Deep Web: Universo anônimo e paralelo em Suzano?
Para além das discussões relativas à segurança, política e demais aspectos concernentes à esta tragédia e amplamente debatidas desde então, o momento deve também resgatar a reflexão sobre o uso das tecnologias, primordialmente pelos jovens.
terça-feira, 19 de março de 2019
Atualizado em 18 de março de 2019 12:05
As investigações acerca do ataque à Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), na última quarta-feira (13)1 já foram iniciadas e, entre as hipóteses recentemente suscitadas pelo Ministério Público e veiculadas pela mídia2, figura o uso da 'deep web', pelos assassinos, para comunicação e premeditação, bem como a utilização deste meio para incitação ao crime por parte de organizações criminosas.
Contudo, importante reiterar que a utilização deste recurso para fins escusos,primordialmente ilícitos, não é recente no Brasil e, apesar das conhecidas dificuldades relacionadas a rastreamento de usuários na 'deep web' em decorrência de aspectos técnicos, também já veiculadas pela mídia3, é possível sim investigar e viabilizar a identificação de responsáveis por condutas criminosas.
Nesse sentido, interessante reiterar decisão proferida pelo STJ em sede de acórdão em Recurso Ordinário em Habeas Corpus4, cujo relatório apresenta a utilização da 'deep web' para prática do ilícito, tendo sido viável a investigação, obtenção de provas e demonstração da transnacionalidade do delito:
"Cruzando-se informações obtidas pela Polícia Federal em navegação pela deep web com dados já constantes de bancos do referido órgão, foi desenvolvido um meio capaz de explorar as vulnerabilidades dos dispositivos de acesso dos usuários suspeitos, visando a reunir elementos aptos a comprovar o cometimento dos delitos, bem como formas de rastreamento e identificação dos autores (e-STJ fl. 375).
Durante as investigações, se teria constatado que o usuário identificado pelo apelido lover123 seria expressivamente atuante em sites da deep web destinados ao compartilhamento de imagens de pornografia infanto-juvenil (e-STJ fl. 375).
Nesse contexto, o IP e o e-mail do referido usuário foram rastreados,verificando-se que seriam do ora recorrente, em cuja residência foi realizada busca e apreensão que resultou na localização de grande quantidade de material relacionado à pornografia infantil, razão pela qual foi preso em flagrante, tendo a custódia sido convertida em preventiva (e-STJ fl. 375).
Cerca de um mês antes do flagrante, o recorrente teria produzido e fotografado cena pornográfica envolvendo criança (e-STJ fl. 376).
O acusado teria realizado mais de 1100 (mil e cem) postagens em fórum relacionado à pornografia infantil mantido na internet (e-STJ fl. 376)."
Portanto, novamente, verifica-se que o uso da internet, mesmo por meio da 'deep web', para fins ilícitos, não assegura o anonimato dos responsáveis, tampouco mitiga a aplicação da legislação ao ciberespaço - bem como, no caso citado acima, foi possível o reconhecimento do caráter transnacional do delito, em decorrência do amplo acesso à 'deep web' em outros países.
Desse modo, para além das discussões relativas à segurança, política e demais aspectos concernentes à esta tragédia e amplamente debatidas desde então, o momento deve também resgatar a reflexão sobre o uso das tecnologias, primordialmente pelos jovens, bem como acerca da necessidade de orientá-los para que sua utilização seja proveitosa, segura e lícita.
Não, a internet não é um universo anônimo e paralelo.
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1 Disponível em :https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2019/03/13/tiros-deixam-feridos-em-escola-de-suzano.ghtml. Acesso em: 15 Mar. 2019.
2 Disponível em :https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/03/14/mp-de-sp-apura-se-organizacao-criminosa-na-deep-web-incitou-assassinos-a-cometerem-massacre-em-suzano.ghtml. Acesso em: 15 Mar. 2019.
3 Disponível em :https://g1.globo.com/economia/tecnologia/blog/altieres-rohr/post/2019/03/14/deep-web-entenda-o-que-e-e-os-riscos.ghtml. Acesso em: 15 Mar. 2019.
4 RHC 56.005/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe28/05/2015.
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*Chiara Battaglia Tonin é advogada atuante na área consultiva, com experiência em proteção de dados, direito digital e propriedade intelectual. Membro da International Association of Privacy Professionals .