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"O Estado de São Paulo" e o Código Comercial

Recentemente, em 24 de janeiro de 2019, repetiu no editorial "É preciso um novo Código?" (pg. A3) suas dúvidas sobre o tema, afirmando que o projeto em tramitação no Senado seria uma "herança do governo Dilma" e não contaria com o apoio de meios empresariais e forenses. São três imprecisões factuais, que deveriam ter sido corrigidas pelo jornal.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Atualizado em 15 de outubro de 2019 18:18

Em 22 de abril de 2011, o jornal "O Estado de São Paulo" publicou editorial com o título "A reforma do Código Comercial" (pag. A3). Neste editorial, o jornal expressou sua aprovação à proposta, lançada naquele ano, de revisão da codificação brasileira de direito comercial. As palavras finais deste editorial revelavam, aliás, indisfarçável entusiasmo com a ideia: "a modernização do direito comercial é um processo demorado e bastante técnico, por causa da complexidade e da heterogeneidade do universo empresarial brasileiro. Mas, do modo como está começando, ele tem tudo para dar certo" (grifo acrescentado).

No editorial de 2011, o OESP avaliava os efeitos negativos da inexistência de um Código Comercial: "como os princípios e as normas de direito comercial ficaram espalhados entre diferentes textos legais, alguns inspirados no direito romano e outros no direito anglo-saxônico, ficou aberto o caminho para interpretações antagônicas nos tribunais, gerando incerteza jurídica e inibindo o desenvolvimento das empresas".

Este diagnóstico do jornal coincide, na essência, com o feito pelo senador Renan Calheiros, ao receber da comissão de juristas o anteprojeto de Código Comercial, em 2013: "ao longo dos anos, as normas brasileiras sobre o comércio acabaram se transformando num corpo desconexo de leis esparsas, às vezes contraditórias e, em consequência, uma legislação de difícil compreensão. Esse quadro confuso, ensejador de insegurança jurídica, não colabora na formação de um bom ambiente de negócios".

Voltando ao editorial de 2011, nele, o OESP também destacou as impropriedades da unificação legislativa: "para muitos juristas, as pequenas e médias empresas, as grandes corporações e as instituições financeiras necessitam de modelos contratuais diversificados e sofisticados, que não são previstos pelo Código Civil. Ao unificar o direito privado, o Código tratou as relações entre as empresas da mesma forma que as relações de consumo, de trabalho e de vizinhança".

E ressaltou as vantagens de um novo Código Comercial: "para as entidades empresariais, a centralização dos princípios e regras de direito comercial num código específico vai propiciar dispositivos mais objetivos e precisos em matéria, por exemplo, de limitação da responsabilidade dos sócios por dívidas trabalhistas das empresas e do cálculo dos valores a serem recebidos pelos sócios que se retiram de uma sociedade".

Alguns anos depois, o jornal mudou sua opinião sobre o assunto. Em editorial de 5 de janeiro de 2017, afirmou: "em vez de um novo código com normas que se sobrepõem à legislação vigente, o que a Câmara e o Senado deveriam ter feito era introduzir modelos contratuais mais diversificados no Código Civil, modernizar a regulamentação do setor securitário, disciplinar de forma mais eficiente o comércio eletrônico e aperfeiçoar as regras que disciplinam todas as etapas da cadeia do agronegócio".

Recentemente, em 24 de janeiro de 2019, repetiu no editorial "É preciso um novo Código?" (pg. A3) suas dúvidas sobre o tema, afirmando que o projeto em tramitação no Senado seria uma "herança do governo Dilma" e não contaria com o apoio de meios empresariais e forenses. São três imprecisões factuais, que deveriam ter sido corrigidas pelo jornal.

Não é correto qualificar o projeto como "herança do governo Dilma". Ele se insere, na verdade, no processo de ampla revisão das codificações brasileiras de iniciativa do Poder Legislativo, que teve início quando o presidente do Senado era o senador José Sarney. O projeto a que se refere o último editorial é o PLS 487/13, que não contou com absolutamente nenhuma participação do Poder Executivo.

Ademais, durante o governo Dilma, o Código Comercial teve a tramitação contida, tendo sido até mesmo criticado como "excessivamente liberal" por alguns de seus integrantes; foi só mesmo a partir do governo Temer, que o projeto destravou.

Também não é correto dizer que a iniciativa não teria sido bem recebida nos meios empresariais. Ao contrário, o projeto desfruta, por exemplo, do decisivo apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e da FECOMÉRCIO de São Paulo, desde o início.

E não é correta, por fim, a afirmação de que o projeto não teria sido bem recebido nos meios forenses. Cito alguns de seus apoiadores: o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, que presidiu a comissão de juristas encarregada da elaboração do anteprojeto no Senado; e o presidente do TJ/SP, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, professor da PUC-SP e USP, que integrou a comissão de juristas do Código Comercial da Câmara dos Deputados.

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*Fábio Ulhoa Coelho é professor titular da PUC-SP. Relator da Comissão de Juristas do Código Comercial no Senado.

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