Tribunal multilateral de investimento: a "solução" da União Europeia para as disputas de investimento
A única certeza é a de que o MIC apaziguará os ânimos quanto ao problema da legitimidade. E apenas isso. Todo o resto ainda deverá ser testado e levará pelos anos alguns anos para que se possa tirar alguma conclusão.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019
Atualizado em 16 de outubro de 2019 17:53
A União Europeia ("EU") está em vias de acabar com a arbitragem de investimento na região e substituí-la por uma corte internacional permanente. Em 13/9/17, a comissão europeia, órgão pelo qual os estados membros emitem suas opiniões, publicou uma recomendação no sentido de que o conselho da entidade autorize negociações para uma convenção que estabeleça um tribunal multilateral para decidir disputas de investimento1. As negociações estão sendo feitas com a UNCITRAL desde 20/3/182.
O tribunal multilateral de investimento (sigla em inglês, "MIC") deverá ter seus processos tramitando de maneira transparente e ter possibilidade de interposição de recursos. Além disso, está prevista a possibilidade de intervenção de terceiros (tais como entidades ambientais ou trabalhistas) e o seu corpo de juízes será permanente, com o objetivo de haver previsibilidade e consistência nas decisões emitidas. O objetivo é substituir o já tradicional investment state dispute resolution (ISDS), mecanismo que tem sua legitimidade severamente contestada por governos e ONGs.
Conforme materializado na recente decisão do caso achmea - sobre o qual já escrevemos3 -, a iniciativa demonstra a preferência da UE pelo multilateralismo em detrimento do bilateralismo. Nesse sentido, a comissária europeia para o comércio, Cecilia Malmström, afirmou que o atual mecanismo de resolução de disputas de investimento tem se mostrado ineficaz porque é baseado em arbitragem comercial, um método de resolução de controvérsias entre entes privados, que, segundo ela, não seria adequado para as disputas públicas de investimento4. A burocrata também declarou que o corpo permanente de juízes eliminaria os custos de indicação dos árbitros e resolveria o problema da pouca representação feminina e geográfica.
Destarte, o golpe final na arbitragem de investimento intracomunitária - celebrada entre países membros da UE - já foi dado. No dia 15 de janeiro de 2019, os representantes dos governos dos países membros publicaram uma declaração onde se comprometem a revogar todo tratado bilateral de investimento ("TBI") intracomunitário até 6 de dezembro deste ano5.
Essa declaração, por sua vez, está em linha com a comunicação da comissão europeia de 19/7/18, que solicitou formalmente o fim da arbitragem de investimento aos países membros. Os tratados de investimento, segundo a comunicação:
(...) conferem direitos apenas em relação a investidores de um dos dois Estados-membros em causa, em contradição com o princípio da não discriminação entre os investidores da UE no mercado único, ao abrigo do direito da UE. Além disso, através da criação de um sistema alternativo de resolução de litígios, os TBI intra-UE retiram da jurisdição nacional o litígio relativamente às medidas nacionais e que envolvem o direito da UE. Na ausência do diálogo jurisdicional indispensável com o TJ, confiam este litígio a árbitros privados, que não aplicam corretamente o direito da UE6.
Conclusão
Não há nenhuma evidência de que o MIC atrairá mais investidores do que o ISDS. Uma corte permanente de resolução de disputas de investimento não foi testada como a arbitragem de investimento já foi. Trata-se de uma grande incógnita. Também não é possível afirmar que as decisões serão melhores. A expertise do julgador é justamente uma das principais qualidades da arbitragem; os árbitros são escolhidos conforme os assuntos do caso concreto. Juízes permanentes sofrerão sempre do problema do conhecimento limitado. Um conjunto transparente e consistente de decisões não valerá nada se as decisões forem ruins. Pelo contrário, escancarará a má qualidade da corte para o mundo, afastando quem tem dinheiro para investir.
A única certeza é a de que o MIC apaziguará os ânimos quanto ao problema da legitimidade. E apenas isso. Todo o resto ainda deverá ser testado e levará pelos anos alguns anos para que se possa tirar alguma conclusão.
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1 Comissão Europeia, "Recommendation for a COUNCIL DECISION authorising the opening of negotiations for a Convention establishing a multilateral court for the settlement of investment disputes". Publications Office of the European Union, 13/9/17. Acesso em: 8/1/19.
2 Conselho da União Europeia, "Multilateral investment court: Council gives mandate to the Commission to open negotiations". Conselho da União Europeia, 20/3/18. Acesso em: 8/1/19.
3 Alex Souza, "Arbitragem de investimento na União Europeia: ameaçada ou mais forte do que nunca?". Blog do CJA, 13/8/18.
4 "A Multilateral Investment Court: a contribution to the conversation about reform of investment dispute settlement", Discurso proferido pela Comissária Europeia para o Comércio, Cecilia Malmstrom, em Bruxelas, 22/11/18. Acesso em: 9/1/19.
5 "DECLARATION OF THE REPRESENTATIVES OF THE GOVERNMENTS OF THE MEMBER STATES, OF 15 JANUARY 2019 ON THE LEGAL CONSEQUENCES OF THE JUDGMENT OF THE COURT OF JUSTICE IN ?????? AND ON INVESTMENT PROTECTION IN THE EUROPEAN UNION". Acesso em: 28/1/19.
6 COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO, p. 3. 19/7/18. Acesso em: 28/1/19.
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*Alex Souza é graduando pelo Unirio e membro do CJA/CBMA.