Efeitos da alteração do regime de bens
A par da lacuna legislativa e do posicionamento do STJ, já se vislumbra a possibilidade de se postular a alteração do regime de bens com efeitos retroativos, respeitado, naturalmente, o direito de terceiros. Em atenção ao princípio da autonomia privada da vontade, a justificativa para propositura da medida também se revela uma tendência absolutamente inadequada, de interesse exclusivamente inter partes.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019
Atualizado em 21 de fevereiro de 2019 17:18
Desde o advento do Código Civil de 2002, passou a ser possível, no ordenamento jurídico brasileiro, a alteração do regime de bens do casamento. O artigo 1.639, §2º deste Diploma Civil dispõe acerca da alteração de regime, caso haja a invocação de justificativas e ressalvados os direitos de terceiros. O procedimento da alteração, por sua vez, encontra-se disciplinado no artigo 734 do Código de Processo Civil de 2015.
Ocorre que a previsão legal não fixou os efeitos dessa alteração de regime de bens. Nesse sentido, questiona-se se haveria a possibilidade de conceder efeitos retroativos (ex tunc) a essa alteração, ou seja, desde a data de celebração do casamento, ou se caberiam apenas efeitos prospectivos ("ex nunc").
A despeito de o referido dispositivo legal tutelar a liberdade de estipulação e de alteração ao regime de bens em respeito ao princípio da autonomia privada da vontade e de a própria lei por a salvo os direitos de terceiros, a 3ª turma do STJ vem entendendo, de forma reiterada, que a eficácia da referida alteração é para o futuro, ou seja, possui apenas efeitos ex nunc. Corroborando esse posicionamento, o jurista Paulo Nader, ao examinar a questão, foi enfático ao afirmar que "A mudança do regime de bens, quando permitida, não possui efeito retroativo. A decisão homologatória da alteração produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença [...]".
Em que pese a posição jurisprudencial majoritária, alguns doutrinadores, a exemplo de Orlando Gomes e de Sérgio Gischkow Pereira, no entendimento trazido no voto condutor do acórdão da apelação cível 1.0439.08.081407-2/001, da lavra do desembargador Alberto Vilas Boas (TJ/MG), há ressalva do direito de terceiros posta pela lei como justificativa para a possibilidade de reconhecimento de efeitos retroativos à alteração de regime de bens. Nesse caso, haveria, inclusive, a necessidade de averbação da sentença no livro de casamento e registro, em livro especial, pelo Oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
Adicionalmente a este contraponto, diversos julgados de Tribunais de Justiça Estaduais vêm reconhecendo a possibilidade de aplicação de efeitos retroativos, como o gaúcho (AC 70075983296 RS, relator: José Antônio Daltoe Cezar, data de julgamento: 26/4/18, oitava Câmara Cível, data de publicação: Diário da Justiça do dia 2/5/18), invocando a ausência de vedação legal, e o do Distrito Federal (Acórdão 949207, 20150111277827APC, relator: MARIA DE LOURDES ABREU 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 15/6/16, publicado no DJE: 24/6/16), privilegiando a Primazia da ampla liberdade de estipulação e princípio da autonomia da vontade.
Como se percebe, a par da lacuna legislativa e do posicionamento do STJ, já se vislumbra a possibilidade de se postular a alteração do regime de bens com efeitos retroativos, respeitado, naturalmente, o direito de terceiros. Em atenção ao princípio da autonomia privada da vontade, a justificativa para propositura da medida também se revela uma tendência absolutamente inadequada, de interesse exclusivamente inter partes.
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*Bernardo José Drumond Gonçalves é sócio de Homero Costa Advogados e coordenador do departamento Empresarial.