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O acordo penal: tardio, mas necessário

Benedito Torres Neto e Fabiano Dallazen

Respeitadas as funções dos sujeitos processuais envolvidos (juiz, Ministério Público e defesa), debatidos seus termos, alcançados os interesses sociais e individuais que circundam o Direito, certamente o acordo penal será uma importante ferramenta em favor do aperfeiçoamento de nosso sistema de justiça.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Atualizado em 13 de fevereiro de 2019 08:16

tEm seus primeiros momentos no comando da pasta da Justiça, o ministro Sérgio Moro anunciou sua intenção de trabalhar pela implementação do 'acordo penal' como forma de agilização de nossa justiça criminal. Há pouco, no início do mês de fevereiro de 2019, houve a divulgação da proposta do Ministério da Justiça sobre este (e outros temas).

Ao tornar público o objetivo, em janeiro de 2019, o assunto gerou acaloradas discussões. Desnecessário dizer que o debate ganha vulto com a proposta conhecida. Portanto, é neste contexto que se quer participar da discussão.

Nos termos do art. 395-A proposto, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu defensor, poderão requerer, mediante acordo penal, a aplicação imediata das penas. Processualmente, o acordo ocorrerá após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da instrução processual.

Para tanto, são exigências a confissão circunstanciada da prática da infração penal; o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada dentro dos parâmetros legais, bem como, considerando as circunstâncias do caso penal, com a sugestão de penas em concreto ao juiz; e a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção de provas por elas indicadas e de renunciar ao direito de recurso (ou seja, o juiz sentenciará com o que estiver presente nos autos até o momento do acordo - incs. I a III do § 1º do art. 395-A).

Desde logo, afirma-se que o Ministério Público saúda esta iniciativa! O sistema de justiça criminal necessita de ajustes e de formas de agilização. Como titular privativo da ação penal pública que é (CF/88, art. 129, inc. I), acaba por sentir, de forma direta e concreta, os nefastos efeitos de uma justiça tardia.

O primeiro impacto do proposto acordo penal é visível: a confissão acelera o andamento da ação penal, evita a morosidade decorrente de inúmeros recursos que podem ser propostos e, desde cedo, evita constrangimentos à sociedade e ao indivíduo processado.

Como expõe a doutrina:

"(...) relembre-se que os processos penais são orientados, dentro da democracia dos Estados, como uma forma de obtenção tanto de segurança como de confiabilidade das estruturas jurídicas, o que deve ser conseguido com a maior eficácia e efetividade possível - até mesmo para consecução de uma pena mais justa"¹.

E não se veja a celeridade apenas sob a ótica ministerial. Há a percepção dos acusados: os presos, porque definem suas situações desde logo; aos soltos, porque os processos criam estigmas e permitem que o Estado (em sentido amplo) intervenha em seus direitos individuais, o que não se quer de forma alongada e desarrazoada².

Todavia, esta saudação não se dá apenas pela celeridade processual. Afinal, para este escopo, já existem hipóteses de consenso vigentes no Brasil. Citam-se, no ponto, a composição civil dos danos para as infrações de menor potencial ofensivo que se processam mediante ação penal privada e ação penal pública condicionada à representação, motivo de extinção da punibilidade do autor do fato (Lei 9.099/95, art. 74); a transação penal também para as infrações de menor potencial ofensivo, celebrada entre o Ministério Público e o autor do fato, anterior ao oferecimento da denúncia, e que extingue a punibilidade igualmente (Lei 9.099/95, art. 76 e parágrafos); a suspensão condicional do processo para os crimes com pena mínima de até um ano ou de multa, após o oferecimento da denúncia, e que também é causa de extinção da punibilidade daquele que é denunciado (Lei 9.099/95, art. 89 e parágrafos).

Com o mesmo objetivo, o Conselho Nacional do Ministério Público regula o acordo de não persecução penal em sua resolução 181, de 7 de agosto de 2017, com as alterações determinadas pela resolução 183, de 24 de janeiro de 2018. Nesse caso, também são impostas condições que, cumpridas, servirão de fundamento para o não oferecimento de denúncia. Aliás, interessa notar que o acordo de não persecução penal também vem tratado no projeto (art. 28-A projetado)³.

