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Controvérsia acerca do limite de 2 anos após a retirada de sócio é dirimida em recente decisão do STJ

Em síntese, a extinção da controvérsia quanto ao prazo de 2 (dois) anos de responsabilização de sócio retirante representa enorme avanço para garantia de segurança jurídica àqueles que deixam o quadro societário de uma sociedade empresarial.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Atualizado em 1 de março de 2019 12:15

Como regra geral, pela constituição de uma sociedade empresarial, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal por obrigações da sociedade, a não ser nas hipóteses previstas em lei. Se não fosse assim, provavelmente, o número de sociedades empresarias no Brasil seria ainda menor, visto o risco que a falta de independência patrimonial representaria.

Dentre as hipóteses previstas de exceções à regra da independência da personalidade jurídica das sociedades, encontra-se o descumprimento, pelo sócio, da obrigação de integralizar (pagar) sua respectiva participação no capital da sociedade, tornando-se remisso e, como tal, sujeito a responder com seus bens pessoais por obrigações da sociedade da qual faz parte, proporcionalmente à parcela que deixou de integralizar. Outra exceção à regra da autonomia patrimonial, prevista no artigo 50 do CC, é o abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade da empresa e/ou pela confusão patrimonial, hipótese em que, mediante decisão judicial, as obrigações da sociedade podem ser estendidas ao patrimônio dos sócios e administradores.

Em tempos de "Operação Lava Jato" e de tantas outras operações anticorrupção deflagradas no Brasil, o dispositivo, acima comentado, oferece certa segurança jurídica às autoridades públicas para cobrar diretamente dos sócios, eventuais obrigações que recairiam inicialmente sobre a pessoa jurídica utilizada para o cometimento de crimes, permitindo, dessa forma, uma direta reparação financeira dos danos causados por quem os praticou.

Em síntese, o abuso de personalidade jurídica consubstancia-se (i) pelo desvio do objeto social da empresa, mediante a prática de atos fraudulentos pelos sócios e/ou administradores e/ou (ii) pela confusão patrimonial dos bens dos sócios e da própria sociedade.

tImportante ressaltar que o CC determinou um limite de 2 (dois) anos, após a efetiva saída do quadro societário, para que o sócio ainda responda pelas obrigações da sociedade. Em relação ao referido limite temporal, muito se discutiu na doutrina, se no período de 2 (dois) anos o sócio responderia pelas obrigações assumidas no período em que foi efetivamente sócio ou se continuaria a responder pelas obrigações assumidas, mesmo após a sua retirada, até o final desse prazo de 2 (dois) anos. 

Do ponto de vista prático, essa controvérsia trazia grande insegurança ao sócio que se retirava de uma sociedade, seja em função de operações de M&A, de cessões de quotas aos demais sócios ou a terceiros, bem como, inclusive, nas hipóteses de exclusão e até de falecimento dos sócios.

Obviamente que, em função dessa dúvida, em operações de M&A ou cessão de quotas havia a necessidade de serem criadas cláusulas contratuais, garantias e alternativas jurídicas para assegurar ao sócio retirante que não viesse a responder por obrigações futuras da sociedade, as quais não poderia ter conhecimento.

Como seria possível o sócio retirante responder por obrigações originadas em anos posteriores à sua saída do quadro societário, se durante esse período não poderia ter qualquer participação, informação ou ingerência na administração da sociedade? Nesse sentido, a doutrina, em sua maioria, já entendia ser inaceitável a responsabilização de sócio por atos e obrigações realizadas pela sociedade em data posterior à sua retirada, mas, judicialmente, essa questão ainda não estava pacificada.

Em 5 de fevereiro de 2019, o STJ, no julgamento do REsp 1.537.521 - RJ (2015/0062165-9), respondeu à razão que assiste ao caso e determinou que o sócio que se retira da sociedade deve responder, apenas, pelas obrigações cujo fato gerador tenha ocorrido até a data de sua efetiva saída, assim entendida como a data do ato societário registrado na junta comercial competente, pacificando eventuais controvérsias quanto à sua responsabilidade por dívidas e obrigações futuras que a sociedade (nas figuras de seus sócios e administradores) venha a assumir.

Em síntese, a extinção da controvérsia quanto ao prazo de 2 (dois) anos de responsabilização de sócio retirante representa enorme avanço para garantia de segurança jurídica àqueles que deixam o quadro societário de uma sociedade empresarial.

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t*Flavia Gatti Gamba atua em Direito Societário e M&A há mais de 15 anos e é sócia do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados

 

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