os benefícios auferidos não estão circunscritos apenas às partes envolvidas, mas compartilhado também pela própria Jurisdição.

Do ponto de vista do Poder Judiciário, o benefício auferido é evidente, pois, ao julgar somente uma ação coletiva, o Magistrado resolve simultaneamente diversas pretensões análogas, proferindo uma única decisão ao caso e, consequentemente, contribuindo para a uniformidade de entendimento, de modo a evitar o risco de decisões conflitantes dentro do próprio Tribunal.

Isso porque, no âmbito de demandas individuais, comumente verifica-se a emblemática situação em que dois ou mais trabalhadores, submetidos às mesmas situações laborais, obtém provimentos distintos ao final do processo, isso quando não são antagônicos entre si.

Ou seja, é possível que uma mesma causa de pedir e pedido possua deslindes diferentes quando distribuídas para Juízos distintos, visto que, apesar de existir uma identidade entre ambos os pedidos e, em tese, apenas uma solução prevista no ordenamento jurídico pátrio, cada Magistrado pode julgar a lide de acordo com o seu livre convencimento motivado, independentemente da insegurança jurídica que isso possa inevitavelmente acarretar.

Por sua vez, quanto ao jurisdicionado, o maior benefício que o ordenamento jurídico lhe concede é o de garantir que os efeitos da decisão proferida nos autos da ação coletiva, quando julgada improcedente, não prejudicará os seus interesses individuais, nos termos do artigo 103, parágrafo 1°, do Código de Defesa do Consumidor. Em contrapartida, o título judicial coletivo fará coisa julgada ultra partes quando beneficiar a categoria representada pelo sindicato, conquanto que a ação individual intentada pelo trabalhador seja suspensa nos moldes assinalados pelo artigo 103, inciso II, do Diploma Consumerista.

Logo, o trabalhador que se valer da ação coletiva para defender o seu direito só poderá auferir vantagens dessa prática, visto que nada o impedirá, em caso de procedência da ação, de beneficiar-se do título judicial coletivo obtido. Por outro lado, em caso de improcedência, poderá reproduzir individualmente a mesma pretensão deduzida na ação coletiva não exitosa.

Não obstante, se ainda assim pretender defender o seu direito individualmente durante a tramitação da ação coletiva, a lei garante que não haverá litispendência entre ambas as ações, mesmo que reproduzam o mesmo pedido e causa de pedir. Porém, nesse caso, se optar pelo prosseguimento da demanda individual, não será beneficiado pelo título conquistado coletivamente.

Conclusão

Com base nas premissas acima conjecturadas, concluímos que a ação coletiva, apesar de seus reveses, permanece sendo a melhor alternativa à disposição das Entidades Sindicais para o fim de tutelar o interesse coletivo de seus representados, beneficiando-se mutuamente tanto Sindicato quanto o trabalhador. Ao sindicato porque o êxito em ações dessa natureza eleva o seu prestígio e confiança perante os seus representados, fortalecendo a unidade da luta sindical; ao passo que ao trabalhador, de igual maneira, o direito pretendido lhe é assegurado, mesmo sem enfrentar os riscos e ônus processuais decorrentes de uma ação judicial inexitosa.

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*Gabriel dos Santos Lenha Verde é advogado associado no escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.

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