Não se esquece das possibilidades de acordo de leniência da lei 12.846/13 (Lei anticorrupção), art. 16; da mesma forma, o incentivo consensual previsto no novo Código de Processo Civil, art. 6º44.

Ou seja, o direito brasileiro já admite em diversos casos o consenso como hipótese de solução dos conflitos, civis e penais, o que sempre foi aplaudido pela maioria doutrina. É nessa perspectiva que nos parece muito bem-vindo o acordo penal inscrito no pacote anticrime do ministro Sérgio Moro.

Um dos pontos de maior relevância que o citado projeto apresenta encontra-se em seu § 8º, segundo o qual: para todos os efeitos, o acordo penal homologado será considerado sentença condenatória. Em outros termos, o consenso definirá a culpa do acusado! Para o Ministério Público isto é essencial, pois dá mais efetividade e compromisso ao acordo pelas partes envolvidas no processo penal.

A prática nos mostra que, nos consensos hoje existentes, ocorrem vários casos de descompromisso por quem deve cumprir as condições. Notadamente, porque o descumprimento traz, como consequência, o seguimento da ação penal respectiva (por exemplo, conforme determina a súmula vinculante 35 do STF). O acordo penal que aceita e discute a culpa do acusado é uma mais valia, na medida em que definirá a pena a ser cumprida, com sentença penal condenatória transitada em julgado, e as consequências de execução penal que lhe são decorrentes.

Ousa-se dizer: juntamente com a celeridade, ganha-se com a seriedade processual!

Ainda, outras vantagens podem ser adicionadas.

O acordo penal, como forma de consenso, também se mostra como uma alternativa defensiva à colaboração processual. Como amplamente divulgado nos dias atuais, para que sejam atingidos benefícios conferidos por ela, pode haver a necessidade de identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; ou, então, a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa (Lei 12.850/13, art. 4º e incs. I e II, sem prejuízo de outras possibilidades).

Como se percebe, o colaborador, conforme a hipótese, tem a necessidade de delatar (incriminar) terceiros para a obtenção de benefícios. O acordo penal, por outro lado, resolve a situação de um acusado e de um processo específico, sem a exigência de que a incriminação de terceiros ocorra.

Entretanto, o projeto andou bem em estabelecer a redução da pena em metade nos casos de acordo penal, ou seja, patamar inferior ao da colaboração processual (2/3). Há, por certo, justificativa para a redução em face de um comportamento do acusado em prol do Estado nas duas situações. Contudo, na medida em que a colaboração processual atinge fins que vão além da situação daquele acusado, deve ter ela um benefício maior do que o previsto ao acordo penal.

Outra vantagem a ser apontada é que, dentro do ideal de um sistema acusatório, valoriza-se a vontade das partes e, especialmente, a autonomia do acusado, em respeito à sua dignidade. Inspirado no art. 4º, § 7º, da lei 12.850/13, o Projeto prevê que, para homologação do acordo, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua legalidade e voluntariedade, devendo, para este fim, ouvir o acusado na presença do seu defensor (§ 6º).

Como dito, na ideia do acordo penal, torna-se essencial a confissão e o não exercício do direito de realização de uma instrução processual5. Neste não exercício, percebe-se que o direito processual defensivo em si é satisfeito pela não utilização dele o que se fundamenta com a compatibilidade disto e as necessidades daquilo a que, voluntariamente, se adere6.

Afinal, sem prejuízo de outras cominações, as penas decorrentes poderão ser diminuídas em até a metade ou poderá ser alterado o regime de cumprimento das penas ou promovida a substituição da pena privativa por restritiva de direitos, segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do caso e o grau de colaboração do acusado para a rápida solução do processo (§ 2º).

O que se visualiza, portanto, na medida em que pautado na voluntariedade, é que o acordo penal deve ser uma possibilidade processual conferida às partes. Se vontade não houver, sempre existirá a opção pelo procedimento comum ou especial aplicável ao crime que se está a perseguir.

Demonstra-se, portanto, o fundamento para a participação judicial no acordo penal conforme o § 6º, sendo que o juiz não homologará o acordo se a proposta de penas formulada pelas partes for manifestamente ilegal ou manifestamente desproporcional à infração ou se as provas existentes no processo forem manifestamente insuficientes para uma condenação criminal (§ 7º).

Ficam evidentes, portanto, os papeis dos sujeitos processuais.

Refere-se que o Ministério Público não desconhece as críticas que são feitas a uma inovação deste naipe. Muitas delas, com fundamento de relevância e que devem ser trazidas ao debate de aperfeiçoamento deste possível novel instituto processual. Não obstante, o Ministério Público não deseja que se perca uma possibilidade de tamanha relevância.

Isto nos aproximará de situações de ordenamentos como o americano (plea bargaining), alemão (absprachen) e italiano (patteggiamento). Mas não apenas estes: países vizinhos, como a Colômbia (preacuerdos posteriores a la presentación de la acusación) e a Argentina (acuerdo pleno, previsto no Código Procesal de la Nación, art. 288), também as possuem. Entretanto, são referências, pois também precisamos respeitar nosso padrão processual.

Respeitadas as funções dos sujeitos processuais envolvidos (juiz, Ministério Público e defesa), debatidos seus termos, alcançados os interesses sociais e individuais que circundam o Direito, certamente o acordo penal será uma importante ferramenta em favor do aperfeiçoamento de nosso sistema de justiça.

Pela importância, pode-se dizer, desde já, que o acordo penal representará uma redução de custos para o Estado e, especialmente, para o acusado. Quanto a este, não apenas os custos econômico-financeiros, mas também os pessoais, familiares e sociais (sua intenção em colaborar com o Estado pode servir e auxiliar na sua reinserção social)7.

Dito isto, resta-nos, por ora, acompanhar o andamento legislativo do projeto apresentado pelo Governo brasileiro e, desde logo, adiantar que há efetivo interesse na concretização desta iniciativa de aperfeiçoamento do consenso no processo penal brasileiro.

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1 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada. Negociação de sentença criminal e princípios processuais penais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016, p. 41.

2 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada. Negociação de sentença criminal e princípios processuais penais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016, p. 39.

3 Sem nos alongarmos muito, caberá quando, não sendo o caso de arquivamento, for cominada ao crime, cometido sem violência ou grave ameaça, apenamento mínimo de até 4 (quatro) anos. 

Ainda, deve haver a confissão formal e circunstanciadamente da sua prática pelo investigado (art. 18 da Resolução). Para fins do Projeto, contudo, o cabimento se dará para as hipóteses em que o crime tenha pena máxima de até 4 anos. O debate que se dará a partir de agora, certamente, levará em conta eventual necessidade de conciliação entre estes limites.

4 "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva."

5 A instrução processual não é vista como uma lei natural (FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Para uma reforma global do processo penal português: da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais. In: CORREIA, Eduardo et al. Para uma nova justiça penal: ciclo de conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados. Coimbra: Almedina, 1983, p. 228).

6 BRANDALISE, Rodrigo da Silva. Justiça penal negociada. Negociação de sentença criminal e princípios processuais penais relevantes. Curitiba: Juruá, 2016, p. 45-46.

7 Como consta na Nota Técnica Conjunta PGR/SRI 105/2019, "a utilização do acordo penal, fundado na autonomia da vontade dos atores envolvidos, para encerrar antecipadamente o processo produz inúmeros benefícios: poupa-se tempo e os altos custos de um processo judicial; a defesa sabe desde logo a pena a que o réu será submetido, deixando de lado as incertezas e as delongas do processo judicial; a acusação economiza recursos que poderão ser direcionados para uma atuação mais dedicada e eficiente em casos que não comportarem resolução consensual. Enfim, trata-se de uma importante ferramenta para a realização da justiça penal brasileira, pois, de um lado, garante mais eficácia à persecução penal e, de outro, mais previsibilidade do processo ao acusado".

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*Benedito Torres Neto é pocurador-geral de Justiça do Estado de Goiás, presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG).

*Fabiano Dallazen é procurador-geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, vice- presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça para a Região Sul (CNPG).

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